Opinião
Porque todos os empreendedores deveriam ser doutores

Ser empreendedor envolve tomar riscos calculados, gerir recursos e adaptar-se a circunstâncias em mudança para construir e fazer crescer um negócio bem-sucedido. Parece fácil – não é!
No seu nível mais básico, o empreendedorismo refere-se a um indivíduo ou um pequeno grupo de sócios que seguem um caminho inexplorado para criar um novo negócio. Esse caminho resulta da procura ativa de uma oportunidade de negócio baseada na resolução de um problema do cliente ou do consumidor através do desenvolvimento de novos produtos, serviços, processos ou modelos de negócio com o objetivo de gerar lucro. De acordo com a Harvard Business Review, os empreendedores bem-sucedidos normalmente possuem uma combinação específica de competências-chave:
- Criatividade e inovação: Os empreendedores precisam de apresentar ideias e soluções únicas para abordar necessidades ou problemas de mercado.
- Gestão de risco: Avaliação eficaz de riscos e estratégias de mitigação são essenciais para navegar pelas incertezas e desafios no ambiente empresarial. (Fonte: Forbes)
- Adaptabilidade: A capacidade de se ajustar a condições de mercado em mudança, tecnologias e preferências dos consumidores é crucial para o sucesso sustentado. (Fonte: Inc.)
- Liderança e tomada de decisão: Os empreendedores devem fornecer direção clara, motivar equipas e tomar decisões bem fundamentadas para impulsionar os seus empreendimentos. (Fonte: Entrepreneur)
- Gestão financeira: Proficiência na gestão de finanças, elaboração de orçamentos e obtenção de financiamento é vital para garantir a sustentabilidade e o crescimento do negócio. (Fonte: Small Business Administration)
- Networking e construção de relacionamentos: Estabelecer conexões sólidas com parceiros, clientes e partes interessadas pode ajudar os empreendedores a aceder a recursos, conhecimento especializado e oportunidades. (Fonte: Inc.)
- Vendas e marketing: Os empreendedores precisam de promover eficazmente os seus produtos ou serviços, identificar mercados-alvo e criar propostas de valor convincentes. (Fonte: Investopedia)
- Persistência e resiliência: Superar falhas, contratempos e desafios é uma característica-chave que permite aos empreendedores perseverar e aprender com as suas experiências. (Fonte: Forbes)
- Gestão do tempo: Alocar eficientemente o tempo e os recursos é crucial para os empreendedores, que frequentemente lidam com várias tarefas e responsabilidades. (Fonte: Small Business Trends)
E o que é que esta lista de competências têm a ver com ter um doutoramento? Um Ph.D. é um bom indicador do sucesso de um indivíduo como empreendedor uma vez que são necessárias as competências acima e algumas mais. Ter formação em investigação – especialmente aplicada à gestão ou de mercado – permite a um empreendedor identificar e validar os problemas que o mesmo se propõe resolver. Além disso, permite aprofundar o estudo e estabelecer o estado da arte na resolução desse problema, ou mesmo encontrar a melhor solução (científica) para o resolver.
Ter uma boa base de partida é fundamental para desenvolver um bom negócio. Não é por acaso que o negócio que Alexander Osterwlader construiu, um negócio em torno da geração de Modelos de Negócio, advém da sua tese de doutoramento! Ele estudou o problema, identificou o conhecimento relevante sobre o assunto e criou uma solução integrada que praticamente todos os empreendedores usam nos dias de hoje para explicar como vão gerar e capturar valor.
Existe um mito urbano de que os empreendedores são pessoas que abandonaram ou não prosseguiram os estudos, não precisando dos mesmos para ter sucesso. Na realidade, a maioria deles tem uma formação académica muito sólida numa área específica. A “educação normal” apenas os estava a distrair do tópico que desejam investigar com maior profundidade. Em resumo, podemos dizer que os empreendedores realizam um doutoramento aplicado numa área específica de negócio.
Vejamos então a ligação entre as competências necessárias para ter sucesso como empreendedor e as competências que um doutoramento pode ajudar a desenvolver.
Criatividade: É supervalorizada! A criatividade trata-se de ligar os pontos. Mas primeiro é necessário identificá-los. É aqui que as competências de investigação de um doutoramento são úteis. Encontrar os pontos de dados corretos é precisamente onde os doutorados se destacam.
Gestão do risco: Todo o processo de um doutoramento é um exercício de gestão de riscos. Um candidato “aposta” num tema por um período considerável, enquanto avalia e mitiga as ameaças que podem desviá-lo de atingir o seu objetivo. E o risco financeiro é enorme. O tempo e o dinheiro investidos no tema ou tópico errado vai diretamente para o caixote do lixo.
Adaptabilidade: Ao mesmo tempo, monitorizar a relevância do tema e gerir o equilíbrio entre o tempo e o dinheiro investidos versus o valor que o doutoramento vai trazer é crucial. É necessário uma adaptação quase em tempo real às mudanças no ambiente e pesquisa publicada para garantir a relevância do tópico estudado e reduzir o risco.
Liderança e tomada de decisão: talvez uma das maiores contribuições. Para liderar é preciso ter visão e comunicá-la no sentido de obter o suporte de todos os stakeholders do processo. Um candidato tem a sua visão e consegue vendê-la aos seus supervisores e demais stakeholders (e.g., jornais, editores, universidade, etc.). Esta competência é crucial para a própria motivação do candidato/empreendedor!
Gestão financeira: Um projeto sem data definida para terminar é o pesadelo de qualquer gestor. A gestão dos recursos e budget financeiro associado é critico. E ainda mais se o candidato/empreendedor tiver senioridade e experiência. Manter o nível de vida e conseguir investir o tempo e dinheiro necessários para perseguir a sua empreitada é de facto um desafio enorme.
Networking e construção de relacionamentos: este ponto explica-se a si mesmo e a ligação entre as duas situações, empreendedor e candidato a doutorado, são por demais evidentes.
Vendas e marketing: O exercício de vender a sua pesquisa a um júri de forma estruturada e na maior parte dos casos em 15-30 minutos é um exercício em que todos os empreendedores deveriam ser exímios. O processo de defesa de um doutoramento é isso mesmo!
Gestão do tempo: já abordado numa das competências anteriores. Não há fórmulas mágicas, a não ser muito trabalho, eficácia e eficiência. E ter de fazer de tudo alavancando as competências anteriores para que o tempo investido, que também é dinheiro, seja apenas o necessário para levar o barco a bom porto.
Persistência e resiliência: este é o meu maior argumento para escrever este artigo. Alguém que estuda um tópico em profundidade durante anos, do seu próprio bolso, muita vezes em detrimento de tempo com os amigos e família, é com certeza capaz de lançar um novo negócio. Salvo raríssimas exceções (para não dizer nunca), um negócio leva sempre muito tempo a construir. Começar por garantir que o público-alvo conhece, experimenta, volta a experimentar até criar um hábito, e mantê-lo leal ao produto ou marca leva mesmo muito tempo.
Assim sendo a minha recomendação é que se está a pensar ser empreendedor, avalie se possui estas competências. E provavelmente fazer um “teste”. Faça o seu doutoramento na área em que quer lançar o seu negócio. Force-se a estudar o problema de forma científica. E tente resolvê-lo de forma científica também. Se conseguir, então tem uma base excelente para construir um negócio com futuro!
Links: Osterwalder, A. (2004). The Business Model Ontology a Proposition in a Design Science Approach [PhD Dissertation]. Université de Lausanne, Faculté des hautes études commerciales.