Opinião

Portugal: (Má)temáticas a mais, matemáticas a menos

Tomás Loureiro, Head of Innovation Intel na EDP

Vivemos num país rico em casos e casinhos – todos os dias um novo que faz as delícias da comunicação social e alimenta a conversa de café. Um dos últimos, talvez mais despercebido, passa pela não obrigatoriedade do exame nacional de matemática (12º ano) se ele não for necessário para o acesso ao ensino superior. Num país que já tem a pior literacia financeira da Europa, estaremos a querer que os portugueses deixem definitivamente de saber fazer contas à vida?

É apenas mais uma “má temática” entre tantas outras que têm surgido diariamente, na sua maioria direta ou indiretamente associadas a decisões ou a membros do governo. Esta provavelmente com menos expressão por não ter impactos visíveis a curto prazo. Numa altura em que os alunos tiveram quase 2 anos sem aulas (ou com aulas em casa, muito limitados a uma aprendizagem plena) e em que a greve dos professores (justificada, não é isso que está em causa) está novamente a deixar os alunos sem aulas, eis que o governo vem propor que não só se reduzam de 4 para 3 os exames obrigatórios, mas que também o exame de matemática deixe de ser obrigatório a não ser como prova de acesso às universidades. Será esta a melhor forma de termos uma sociedade e um povo cada vez mais instruído e capaz? Não me parece, mas vamos por partes.

“A educação é a arma mais poderosa que podemos utilizar para mudar o mundo”. É uma frase de Nelson Mandela, e com a qual não podia concordar mais. Mas para quem prefere uma expressão mais popular, “é de pequenino que se torce o pepino”.  Acredito muito no papel transformador e formador que a educação tem. A escola, a escolaridade tem o papel de nos preparar para o futuro, de nos dar ferramentas para que possamos desenvolver um sentido crítico, analítico, criativo, que nos permita estar preparados para os desafios da vida. Enquanto país, temos muito a fazer neste capítulo, especialmente quando comparamos com outros países europeus e não só.

Talvez não seja coincidência que muitos dos países com melhor educação tenham depois índices de desenvolvimento económico e social superiores. O que é comum a todos esses modelos? A exigência. E o que tem o exame nacional de matemática a ver com tudo isto? Tudo na realidade.

Em primeiro lugar vamos falar de matemática. Talvez não nos apercebamos, a matemática é de facto um pesadelo para muitos estudantes, mas quase tudo o que fazemos e acontece pode ser explicado por matemática ou com recurso à mesma. Mais direta ou indiretamente, diariamente o pensamento analítico suporta as nossas decisões, independentemente da profissão ou ocupação.

Quando no quiosque pedimos um café e um bolo temos que estimar quanto nos vai custar; Quando decidimos se vamos de férias temos que adaptar o budget em função dos nossos rendimentos e poupanças (ah, pois, as funções); Quando estimamos qual a média dos gastos mensais em supermercado, estamos a aplicar conhecimentos de estatística. Exemplos simplistas, mas representativos.

Em segundo lugar falemos do papel dos exames nacionais. Naturalmente que eles são importantes enquanto provas de ingresso para as faculdades, mas acima de tudo pretendem determinar um conhecimento mínimo necessário numa determinada disciplina, independentemente da exigência, geografia ou circunstância de cada escola, e assegurar uma avaliação uniforme para o acesso ao ensino superior, mitigando, assim, as desigualdades ou disparidades nos critérios de avaliação em cada escola.

As avaliações servem para assegurar que há o “incentivo”/obrigatoriedade para que os alunos estudem e para que as escolas ensinem, não deixando assim ao critério de cada um, tal e qual como o estabelecimento de objetivos individuais e a sua avaliação de performance são essenciais nas empresas. Os exames de Português e Matemática eram obrigatórios para todos os alunos pela sua importância para a conclusão do ensino secundário, assegurando, assim, que nestas disciplinas chave havia um conhecimento mínimo para transitar. Ao retirar matemática, não só deixamos de ter uma exigência mínima numa disciplina chave para o desenvolvimento cognitivo, como baixamos a exigência no ensino como um todo (que é agravada pela diminuição do número de exames).

Em terceiro lugar, falemos dos diferentes percursos profissionais. Dir-me-ão uns que querem seguir os caminhos de humanística, outros que nem queriam ter frequentado o ensino secundário e que não seguirão para o ensino superior. Aos primeiros, as empresas procuram cada vez mais perfis com boas capacidades analíticas e com skills interpessoais fortes, independentemente do seu background.

Ao mesmo tempo, há cada vez mais pessoas a mudarem de carreira ou de área, não sendo, por isso, os caminhos estanques e inalteráveis. De uma forma ou de outra, o pensamento analítico é essencial. Aos segundos, estou de acordo que o sistema de ensino devia oferecer (e até encaminhar) alternativas ao ensino secundário para alunos com vocações mais técnico-profissionais, mas isso não justifica a não obrigatoriedade do exame. Finalmente, até estou de acordo que a disciplina de matemática deveria ser mais prática em muitos sentidos, mas então trabalhemos nessa adaptação em vez de simplesmente baixarmos a exigência.

A literacia financeira dos portugueses está em último da zona euro. Se tivesse que arriscar, diria que há uma percentagem significativa da população que não percepciona, por exemplo, que um aumento de um salário bruto com um aumento de impostos pode significar menos dinheiro disponível. Como poderão perceber a diferenças entre custos e investimentos? Como poderão perceber o que está em causa nos planos económicos dos partidos políticos? Como poderão perceber o impacto de termos a pior competitividade fiscal da Europa ou o que significa perdermos consecutivamente lugares no PIB per capita?

Será que “libertar” uma boa parte dos alunos do exame nacional de matemática – um mecanismo de nivelação dos conteúdos aprendidos – é uma boa medida para contribuir para o aumento dessa literacia? Não me parece. Assim vamos progressivamente e cada vez mais ser um país para usufruto dos outros, pautado por “más temáticas”, casos, cada vez mais estagnado e com menos competitividade.

O que vai fazer acontecer ao talento jovem e às empresas? Bom, é fazer as contas, mas, para isso, precisamos da matemática.

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Tomás Loureiro

Tomás Loureiro

Tomás Loureiro é Director of Global Intel & Strategic Projects na EDP. Anteriormente, ocupou o cargo de Head of Innovation Intel, sendo responsável por apoiar o CEO da EDP Inovação na definição da estratégia global de inovação e das apostas futuras do Grupo EDP. Também foi Chief of Staff to CEO / Advisor do Board no Grupo Media Capital, responsável por acelerar a implementação da visão estratégica e transformação do grupo, acompanhando também os temas ligados à inovação e customer... Ler Mais..

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