Opinião
Prontos para reaprender
Escrevo este artigo a partir de um avião que faz o trajeto Lisboa-Londres. Após mais de um ano e meio de viagens interrompidas, devido à pandemia, vislumbra-se o regresso a uma normalidade, cuja falta foi bastante sentida e que para muitos ainda o é até pela forma como têm vivido toda esta situação.
A maneira como todos fomos afetados por tudo o que vivemos desde o início de 2020 será certamente alvo de muitos estudos nos anos vindouros, mas está na altura de recuperarmos uma parte significativa que foi extremamente impactada: as relações físicas com os outros, tanto em contexto profissional como em contexto pessoal.
O contacto que passámos a estabelecer com o núcleo de pessoas com os quais interagimos passou a ser feito de forma exclusivamente digital durante bastante tempo e ainda o é hoje em dia, apesar de começarem a ser comuns os encontros entre colegas e amigos. A nível familiar, o cuidado foi sempre elevado, mas muitas pessoas, a dada altura, começaram a conviver fisicamente com alguns dos membros da família. Todos nós fomos capazes, de uma forma ou de outra, de manter o contacto com as pessoas relevantes, nos diferentes contextos, mas que tipo de contacto foi esse? E é suficiente para nós, enquanto seres sociais? E não sendo, qual o impacto que tem no nosso dia a dia?
Independentemente da forma como cada um lidou com a pandemia, e do nível de risco que decidiu assumir nas suas interações com outros, uma coisa ficou clara: o contacto digital não substitui, de forma alguma, o contacto físico. Muitas de nós tornaram-se extremamente produtivos, em teoria, porque conseguimos continuar a cumprir as nossas tarefas e mais ainda, porque deixámos de ter de nos deslocar e conseguimos otimizar o nosso tempo.
Tivemos, inclusivamente, conversas mais longas com algumas pessoas – afinal, não estamos juntos, mas podemos sempre fazer um call, certo? Mas a verdade é que aquilo que nos liga, que nos faz identificar uns com os outros, e que constitui uma boa parte da cultura da empresa, não está presente da mesma forma. Não “perdemos” tempo a beber um café a meio da manhã, mas também não ouvimos as últimas novidades daquele colega que é também um amigo. Demoramos menos tempo a almoçar, mas deixamos de ver as pessoas que víamos todos os dias nos cafés e restaurantes e com quem falámos sobre tudo e sobre nada.
Para todos os que como eu, faziam boa parte da sua vida das relações que estabeleciam com clientes e parceiros, deixámos de ter de nos deslocar para eventos de networking, mas perdemos toda a componente relacional que estes nos traziam. Passámos a ter muito mais tempo, mas muitos de nós (e eu incluo-me neste grupo) tiveram, muitas vezes, dificuldades em geri-lo da melhor forma – afinal, há sempre mais qualquer coisa a fazer.
Todas estas situações levaram a que nos encontremos numa situação em que temos de reaprender. Reaprender como interagir connosco e com os outros, reaprender a definir os nossos limites e a perceber que não faz mal “perder” tempo com algumas coisas – porque algumas são mesmo importantes e foram descuradas nos últimos 19 meses. Reaprender, socialmente, o que significa começar a ver vestígios daquela normalidade em que podíamos entrar num café sem máscara, e não sentirmos que estamos a fazer algo de errado – nem sentir que os outros nos olham de forma esquisita. Temos tudo isto, e muito mais para reaprender – e ainda bem, é sinal que estamos a caminhar no sentido certo.
Tenho tido a oportunidade de estar com diferentes tipos de pessoas nos últimos meses: família, amigos, clientes e parceiros. E, de uma forma ou de outra, encontrei em todos esta vontade de estar juntos pela diferença que faz, pelas conversas que se tornam possíveis, pelos temas sérios que se endereçam melhor olhos nos olhos e pelas gargalhadas sem hora marcada. Todos, sem exceção, sentem falta disto. E é por isso que estou convicto que a reaprendizagem será rápida. Não se trata de dizer que vamos voltar (ou não) ao que era dantes. Trata-se de dizer que vamos voltar a estar juntos com todo o impacto que isso tem nas relações profissionais e pessoais. Como? Reaprendendo – não é como andar de bicicleta, mas não está longe.