Opinião
Portugal é um país de empreendedores?

Tal como amplamente divulgado nos meios de comunicação social[1], a empresa portuguesa Farfetch vai dispersar parte do seu capital na Bolsa de Nova York. É, naturalmente, uma notícia que agrada a muitos portugueses!
Em conversa, um colega, que também se encontrava manifestamente satisfeito, acrescentou: “só é pena notícias como esta serem raras em Portugal. Portugal não é um país de empreendedores …”.
Naturalmente, não gostei da afirmação … Mas, e porque este meu colega não deve ser o único a partilhar desta opinião, vale a pena refletirmos …
É certo que os principais dados estatísticos (ex. EUROSTAT ou PORDATA) e Relatórios de Empreendedorismo (Ex. Global Entrepreneurship Monitor) apresentam Portugal como um país “avesso ao risco”. Os portugueses são apresentados como não “gostando” de tomar decisões e ir avante quando não conseguem garantir o êxito das suas iniciativas. E muitas das razões apontadas para esta “aversão ao risco” estão enraizadas na nossa história, especialmente na “cultura paternalista e pouco audaz” do “Estado Novo”. No que toca à nossa história e vivência comum enquanto povo e país, parece-me pertinente refletir um pouco mais …
Portugal, desde a sua fundação enquanto país em 1143, é detentor de uma história muito rica, aventureira, ousada! Começa desde logo com o comportamento corajoso de D. Afonso Henriques, que ousou “impor-se” contra a vontade de sua mãe, D. Teresa de Leão, e tornar o Condado Portucalense um país, autónomo, livre e soberano. E o que dizer do comportamento aventureiro de D. João I e do seu filho, o Infante D. Henrique? A estas figuras ímpares da nossa história podemos atribuir o planeamento e conceção dessa Grande epopeia que foram os “Descobrimentos Portugueses”, que aliado ao comportamento aventureiro de tantos navegadores (como Vasco da Gama, Bartolomeu Dias ou Pedro Álvares de Cabral, apenas para citar três personalidades), tornaram possível “navegar por mares nunca dantes navegados” (para frasear o nosso Grande poeta, Luís Vaz de Camões). E assim os portugueses colocaram os “quatro cantos do mundo” a comunicar entre si, dando impulso à primeira globalização da história.
E não podemos esquecer os feitos extraordinários do Marquês de Pombal, da Grande reconstrução de Lisboa – após o devastador terramoto de 1755 – mas também da recuperação económica do nosso país, fruto da negociação audaz que foi estabelecida com várias nações europeias, entre elas o próprio Reino Unido, de quem dependíamos não apenas industrialmente, mas até para a produção do tão afamado “Vinho do Porto”. E a Revolução do 25 de Abril, cuja ação determinada e concertada dos Capitães de Abril permitiu derrubar o então regime político autocrático.
A estes e a tantos outros Ícones da nossa história contemporânea e recente – como Fernão de Magalhães (que ousou provar que a terra era redonda), a Rainha D. Leonor (fundadora da Casa das Misericórdias), o cientista Pedro Nunes, os “Nobéis” Egas Moniz ou José Saramago e todos os empreendedores e empresários da nossa história recente que criaram (… ou estão a criar) empresas, grupos económicos e organizações sociais – atribuímos o “feito” corajoso, audaz e empreendedor, que os levou a identificar novas oportunidades e a propor novos projetos e iniciativas diferenciadoras e geradoras de valor. Isto é “empreender” …
É certo que muitos destes exemplos constituem feitos de alguns portugueses, apenas … Mas, esta história ímpar e audaz leva-nos a equacionar que – embora possam não ser muitos os portugueses empreendedores (individualmente) – Portugal é, coletivamente, um dos países mais empreendedores do mundo!
* Coordenadora da Escola de Liderança e Inovação do ISCSP – Universidade de Lisboa
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[1] Exs. Business of Fashion, Portal Observador, Finantial Times, entre outros meios de comunicação.