Opinião
Um orçamento crucial
A chegada do outono representa, regra geral, a fase mais importante do ano, do ponto de vista legislativo: é a entrada em cena do Orçamento do Estado para o ano seguinte.
Particularmente, em 2024, Portugal sai de um ano em que sofreu vários terramotos, não apenas no sentido literal, mas sobretudo a nível jurídico e económico, fruto das alterações legislativas ocorridas em 2023.
Certamente, todos nos recordamos de que 2023 foi o ano que marcou uma alteração profunda do regime dos Vistos Gold, ao revogar a norma que permitia que o dito Visto fosse obtido através de investimento direto em bens imóveis. Foi, também, o ano em que foi revogado o regime do Residente Não Habitual (RNH), tal como o conhecíamos desde 2009.
A reação do mercado foi imediata face a ambos os eventos. Numa primeira fase, perante o anúncio do “fim” dos Vistos Gold, retraiu-se a procura, outrora desenfreada, no setor imobiliário de luxo, dando azo a novo desenfreio quando foram clarificadas as normas que, afinal, permitiam que o investimento se realizasse até mais tarde.
No entanto, posteriormente, e assim que deixou de ser possível obter o Visto Gold através do investimento em bens imóveis, o mercado imobiliário de luxo retraiu-se. Mas nem por isso houve uma descida generalizada de preços. Simplesmente, os negócios, que anteriormente eram quase instantâneos, começaram a prolongar-se no tempo. Passou a haver mais condescendência nos prazos de conclusão dos negócios por parte dos promotores dos empreendimentos imobiliários de luxo, mas nem por isso a habitação se tornou mais acessível para os cidadãos portugueses, residentes em Portugal, de classe média. Nem passou a haver mais oferta disponível no mercado do arrendamento habitacional. Observou-se, apenas, um abrandamento no mercado imobiliário de luxo.
Idêntica reação se verificou com a reformulação do regime do Residente Não Habitual. Primeiramente, um clima de desconfiança, face à revogação do regime, que veio dar lugar ao frenesim da verificação do cumprimento dos requisitos posteriormente anunciados, os quais permitiriam que as candidaturas à residência fiscal em Portugal se prolongassem até ao final de 2024, cumpridos que estivessem determinados requisitos até 10 de outubro de 2023 ou até 31 de dezembro de 2024, consoante os casos. E que requisitos seriam esses?
De acordo com a Lei 82/2023, de 29 de dezembro (LOE para 2024), podem beneficiar do regime fiscal do RNH, tal como o conhecíamos desde 2009, os sujeitos passivos que se tornem residentes para efeitos fiscais até 31 de dezembro de 2024 e que tenham celebrado um dos seguintes contratos ou disponham de uma das seguintes condições:
– Promessa ou contrato de trabalho, promessa ou acordo de destacamento celebrado até 31 de dezembro de 2023 e a exercer em Portugal;
– Contrato de arrendamento, ou outro que conceda o uso ou posse de um imóvel em território português, celebrado até 10 de outubro de 2023;
– Contrato de reserva ou promessa de aquisição de direito real sobre imóvel em território português celebrado até 10 de outubro de 2023;
– Matrícula ou inscrição para os dependentes, efetuada até 10 de outubro de 2023, em estabelecimento de ensino situado em Portugal;
– Visto ou autorização de residência válidos até 31 de dezembro de 2023;
– Procedimento de concessão de visto ou autorização de residência iniciado junto das autoridades competentes até 31 de dezembro de 2023.
É a chamada “sunset clause”. Os membros do agregado familiar do sujeito passivo abrangido por esta disposição também podem beneficiar do regime fiscal de RNH.
Inúmeros candidatos iniciaram a corrida para verificar se cumpriam os requisitos aqui elencados. Afinal, o novo RNH, RNH 2.0 ou Incentivo fiscal à investigação científica e inovação, como lhe queiramos chamar, não oferece a amplitude nem as garantias de certeza jurídica do regime anterior, quanto mais não seja pela, ainda, falta de regulamentação.
De facto, trata-se de um incentivo fiscal do qual apenas um número muito reduzido de indivíduos poderá beneficiar, necessariamente ligados à investigação científica e à inovação tecnológica, sendo a lei atualmente em vigor, enxertada no Estatuto dos Benefícios Fiscais, complexa, excessivamente remissiva e pouco expressiva do ponto de vista prático.
A salientar como pontos positivos, enumeremos o esforço contínuo e permanente dos portugueses na garantia da hospitalidade, segurança e competência, que permitem que o país continue a ser atrativo para o investimento estrangeiro e para a redomiciliação de pessoas de várias origens.
Feitas as contas, e em jeito de balanço de curto prazo, a conclusão a que chegamos é a de que urge um Orçamento do Estado que imprima estabilidade e segurança jurídica nos anos vindouros, o que só se conseguirá com o consenso de todos os partidos com expressão parlamentar e com a união para um trabalho comum, que é o de promover Portugal como um país seguro e estável do ponto de vista jurídico e fiscal.
Venha 2025!
Teresa Alves de Sousa é advogada na Pinto Ribeiro desde julho de 2022 e coordenadora do Departamento de Direito Fiscal. Conta com uma vasta experiência em assessoria no âmbito do direito fiscal a empresas e clientes individuais, com especial enfoque nas seguintes matérias: IRC, IRS, Benefícios Fiscais, Imposto do Selo, IMT, IMI, IVA.
De destacar também o seu know how no âmbito de reorganizações societárias (na vertente fiscal), investimento interno e internacional e apoio a clientes em inspeções tributárias e assuntos de contencioso tributário, bem como o apoio ao investimento imobiliário e em processos de fixação de residência fiscal em Portugal e no estrangeiro. Atualmente, integra a lista de árbitros do Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal (CAAD), sendo também formadora na Económica Business School, desde 201