Opinião

Os telómeros da moral e da nossa profissão

Ricardo Tomé, diretor-coordenador da Media Capital Digital

Para quem é de ciência já terá estranhado o título e a conjugação de tão fantástica peça dos nossos cromossomas com uma qualquer questão moral ou profissional de fundo… mas já lá vamos.

A saber, os telómeros ensinam-nos algo de muito valioso: a perpetuidade do conhecimento e o aprimoramento das nossas capacidades para sermos sempre melhores correm sempre riscos se formos cedendo nos detalhes. Comecemos então pelos telómeros.

Basta dar um salto ao motor de busca (com ou sem I.A.) para obter algo de definição como “estruturas constituídas por fileiras repetitivas de proteínas e DNA, mas não codificante, que formam as extremidades dos cromossomas. A sua principal função é impedir o desgaste do material genético” (esta veio da Wikipédia). Estão presentes nas terminações das células eucarióticas e são como a ponta encerada dos atacadores, a proteger os mesmos e a impedir que pelas pontas o fio se desfaça e perca a estrutura.

Garantem que as células se vão copiando e gerando novas sem falhas, porque ao chegar ao fim do código genético lá estão essas pontas, os telómeros, a garantir uma margem limite. Mas, ao serem geradas cópias de cópias das células, os telómeros vão sendo ligeiramente encurtados/gastos, e como não se regeneram, chega a um ponto em que não permitem mais a correta replicação dos cromossomas. Nesse momento a célula perde completa ou parcialmente a sua capacidade de divisão. E suicida-se. Prevenindo futuras cópias de células com erros genéticos. Os telómeros funcionam por isso como um protetor para os cromossomas, assegurando que a informação genética relevante seja perfeitamente copiada quando a célula se duplica.

Esta é a forma como se protege a perpetuidade da informação genética completa. Caso contrário começar-se-iam a gerar cópias com falhas de código genético. E tamanha imagem microscópica pode aplicar-se à macro realidade do dia a dia, seja numa alegoria à moral como à especialização profissional de cada um.

Creio nesta altura já auto-explicativa, correto?

Tal como na cópia da cópia da cópia celular, será tentador começarmos a ‘facilitar’ na cedência de pequenos princípios ou exigências técnicas no dia a dia. Podemos pensar que ceder um intervalo de tolerância onde algumas nuances se podem afirmar não faz mal algum. Deixamos que alguns atos ou palavras que deveriam ser impedidas ocupem uma pequena parte da existência.

Contudo, sem o notar, vamos permitindo que se gerem réplicas com falhas das nossas crenças, da nossa visão original, da nossa maneira de criar. A forma perfeita sai menos perfeita. O traço linear abandalha-se a cada nova cópia que vai passando à próxima nova tolerância para o desvio.

A escrita que era imaculada e gramaticalmente perfeita cedeu à falha de acentos, de vírgulas, de palavras completas. A par e passo a cópia foi-se libertando dos grilhões da rigidez da ortografia, aceitando as abreviações, os emojis e os gifs, e a dada altura uma nova linguagem impôs-se.

Nas nossas especializações profissionais, ou na nossa abordagem moral à vida, os telómeros servem, portanto, como essa ponta protetora para nos avisar dos limites até onde podemos ir, mas de onde não devemos ceder, por forma a proteger os valores e ideais que nos guiam profissional e pessoalmente.

A sua função não é apenas a de delimitar, mas sim proteger. Pois tal como na biologia, no dia em que se extingam os telómeros da nossa vida deveremos saber que também nós quebrámos os limites dos nossos princípios, violámos a exigência, facilitámos códigos de conduta ou as formas corretas de execução profissional.

Essa cedência aparentemente inocente, aparentemente naif, aparentemente apenas tolerante, pode nalguns casos gerar simplesmente a perda da matriz que nos orientava e regia de forma certa.

Tudo o que é preciso para a degeneração é um mau princípio, ainda que microscópico, milhares de vezes repetido.

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Ricardo Tomé

Ricardo Tomé

Ricardo Tomé é Diretor-Coordenador da Media Capital Digital, empresa do grupo que gere a estratégia e operação interativa para as várias marcas – TVI, TVI24, IOL, MaisFutebol, AutoPortal, etc. – com foco especial na área mobile (Rising Star, MasterChef, SecretStory) e Over-The-Top (TVI Player), bem como ativação de conteúdos multiscreen em todas as plataformas e realizando igualmente a ponte com o grupo PRISA nas várias parcerias: Google & YouTube, Facebook, Twitter, Endemol, Shine, entre outras. Foi, até 2013, coordenador da... Ler Mais..

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