Entrevista/ “Incubadora do IPN já criou 240 empresas”

O IPN – Instituto Pedro Nunes foi uma das primeiras incubadoras em Portugal. Nesta incubadora associada à Universidade de Coimbra, nasceu, em 1998, a Critical Software que teve como um dos seus primeiros clientes a NASA, mas foi também no IPN que nasceu a Feedzai, pelas mãos do Nuno Sebastião. Em 2010, foi nomeado “Best Science Based Incubator” e é hoje um modelo de referência na promoção de uma cultura de inovação e empreendedorismo.
Em entrevista ao Link To Leaders, Teresa Mendes, presidente do IPN, referiu que a incubadora já ajudou a criar cerca de 240 empresas, com uma taxa de sobrevivência superior a 75%, e que, para além dos serviços de incubação mais típicos, relacionados com o apoio à gestão e capacitação do empreendedor, possui uma marca distintiva: seis laboratórios próprios de I&DT, vocacionados para trabalharem com empresas de base tecnológica em fase de start-up e scale-up.
O IPN – Instituto Pedro Nunes foi uma das primeiras incubadoras a surgir em Portugal. Como é que tudo começou?
Na Incubadora, a primeira empresa ingressou em 1995, logo que os primeiros edifícios do IPN foram construídos. No início, apostava-se em eventos e sessões de sensibilização para o empreendedorismo e, para estimular a criação de empresas, lançavam-se concursos de ideias de negócio, dirigidos sobretudo aos estudantes da Faculdade de Ciência e Tecnologia. Eram o meio privilegiado para identificar ideias e equipas que pudessem vir a constituir uma empresa.
A criação da Critical Software, premiada num desses concursos e o nosso primeiro caso de sucesso, teve um efeito de contágio determinante e fez-nos passar de um espaço inicial, com capacidade para cerca de 20 empresas, para um novo edifício, em atividade desde 2007, com capacidade dupla. Com a casa sempre “cheia”, criámos, há dois anos, um novo projeto: o TecBIS, Aceleradora de Empresas, infraestrutura que se dirige a empresas em estado de maturidade mais avançado que já vingaram no mercado e ambicionam um rápido crescimento.
Que balanço faz dos cerca de 20 anos do IPN?
O IPN iniciou a sua atividade em 1991, após a sua criação por iniciativa da Universidade de Coimbra e com o objetivo de estabelecer a ligação entre o meio científico e o tecido produtivo. É hoje um modelo de referência e excelência na promoção de uma cultura de inovação, qualidade e empreendedorismo, assente num sólido relacionamento universidade/empresa, pretendendo fomentar uma crescente incorporação de ciência e tecnologia pela economia.
Desenvolvemos atividade em 3 frentes: Transferência de tecnologia, através dos seus laboratórios de I&DT aplicada, Incubação / Aceleração de base tecnológica e Formação. No que se refere à Transferência de Tecnologia, temos vindo progressivamente a aumentar o leque de clientes a quem prestamos serviços de I&DT e desenvolvimento tecnológico, apoio na procura de financiamento e inserção em consórcios nacionais e internacionais. Fomos adquirindo competências nas áreas da comercialização das tecnologias e da proteção da Propriedade Inteletual, aumentámos a capacidade para gerir projetos mobilizadores de dimensão razoável e intensificámos a nossa participação em projetos internacionais, sobretudo europeus.
Relativamente à atividade de Formação, passámos gradualmente da organização esporádica de cursos de formação para empresas, para extensos programas que envolvem, de forma ativa, investigadores e empresários, privilegiando a formação em contexto de trabalho ou acolhendo técnicos de empresas nos nossos laboratórios, promovendo novos saberes e competências.
A Incubadora de Empresas contribuiu, ao longo destes 20 anos, para a criação de mais de 240 empresas de base tecnológica e inovadora, que apresentaram em 2015 um volume agregado de negócios próximo dos 120 milhões de euros, com uma taxa de exportação a rondar os 40%. O impacto destes resultados é notório na região de Coimbra, uma vez que contribuíram decisivamente para a regeneração do seu tecido económico; mas esse impacto faz-se sentir mais além, já que muitas das empresas referidas são hoje casos de sucesso nacional e até internacional, pelas estruturas produtivas e postos de trabalho criados noutras regiões do país e também no estrangeiro.
