Entrevista/ “Os médicos têm obrigação de serem cada vez melhores gestores”

Fernando Araújo, presidente do Conselho de Administração do CHSJ

“Gostaria de concretizar o projeto do heliporto, estrutura indispensável para assegurar a resposta em tempo adequado aos doentes mais graves e urgentes da região norte. Processo ambicioso, exigente, complexo, infelizmente sem priorização por parte das instituições regionais ou nacionais, mas pelo qual não desistimos”, revelou o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário de S. João ao Link To Leaders.

Fernando Araújo é médico doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e, graças à especialização em imunoterapia, foi diretor dessa serviço no Hospital de S. João, no Porto, a principal unidade hospitalar do norte do país. Além disso, esteve também na Administração Regional de Saúde do Norte como vice-presidente do conselho de administração e, mais tarde, como presidente do organismo gestor da saúde no Norte.

Hoje lidera o conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário de S. João (CHSJ), um dos primeiros a sentir o efeito da pandemia e um dos que melhor resistiu a um ano de Covid-19 em Portugal.

Em entrevista ao Link To Leaders, o ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde fala da importância dos recursos humanos, das lideranças nas instituições de saúde e do desejo que gostaria de concretizar: o projeto do heliporto.

Qual a chave do sucesso do Centro Hospitalar Universitário de São João?
Penso que o fator mais importante para os resultados obtidos foram os recursos humanos. Podemos ter a capacidade de planear e organizar, mas sem os profissionais motivados e empenhados não teríamos conseguido dar uma resposta consistente. A diferença são mesmo as pessoas!

A resposta do CHUSJ à pandemia tem sido elogiada. Se pudesse, o que teria feito de diferente?
Teria alertado, de forma ainda mais reiterada, para a necessidade do SNS atuar em rede, em função das necessidades e das capacidades.

“Na saúde, com os recursos humanos certos, um plano e lideranças envolvidas, os resultados acontecem de forma natural”.

Olha mais para a questão da eficiência, da organização ou para forma como os recursos humanos são geridos?
O foco é colocado nas lideranças, no planeamento efetivo e na monitorização constante dos resultados. Na saúde, com os recursos humanos certos, um plano e lideranças envolvidas, os resultados acontecem de forma natural.

O facto de ser médico ajudou-o na gestão do seu hospital?
Penso que sim. Não quer dizer que seja preciso ser médico para ser um bom gestor em saúde, pois temos exemplos inversos, nas duas dimensões. Mas o facto de ser médico, pessoalmente, ajudou-me a compreender os números e a dar cor aos BI’s de análise. Por detrás de cada número encontra-se uma pessoa, que sofre e que está vulnerável, e disso nunca nos devemos esquecer.

Qual a importância das lideranças nas instituições de saúde?
Diria que são o fator mais descriminante da gestão. Um líder apaixonado é uma força única da natureza, que pode transformar uma equipa e um serviço.

Quais as competências necessárias para a gestão de instituições como o CHUSJ?
Naturalmente que o conhecimento e a formação em saúde e em gestão são indispensáveis, a experiência um complemento relevante, mas as competências humanas são as dimensões que mais impactam nos resultados.

As competências técnicas continuam a pesar mais do que as de gestão?
Penso que não. Em termos técnicos as grandes organizações possuem elementos altamente qualificados, que efetuam as avaliações, ponderações e as propostas mais fundamentadas. Importa, em função dessa base de saber, ter outro tipo de competências para a tomada de decisão.

“(…) com orçamentos finitos, a decisão de aplicar uma verba num determinado meio de diagnóstico ou terapêutico poderá limitar a capacidade de investir noutro processo, que eventualmente poderia ser mais significativo em termos de saúde pública”.

Os médicos são bons gestores?
Os médicos têm obrigação de serem cada vez melhores gestores, pois possuem a decisão em cada momento e frente a cada doente, para realizar despesa, que pode ser de pequeno ou de elevado montante, única ou reiterada, mas a questão principal é se ela traz valor ao doente e se esse valor em termos de relação custo-benefício é aceitável.

Existe um custo de oportunidade de que nunca se podem esquecer: com orçamentos finitos, a decisão de aplicar uma verba num determinado meio de diagnóstico ou terapêutico poderá limitar a capacidade de investir noutro processo, que eventualmente poderia ser mais significativo em termos de saúde pública.

O SNS tem investido o suficiente nos recursos humanos?
A resposta é simples: não. Num quadro orçamental reduzido, o investimento nos recursos humanos, por exemplo na sua formação contínua, tem sido relegado para um segundo plano, obrigando a serem os próprios profissionais a terem de investir verbas e tempo pessoal para o conseguir realizar.

Há mais médicas, enfermeiras, farmacêuticas, auxiliares de ação médica. No atual cenário de pandemia, como avalia o papel que as mulheres têm tido para ultrapassar esta crise?
As mulheres têm sido fundamentais em todo o processo. Mas diria que a par dos homens. Em geral, as pessoas possuem características diferentes, mas em equipa podem ser complementares, e atuando em conjunto, de forma unida e resiliente, conseguem resultados que ultrapassam as nossas melhores expetativas.

“Que nas verdadeiras crises se conhecem realmente as pessoas”.

O que mais aprendeu com a pandemia?
Que nas verdadeiras crises se conhecem realmente as pessoas.

Foi secretário de Estado de 2015 a 2018. Como olha para a política nos dias de hoje?
Com algum distanciamento. O meu foco diário está no Hospital de São João, nos utentes que confiam em nós e nos procuram, e nos profissionais que nos dão a honra de partilhar a sua competência e a sua disponibilidade (e já não é pouco…).

O que gostaria de fazer e ainda não teve oportunidade?
Gostaria de concretizar o projeto do heliporto, estrutura indispensável para assegurar a resposta em tempo adequado aos doentes mais graves e urgentes da região norte. Processo ambicioso, exigente, complexo, infelizmente sem priorização por parte das instituições regionais ou nacionais, mas pelo qual não desistimos e tenho a certeza que iremos concretizar, na defesa do superior interesse dos utentes.

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