Opinião

PRR – Um novo compromisso público-privado para a inovação 

Miguel Rebelo de Sousa e Miguel Leocádio, Plataforma Portugal Agora*

A maior criação de valor e um caminho de crescimento sustentável nos próximos anos dependem em larga medida da capacidade de Portugal executar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Não só o seu ritmo de execução é relevante, mas ainda mais importante são a tipologia e modelo de implementação desses investimentos, como alavancas de crescimento sustentável.

De acordo com o relatório da Estrutura Recuperar Portugal, no final do 1.º semestre deste ano, da dotação total de 16,6 mil milhões de euros, 5,4 mil milhões encontram-se aprovados (um terço), e desses, 726 milhões foram pagos, ou seja, entraram efetivamente na economia (4,3%). Daqui resulta o sentido de urgência para uma aceleração da sua execução.

No entanto, é na qualidade dos investimentos que se jogará a capacidade do país se transformar e entrar num ciclo de crescimento superior ao da sua história recente. As escolhas do PRR são claras, e muito se discutiu sobre a maior alocação das dotações às entidades públicas e menos do que o esperado a empresas. Mas, independentemente dessa configuração, o PRR assenta no racional económico de que o investimento público é catalisador do investimento privado (e vice-versa), num modelo virtuoso que promove inovação.

Neste racional, os investimentos no próprio Estado deveriam ser direcionados para a sua transformação, nos seus desafios estruturais conhecidos, conducentes a serviços públicos de nova geração, mas que em simultâneo desafiem as empresas e parceiros privados, ou seja, mais do que comprar serviços e produtos existentes, promovam a inovação empresarial. Citando a conceituada economista Mariana Mazzucato, “a mudança necessária no modelo capitalista implica que se reformule a forma como as diferentes organizações e agentes económicos possam cocriar valor”.

Mas como promover estes investimentos virtuosos, com amplificação de impacto? Parece-nos crítico encontrar neste momento os instrumentos de parceria certos e reformulá-los para prosseguirmos este desígnio.

O código da contratação pública prevê há vários anos o modelo de Parceiras para a Inovação, sem que este seja usado, salvo raras exceções. É um modelo dirigido a projetos quando existem objetivos, mas ainda não existe solução que possa ser finamente especificada. Se queremos transformar e evoluir, estimulando o surgimento de soluções inovadoras, este não deveria ser um instrumento crucial? Para mitigar riscos nos casos de transformação mais profunda, também existem instrumentos para experimentação prévia como o Direito ao Desafio e as Zonas Livres Tecnológicas. Haverá certamente aqui um esforço grande de promoção a fazer pelas lideranças governamentais e públicas.

Mas esta é também uma oportunidade única para se ultrapassarem anátemas ideológicos e avaliar a evolução para novos modelos de relacionamento propícios à inovação e ao crescimento sustentável. Citando novamente Mariana Mazzucato, “o Estado, sozinho, independentemente da sua ambição e missões, não conseguirá perseguir um caminho melhor se não tiver uma relação mais produtiva com o setor empresarial e, por sua vez, o setor empresarial não se orientar mais ao propósito e ao longo prazo”.

Afinal não será na reformulação dos compromissos entre a esfera pública e privada que se ditará um novo ciclo virtuoso de crescimento em Portugal? Porque não procurar idealizar uma nova geração de parcerias entre o setor público e o privado, que possam funcionar como a alavanca de crescimento e inovação de que o país precisa? Um compromisso estratégico entre as partes para criar valor a longo prazo, através uma nova geração de parcerias, com base numa partilha dos riscos, mas também dos resultados, alinhados com objetivos estratégicos de política pública (e objetivos a longo prazo com que o país se comprometeu).

Existem com facilidade áreas propícias e oportunas como a saúde, nos serviços ou no desenvolvimento de tratamentos inovadores, a modernização do Estado, com soluções digitais de nova geração, a mobilidade e transportes, pela evolução de soluções integradas e mais sustentáveis, a energia, pelo desenvolvimento de soluções que potenciem ainda mais a transição energética.

Em resumo, se precisamos alavancar o investimento público, deve-se pensar cada vez mais em modelos que permitam o envolvimento de empresas, em modelos que alavanquem simultaneamente a inovação pública e a empresarial. Dessa forma, permitirá ao Estado beneficiar desse investimento conjunto, para lá do acesso ao bem e serviço em causa, na criação de emprego qualificado, na maior capacidade de investimento das empresas ou maior compromisso com a eficiência energética e sustentabilidade, passando ainda pela difusão de uma dinâmica de inovação, que pode incluir reinvestimento de receitas na capacidade de evolução ou criação de novas soluções, reforço de qualificações, e em agregado, da competitividade da economia nacional.

Vamos esperar por outra oportunidade?

*Miguel Leocádio, vice-presidente da Plataforma Portugal Agora, e Miguel Rebelo de Sousa, membro da Plataforma Portugal Agora

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