Como é que o IPN estimula a criação de empresas?
Estimulamos a criação de empresas de base tecnológica e serviços avançados, cooperando com diversas iniciativas na Universidade de Coimbra, no Instituto Politécnico de Coimbra e na comunidade em geral, no sentido de identificar empreendedores com ideias ou projetos passíveis de empresarialização. Estas iniciativas consistem no apoio à organização de concursos de empreendedorismo, programas de capacitação/aceleração de ideias e projetos, bem como inúmeras sessões de divulgação das atividades da incubadora e dos exemplos de percurso das empresas apoiadas. Dispomos também de um conjunto vasto de apoios muito diversificados na área da angariação de capital, proteção de direitos de propriedade industrial, elaboração de plano de negócios, marketing, estratégia, contabilidade, fiscalidade, internacionalização, projetos de I&DT, networking nacional e internacional, entre outros.
Quantos postos de trabalho o IPN já criou até ao momento, quantas empresas já se associaram e qual a taxa de sobrevivência das empresas incubadas?
O IPN, em todas as suas valências, emprega diretamente mais de 100 pessoas, incluindo uma média anual de 30 bolseiros. O conjunto das empresas da Incubadora, da Aceleradora e de todas as ex-incubadas emprega, de forma direta, mais de 2000 pessoas, atualmente. Desde o final de 1995 até à atualidade, a Incubadora já ajudou a criar cerca de 240 empresas, com uma taxa de sobrevivência superior a 75%.
Como atua a incubadora do IPN? Como são feitas as candidaturas e quais os requisitos?
Temos um processo de candidatura que é feito num formulário online no nosso website. Para que um projeto seja enquadrável, é necessário que seja inovador e de base tecnológica e/ou de serviços avançados. O formulário ou “pré-candidatura” é depois avaliado pela equipa de gestores de projetos da Incubadora, que entrevista os candidatos, para complementar a informação recebida. O gestor do projeto faz uma avaliação prévia e submete-a a uma comissão de avaliação de candidaturas que, finalmente, avalia o nível de enquadramento e mérito do projeto, para poder ser apoiado pela Incubadora. Mas todo este processo é bastante rápido e expedito, normalmente demora no máximo uma ou duas semanas.
Os projetos que são aprovados nesta fase, qualificam de imediato para o nosso programa de incubação Virtual – Start e, só depois de serem acompanhados durante alguns meses pelos nossos técnicos e completarem um plano de negócios que demonstre viabilidade, é que podem candidatar-se ao programa de Incubação Física.
As empresas só podem estar fisicamente incubadas durante quatro anos. A partir dessa data é mantida alguma ligação à Incubadora?
Sim, no final do período de incubação, as empresas podem concorrer à Aceleradora, destinada a empresas mais maduras ou então continuar a ligação, através de um contrato que chamamos de Incubação Virtual Follow-up. Trata-se de um serviço de pós-incubação que permite às empresas continuarem a ter uma ligação formal ao ecossistema do IPN e, dessa forma, terem acesso a um conjunto diversificado de serviços, em condições vantajosas.
Em que área de negócio se situa a maioria das empresas em Incubação Física?
Nas áreas da Informática e Eletrónica (TICE), com enfoques diversos: sistemas de informação, saúde, energia, turismo. Mas, no seu conjunto, estão representadas áreas tecnológicas muito diversificadas.
É determinante para o processo de incubação de uma empresa no IPN ter um produto ou serviço global, ou seja, exportável ou escalável?
Sim, é um dos critérios mais importantes e valorizados, quando se analisam as candidaturas.
Qual é o seguimento dado a um projeto que vos parece pouco consistente?
Aconselhamos a que seja melhor trabalhado e indicamos possíveis caminhos alternativos.
Já surgiram situações em que desaconselharam os promotores de uma determinada ideia de negócio a prosseguir naquele caminho?
Normalmente não desaconselhamos ninguém de forma direta, mas ajudamo-los a perceberem, por si mesmos, que talvez aquele não seja o melhor caminho, porque existe alguma falha fatal na tecnologia ou no modelo de negócio que é proposto, ou alguma fraqueza muito importante na composição da equipa, etc. Mas a decisão final é sempre do empreendedor. Apenas o tentamos ajudar a tomar consciência dos riscos que pode correr, ao querer percorrer um caminho que dificilmente levará ao sucesso.
