Opinião

Privacidade: Digital a quanto estamos obrigados?

Rui Ribeiro, diretor-geral da IPTelecom

Quantos de nós já nos demos conta de que, quando visitamos um site ou uma rede social, nos deparamos com uma notícia ou uma publicidade sobre algo que fizemos ou visitámos 5 minutos antes ou no dia anterior? Ou pior… que conversámos com alguém? Quantos de nós já se deram ao trabalho de ver os detalhes das políticas de privacidade dos sites ou aplicações que usamos?

Há dias, dei-me ao trabalho de ver a quantidade de cookies que uma aplicação instalada no meu iPhone, de uma conhecida rádio de notícias portuguesa, com o objetivo de desabilitar todos. Deparei-me com o facto de ter mais de duas centenas de cookies. Para quem não sabe o que são cookies, e de uma forma simplificada, são pequenos sensores que enviam informações, sobre o que vemos e fazemos na aplicação ou site, para uma empresa. Nessa aplicação, da conhecida rádio nacional, encontrei cookies de muitos países e com uma variedade de objetivos de informação ampla… Conclusão, irritou-me o exagero da intromissão e desinstalei a aplicação!

Quantos de nós sabem bloquear nas configurações do browser ou telemóvel, os acessos dos cookies? Importa ter a noção que damos acesso, sem consciência, ao microfone, às câmaras ou até à nossa biblioteca de fotografias!

A realidade de compreender que atualmente tudo o que realizamos digitalmente, não só não é eliminado, como é usado por outros para fins que desconhecemos, é algo que temos de nos habituar, uma vez que faz parte do atual e futuros modelos de negócio de desenvolvimento de produtos e serviços.

Atualmente, e com os paradigmas “Customer-centric”, as pessoas passaram a ser o produto das empresas e é o mundo digital que torna isso possível. Passou a ser possível, de forma simples para as empresas, obter-se sem grande esforço as informações de perfil, mas, ainda mais importante, também obter-se informação sobre o contexto de cada indivíduo, desde o contexto psicológico ao contexto social e geográfico da pessoa.

A discussão prende-se a este nível, perceber em que momento estão as empresas a passar a “fronteira da privacidade”, induzindo e influenciando diretamente as pessoas. O caso da Cambridge Analytica, com o Facebook, demonstrou a ponta do iceberg do que é possível, e só foi banida do mercado porque ajudou a eleger Donald Trump, como presidente dos EUA, e a que ganhasse o Brexit no Reino Unido. Mas a realidade é que existem atualmente milhares de empresas, em todo o mundo, que fazem exatamente o mesmo que a Cambridge Analytica e … provavelmente a usarem essa informação com fins muito mais impróprios.

Resta-nos criar mais cultura de privacidade e de segurança de informação, em particular através da educação dos mais jovens, que mais ingenuamente usam as novas tecnologias como uma extensão das suas próprias vidas. O mundo mudou e a pegada digital torna o rasto de tudo o que hoje realizamos inelidível, pelo que a consciência e cultura sobre o simples “OK” ou “Concordo” nas instalações de aplicações ou sites deve ser reforçada.

Em paralelo, os Estados que querem garantir que têm populações sãs e saudáveis na sua liberdade de pensamento, têm de ter mecanismos efetivos de gestão e fiscalização da privacidade como o RGPD, mas com as mesmas ferramentas “automáticas” de quem fiscalizam. Isto é, com processos digitais e sem conceitos de fronteiras físicas dos países, dado que no mundo digital não existem fronteiras.

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Rui Ribeiro

Rui Ribeiro

Atualmente é professor da Universidade Lusófona e consultor de Transformação Digital, tendo tido várias atividades profissionais, entre as quais Head of Consulting & Technology na Auren Portugal, diretor-geral da IPTelecom, diretor comercial da Infraestruturas de Portugal S.A., diretor de Sistemas de Informação na EP - Estradas de Portugal S.A. e Professional Services Manager da Sybase Inc. em Portugal. Na academia é diretor executivo da LISS – Lusofona Information Systems School, e docente da ULHT. Rui Ribeiro é doutorado em Gestão... Ler Mais..

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