Opinião
Quando o desporto é profissão
Como qualquer atividade humana, o desporto merece atenção para que haja na pessoa um desenvolvimento harmónico inteletual e físico. Habitualmente os pais e os professores olhavam com admiração os alunos que sobressaíam nos estudos, em particular no raciocínio matemático e lógico. E os outros com diferentes capacidades, para o desporto ou arte de representação, eram vistos como de segundo ou terceiro nível.
Alguns valorizavam a capacidade de comunicação verbal e escrita, a ordem lógica e sequencial das ideias expressas. Mas pouca importância se dava a quem tinha jeito para dançar ou para a arte, pintura, música, canto, ou para algum tipo de desporto exigindo agilidade e destreza na simulação. Estas eram consideradas capacidades de menor importância, toleradas, não incentivadas. Os modelos a imitar seriam os que tinham as melhores classificações em matemática e em áreas conexas.
O professor Charles Handy falava nos fatores e que criam entusiasmo nas crianças, ao serem reconhecidas como ímpares e muito boas nalguma coisa. Isso torna a criança muito segura de si, porque é mesmo boa naquilo. Essa segurança ajuda a deixar as dificuldades em segundo plano, sem ficar esmagada por elas, para as superar com tranquilidade.
É uma abordagem positiva: se a criança é boa na dança, na declamação, na memorização, na representação… pois esse é o fator no qual deverá ser desafiada para fazer melhor e ser mesmo muito boa.
Da parte dos educadores (os professores) deve haver especial atenção a isto: há variados tipos de inteligência e muitos, elas e eles, terão propensão para o desporto, atletismo, etc. É bom que sejam estimulados, orientando-os bem, para que alcancem níveis elevados de prestação. E depois exigir que noutras matérias deem boa conta.
Vejo com agrado que a “profissão” de coach no âmbito desportivo, está a ter boa entrada na Índia, nos variados estratos da sociedade, que começa a apreciar as competições desportivas, como o cricket e também o footbal, embora este visto nas equipas europeias e americanas do Sul.
Com uma população vasta e diversificadas vocações profissionais, é natural que aconteça o que vem acontecendo com profissionais intelectuais oriundos da Índia. Ninguém duvida que há um escol de muito alto nível em quase todos os setores intelectuais, de indianos a prosperarem nos EUA. Numa sociedade meritocrática, isso é resultado do valor pessoal demonstrado, que os catapultou para o primeiro nível das organizações empresariais e das universidades.
Se se dá atenção e se valoriza as vocações de desporto, sem dúvida aparecerão jogadores de primeiro nível em todos os desportos.
Contava-se que há alguns anos, um bom grupo de quadros de topo da Microsoft tinham deixado a organização. Houve, como é natural, um desejo de saber porquê? Para se juntar à concorrência? Para começar outra carreira profissional? E na maioria dos casos os jovens de sucesso e ganhando muito bem, tinham deixado a empresa para irem trabalhar com as ONGs e Charities.
Sabiam muito de programação, de temas de TI, mas pressentiam que isso não era o “mundo” que queriam viver. Havia clara imaturidade ou digamos desequilíbrio nos aspetos de desenvolvimento da sua personalidade.
Quando observo a trajetória dos bons jogadores, muito bem pagos, nos domínios em que o desporto acabou sendo um “negócio” mexendo com quantidades ingentes de dinheiro, vejo algumas coisas, como nos especialistas de TI, que devem ser prevenidas ou minimizadas:
- Jogadores ainda novos, nos seus 20 anos, muito bem pagos, acabavam por ter uma vida desgraçada. Com carros muito caros, para impressionar, e acabavam por espatifá-los na primeira esquina;
- Outros, metiam-se em aventuras, não só estragando a sua vida, como também de outras pessoas;
- Os que chegavam ao fim da sua carreira encontravam-se, em muitos casos, numa situação de dificuldades financeiras. Apesar de terem ganho muito bem, também os gastos eram tresloucados, alguns morrendo na quase miséria.
Em geral, ganhar muito, ainda novos e imaturos, sem critérios para gerir os seus ganhos, fá-los sentir como “donos do mundo”. É o que faz o dinheiro fácil.
Como é que se poderia ajudá-los no futuro? A formação que recebem em casa é muito valiosa, para terem critérios nas suas decisões. O que a mãe disse e repetiu; os conselhos tantas vezes recordados pelo pai, notando que a carreira profissional é curta e abrindo perspetivas para que possam ser bons cidadãos, úteis à sociedade, que pagam os impostos e que dão importância ao longo prazo e à realização como pessoas e não apenas como jogadores.
Terão também impacto no seu comportamento os treinadores e o grupo de colegas-jogadores. Os bons treinadores, com autoridade, deveriam lembrar com frequência algumas ideias básicas, entre elas a da humildade, mesmo quando no estádio a bancada toda se levanta em delírio. Que vejam o contingente e passageiro de êxitos desportivos; que saibam agradecer aos colegas terem preparado e passado a jogada para ele a completar. A consciência de que as boas jogadas são fruto do trabalho da equipa e daí o sentido de agradecimento.
Aos jogadores de alta competição deveria lembrar-se as noções básicas de como fazer render o que recebem, aplicando ou depositando para mais tarde poderem receber com juros; isso pode ajudar a não serem gastadores de ”imediato”.
Com a ampla difusão do ensino e a melhoria da alimentação e da assistência sanitária, prevejo uma nova era do desporto na Índia. É preciso que a onda de apreço se alastre e se consolide e os pais não vivam na obsessão de que o mínimo a esperar do filho é que seja médico ou engenheiro. Ser futebolista ou criquetista é também bom, delicia os apreciadores da modalidade e é onde ele pode ganhar muito bem a sua vida!
*Professor da AESE-Business School, do IIM Rohtak (Índia) e autor do livro “O Despertar da Índia”