De que forma o IPN consegue ajudar as empresas a resolver os seus problemas tecnológicos?
O IPN, para além dos serviços de incubação mais típicos, relacionados com o apoio à gestão e capacitação do empreendedor, possui a marca distintiva, no contexto nacional e mesmo a nível internacional, de possuir seis laboratórios próprios de I&DT, fortemente vocacionados para trabalhar com empresas e, muito particularmente, com empresas de base tecnológica em fase de start-up e scale-up.
Desta forma, temos múltiplas formas de cooperação com empresas nas áreas tecnológicas dos nossos laboratórios (informática, electrónica e robótica, mecânica e materiais, geotecnia, fitossanidade e eletroquímica). Para além deste apoio direto, temos ainda acesso a uma rede de investigadores, sobretudo da Universidade de Coimbra, a quem recorremos em situações específicas. Desta forma, temos uma grande quantidade de projetos de I&DT de dimensão muito variável (desde pequenos vales I&DT até grandes projetos mobilizadores de I&DT) com empresas de todo o país, no sentido de as ajudar a resolver os seus problemas e desafios tecnológicos e a serem mais inovadoras.
Quais os maiores problemas que as start-ups que estão no IPN enfrentam hoje em dia? O que melhorou relativamente ao passado?
As grandes dificuldades continuam a ser mais ou menos as mesmas. O primeiro grande problema é o do financiamento inicial do projeto, sobretudo para as start-ups mais inovadoras e baseadas em produto, pois as baseadas em serviços conseguem ter faturação para atingir a autossustentabilidade de forma mais rápida. O segundo grande problema é o da capacidade para escalar o mais rapidamente possível e atingir mercados internacionais de forma sustentada. Um dos maiores desafios é, ao nível dos recursos humanos, conseguir reunir todas as competências críticas necessárias para ter sucesso, tanto ao nível de gestão como ao nível técnico.
Em Portugal, face ao passado, melhorou bastante, por exemplo, a disponibilidade de capital semente através de Business Angels e Capital de Risco. É claro que ainda não nos podemos comparar aos mercados mais avançados, mas estamos a fazer um caminho de amadurecimento que parece positivo. Hoje, os empreendedores estão muito mais familiarizados e abertos a esta realidade do investimento qualificado, do que estavam, por exemplo, há dez anos. Os programas de capacitação de empreendedores também têm vindo a melhorar e é bastante positivo o que já se faz em muitos cursos das universidades, ao nível do empreendedorismo. Existem cada vez mais programas de aceleração de ideias e projetos que estão disponíveis nas incubadoras, aceleradoras, e até grandes empresas já se envolvem nesta dinâmica.
O que contribuiu para nomeação do IPN como “Best Science Based Incubator” em 2010?
O excelente desempenho da incubadora numa bateria de indicadores que medem a sua capacidade de autossustentabilidade e o impacto gerado a nível local, como a criação de emprego, volume de negócios das empresas incubadas, etc. No fundo, é o reconhecimento de um modelo de negócio adotado, também ele bastante empreendedor, e um impacto gerado na cidade de Coimbra que é muito significativo e que, em termos relativos a nível internacional, é um caso de estudo.
Casos de sucesso que nasceram dentro desta incubadora?
Alguns dos mais conhecidos e que estão já muito consolidados são: Critical Software, Wit Software, Crioestaminal, Active Space Technologies, FEEDZAI, Take The Wind, Medicine One, Dognaedis.
A Critical Software nasceu nesta incubadora e teve como um dos seus primeiros clientes a NASA. De que forma as start-ups que surgem no seio da IPN, têm ajudado a instituição a promover a inovação e a transferência de tecnologia, estabelecendo a ligação entre o meio científico e tecnológico e o tecido produtivo?
Na verdade, as start-ups e muito especialmente aquelas que resultam de processos de spin-off dos laboratórios do IPN ou diretamente da Universidade de Coimbra, têm sido um dos veículos privilegiados para promover o processo de inovação e de transferência de tecnologia, pois é através delas que o conhecimento gerado se transforma em produtos e serviços que chegam ao mercado.
