Opinião
Prendas para o ano novo – e provavelmente para a década

Passado, ou quase, o primeiro mês do ano e da década, certamente os desejos já foram todos feitos e as prendas trocadas. Inclusive os reis magos também já entregaram as três prendas ao menino Jesus, como relatam os escritos no livro de São Mateus: “E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra.”
A par das preocupações que constituem a agenda internacional desde o século passado e que continuam válidas, a minha lista de “desejos” enquanto cidadão, inclui três prendas que poderiam contribuir para a melhoria da produtividade, da competitividade, do crescimento económico e do bem estar de todos os agentes económicos e sociais.
São três aspetos da vida, da convivência e do relacionamento social e económico que, com o conhecimento coletivo atual e com o apoio das tecnologias, já deveriam estar num patamar mais elevado.
1 – Desburocratização: A criação de regras e procedimentos são necessários à convivência social e aos negócios, numa sociedade em que a palavra, a honra e o respeito, perderam o seu valor intrínseco. Contudo, essas regras, quando distorcidas acabam por produzir efeito contrário, e o seu cumprimento passa a ser um fim em si e não um meio para conseguir um bem-estar económico e social.
Desburocratizar significaria passar a ter uma Administração pública ou privada, com o objetivo principal de resolver os problemas dos cidadãos, das empresas e organizações da sociedade civil. Isto porque quando um cidadão se dirige a uma repartição ou organização é porque tem alguma questão a resolver com a sociedade ou com o próprio Estado e caberia ao Estado/Empresa resolver a questão mediante o respetivo pagamento do serviço prestado. Não são raros os casos de triangulação em que o cidadão percorre vários serviços em que cada um remete para o outro. Também não são raros os casos em que o mesmo serviço exige documentos que ela própria emite.
Numa era em que empregamos a tecnologia para tudo ou quase tudo, não se justifica certos procedimentos, nomeadamente, requerer um documento a um serviço do Estado, para depois entregar o mesmo documento ao mesmo Estado. O problema é que cada um faz muito bem o seu serviço isoladamente, em silos, e ninguém vê a cadeia de valor dos serviços que o Estado/Empresa presta no seu todo. É como se cada um plantasse a sua árvore, mas ninguém cuidasse da floresta. Pessoalmente, não me sinto confortável quando tenho necessidade de me deslocar, fisicamente, a algum serviço público ou privado para tratar de alguma questão que não pode ser feita on-line.
2 – Relacionamento de confiança e boa-fé: aprendemos que os negócios deveriam ser feitos à base de confiança. Hoje, duvidamos; utilizando uma expressão popular, ninguém deveria “passar a perna a alguém”, nem o próprio Estado (seus agentes) no seu relacionamento com os cidadãos e empresas e nem estas (seus colaboradores) com os clientes. Ninguém deveria cobrar a mais e nem recusar pagar o que é devido legalmente. Mas infelizmente não é o que sempre se verifica no relacionamento social e comercial entre Estado, as organizações e os cidadãos. Às vezes é necessário conferir o talão de compra, a declaração de impostos, as faturas e os recibos, etc.
Boa-fé teria impacto positivo no desenvolvimento de negócios e na confiança e na alocação dos recursos. Esse comportamento, intencional ou não, de tentar enganar o outro, é que leva a conflitos e a encher o sistema jurídico de processos e queixas.
Curiosamente, depois de ter desenvolvido este ponto, deparo-me com um texto de um autor Filipe Macedo que diz e passo a citar “Não há confiança sem transparência. A última década trouxe-nos uma série de acontecimentos negativos que prejudicaram bastante a confiança nas empresas. Hoje, é muito mais difícil um consumidor acreditar cegamente na promessa de uma marca”. Fim de citação.
3 – Sistema jurídico-legal mais célere: infelizmente o sistema jurídico-legal não tem todos os meios que lhe permite ser célere o quanto a sociedade gostaria, e, em tais circunstâncias, o próprio sistema judicial acaba por ser vítima. Justiça é complexa e cara, tal como a saúde, e são setores que exigem muitos recursos financeiros e técnicos. Mas tudo é uma questão de prioridades, de foco e de coerência. Justiça fora do tempo pode já não ser justiça.
Precisamos, para a nova década, de um novo sistema económico social e uma sociedade com outros valores.
Naturalmente quem faz as organizações (sejam elas Estados, Nações ou Empresas) são as pessoas, e embora as pessoas estejam sujeitas aos procedimentos e a regras, elas acabam por agir muitas vezes de forma pessoal e individualista. Quem nunca, perante dois colaboradores numa mesma instituição, notou diferença de tratamento? E você, caro leitor, como é que contribuirá, na sua área de atuação para uma década melhor?