Opinião

Programador: o novo desempregado! Requalifica-te!

Rui Ribeiro, Head of Consulting & Technology na Auren Portugal

Em 1993, quando decidi ir tirar Engenharia Informática no Instituto Superior Técnico, disseram-me por muitos anos: “tens emprego para toda a vida” e “isso é que é o curso do futuro!” (de notar que não foram estes os motivos da minha decisão de entrar nesta formação).

De facto, ambas as afirmações podem manter-se válidas, mas a certeza de então é claramente uma incerteza atual! A automação e a Inteligência Artificial (IA) estão rapidamente a transformar o mercado de trabalho, e em particular também aqueles que se pensavam imunes à própria transformação digital. No setor da informática, a profissão de programador – outrora promissora e indispensável – pode estar prestes a enfrentar uma transição sem precedentes. Segundo o CEO da Google, já hoje 25% do código das aplicações da empresa é gerado automaticamente por IA. Acrescem a estas afirmações, a certeza do próprio fundador da Google – Eric Schmidt – de previsão de que, até 2030, 80% do código em todas as empresas será igualmente produzido por sistemas inteligentes.

Essas estimativas sugerem uma mudança radical que pode redefinir o papel dos profissionais de tecnologia no futuro. Essa tendência de automação alimentada pela IA não se limita ao setor tecnológico. A substituição de tarefas repetitivas por sistemas de IA é uma das características mais disruptivas das Quarta e Quinta Revoluções Industriais (em curso). Empresas em diversos setores já adotam tecnologias que possibilitam a criação e otimização de software sem a necessidade de programadores humanos em certas etapas. Ou seja, mesmo as áreas tecnológicas carecem de se transformar digitalmente, pelo que desta forma, programar tornou-se uma tarefa repetitiva, pelo que automatizável!

Desta forma, pegando neste exemplo do programador, mais do que um executante, o nível de exigência carece de elevação de competências, nomeadamente na sua capacidade de ter um nível de proatividade, que se traduz numa mudança para se tornar mais focado em supervisão e inovação, enquanto as tarefas rotineiras são delegadas a algoritmos.

Para além da programação, o impacto da IA noutras profissões é inevitável. Carreiras que dependem de tarefas repetitivas e previsíveis, como contabilidade, revisão de contratos e até análises básicas de dados, estão na linha de frente da automação. Essa substituição de funções humanas por IA, embora eleve a produtividade, também cria o risco de choques sociais profundos, uma vez que profissões inteiras podem ser reestruturadas ou eliminadas. Este cenário impõe um desafio duplo: a necessidade de programas de requalificação (ver programa Líder +Digital do IEFP) e o desenvolvimento de competências para o novo mundo digital, além de políticas públicas que garantam uma transição justa para trabalhadores afetados.

Se pensarmos que o conceito de auto-melhoria, em que o próprio software identifica falhas, melhora o seu desempenho e atualiza o código de maneira autónoma, representa uma evolução significativa. No caso de plataformas avançadas de IA, a capacidade de se autodiagnosticar e corrigir bugs possibilita ciclos de desenvolvimento mais rápidos e eficazes. Tal reduzirá a dependência de revisões humanas e liberta os profissionais para funções mais analíticas, como o desenvolvimento de algoritmos complexos, avaliação de riscos e supervisão de processos. Sam Altman, CEO da OpenAI, veio confirmar que até 2025, a Inteligência Artificial Geral (AGI) entrará no mercado. A AGI representa um salto além da IA Generativa tradicional, capaz de realizar tarefas intelectuais em qualquer domínio humano, tornando-se, potencialmente, auto-suficiente para diversas funções. Esta previsão levanta questões sobre a redefinição do trabalho em tecnologia e da própria necessidade de programadores humanos.

Em última análise, a presença de IA na criação de código e noutras profissões levanta a necessidade de novas competências e capacidades no mercado de trabalho. Se, de fato, a automação avançada e a AGI dominarem áreas significativas, os profissionais terão de se reinventar, dedicando-se mais a atividades criativas, análise crítica e supervisão de processos, enquanto o trabalho técnico será deixado, cada vez mais, para as máquinas.

Esta transição vai obrigar a uma percepção clara dos Governos dos diversos países, para evitar desequilíbrios sociais, com políticas de apoio e requalificação para garantir uma adaptação inclusiva à nova realidade. Será que os decisores governamentais estão tecnicamente preparados?

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Rui Ribeiro

Rui Ribeiro

Atualmente é Head of Consulting & Technology na Auren Portugal, tendo sido antes Diretor-Geral da IPTelecom, Diretor Comercial da Infraestruturas de Portugal S.A., Diretor de Sistemas de Informação na EP - Estradas de Portugal S.A. e Professional Services Manager da Sybase Inc. em Portugal. Na academia é diretor executivo da LISS – Lusofona Information Systems School, e docente da ULHT. Rui Ribeiro é doutorado em Gestão Empresarial Aplicada, na área de Sistemas de Informação, pelo ISCTE/IUL, possui um MBA na... Ler Mais..

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