Como é que a ligação com a Universidade de Coimbra tem potenciado o trabalho do IPN junto das start-ups?
Esta ligação é crítica e fundamental, pois a Universidade proporciona não só a Investigação com potencial de aplicação, mas também a matéria-prima com a qual trabalhamos – recursos humanos altamente qualificados.
Qual a tipologia dos projetos que, neste momento, estão em curso no IPN? Pode destacar dois ou três que possam servir de inspiração para quem quer começar um negócio?
Há muitas coisas interessantes, por exemplo uma empresa que desenvolveu e patenteou um sistema de entrega de moléculas de fármacos através da pele, sem o uso de agulhas – a LaserLeap – e que está a ter muito sucesso na introdução do seu produto, inicialmente na área da cosmética. Outro caso muito interessante é o da Friday, que está a construir casas flutuantes completamente inovadoras a nível mundial e a desenvolver submarinos de recreio para 2 e 3 pessoas, que podem ir até profundidades de 300 metros.
O IPN ajuda também algumas empresas portuguesas a integrar consórcios europeus. Pode partilhar alguns exemplos?
Sim, temos inúmeros exemplos. É o caso da TEandM que participou, como coordenador de um consórcio europeu, no projeto NANO4COLOR, destinado a desenvolver revestimentos finos multicoloridos e muito resistentes ao desgaste, por recurso a nanotecnologias, tendo em vista aplicações diversificadas, desde o automóvel às peças decorativas.
Também a Active Aerogels, empresa da Incubadora, que liderou o consórcio europeu do projeto ICECLAY, tendo como objetivo o desenvolvimento de um tipo especial de aerogel (material isolante de alto desempenho para temperaturas extremas, inicialmente utilizado no espaço), mais económico e com possibilidade de ser produzido em larga escala para o setor da construção. Paralelamente, existem também casos de empresas que operam em setores com tecnologias mais tradicionais, mas ainda assim muito importantes, como o caso da Sofalca que integrou um consórcio europeu do projeto VIP4ALL, onde se procurou produzir materiais de isolamento com incorporação de produtos à base de cortiça.
Como caracteriza o ecossistema de start-ups em Portugal, no geral, e em Coimbra, em particular?
O ecossistema nacional tem vindo a desenvolver-se gradualmente. Hoje, nota-se que está mais maduro e têm surgido várias iniciativas importantes para a sua dinamização. O facto do Web Summit se realizar no nosso país nos próximos 3 anos é um importante fator que poderá trazer visibilidade acrescida sobre os nossos ecossistemas e contribuir até para melhorar a nossa marca-país, no sentido do reconhecimento como produtor de iniciativas tecnológicas inovadoras e de qualidade.
Coimbra continua a ser um dos ecossistemas mais fortes no país, com uma capacidade bastante assinalável de gerar empresas de elevado impacto inovador.
Na sua opinião, o que é preciso para lançar uma start-up e convencer os investidores a apostar numa start-up?
É preciso reunir uma excelente equipa, coesa, multidisciplinar, muito competente, talentosa, corajosa e disciplinada, e que esteja orientada para explorar uma ideia ou projeto com uma proposta de valor muito forte para o mercado, com grande potencial de crescimento.
Como vê o IPN daqui a 10 anos?
Vejo-o como uma referência ao nível da transferência do conhecimento, com capacidade para levar consigo para a cena internacional tecnologias e empresas. Vejo-o como um cada vez mais determinante contributo para a densificação do tecido empresarial, sobretudo da cidade e da região, que atrai talento e fixa cada vez mais jovens em novas empresas que desafiam o mundo.
Um conselho para quem quer lançar uma start-up…
Tenha consciência de que vai ser um caminho muitíssimo exigente, mas que, ao mesmo tempo, pode ser também muito divertido e enormemente gratificante… e não necessariamente apenas do ponto de vista financeiro.
Respostas rápidas:
O maior risco para as start-ups: ter a equipa errada
O maior erro das start-ups: otimismo infundado
A melhor ideia que surgiu até agora no IPN: todas as ideias que permitam fazer muito, com pouco
A maior lição que o IPN pode ensinar: o trabalho árduo e sério compensa
A maior conquista do IPN: o respeito e o reconhecimento da comunidade que serve.