Opinião
Os engodos de 2023
O que podem os líderes esperar de 2023? Aquilo que todos vão dizer é que o ano se apresenta particularmente incerto, rodeado de imponderáveis que subitamente podem complicar ou aliviar uma conjuntura pesada. Mas essa informação, indiscutivelmente verdadeira, é de facto irrelevante. Porque incerteza é o nome do jogo dos líderes. Se não houvesse incerteza mal seriam necessários dirigentes, pois as instituições navegariam por si. Para os chefes, ainda bem que há incerteza, reforçando a necessidade de orientação.
Existe, porém, uma outra coisa que também abundará em 2023, e essa constitui um dos maiores perigos para os líderes: engodos. Trata-se de assuntos que, parecendo mesmo relevantes, constituem realmente perdas de tempo, desviando os diretores do essencial. Se a incerteza é favorável ao chefe, o seu maior inimigo é o engodo.
O primeiro logro de 2023 é a inflação. Não faltam as vozes a garantir que a subida de preços constitui a questão central da atualidade, fazendo as descrições e comparações mais elaboradas e emocionantes. Ninguém duvida que a aceleração dos custos é um tema relevante e que pode mesmo gerar uma recessão em breve. Também é verdade que este surto se pode mostrar teimoso, infetando a economia longamente. Mas que interesse tem isso para quem está a dirigir um projeto duradouro? Ninguém sensato imagina um regresso às décadas inflacionistas do passado. Por muito mau que seja gerida a conjuntura, o mais provável é que no curto/médio prazo as taxas desçam e outros temas ocupem o espaço mediático.
A segunda ilusão é a política das “contas certas”. O Governo, inteligentemente, erigiu mais uma vez a redução do défice como prioridade. Isso será mais fácil em tempos inflacionistas, que aumentam receitas fiscais e reduzem rácios no PIB, garantindo sucesso mediático à maioria. No entanto, apesar do grande obstáculo que a exagerada dívida nacional representa, estes esforços contabilísticos desviam a atenção do único propósito que realmente resolveria os problemas nacionais, incluindo a dívida: o desenvolvimento económico. Só que esse anda há décadas bastante arredado, até da retórica eleitoral, quanto mais da orientação estratégica nacional.
O terceiro embuste são os fundos do PRR. Portugal volta a receber vastos dinheiros europeus e não faltam os que confundem isso com progresso. Mas transferências raramente geram dinâmica, e a orientação do programa, centrada em construção e burocracia, pouco ou nada acrescentará ao vigor produtivo. As autoridades, embevecidas pela própria eloquência, esqueceram que só empresas criam valor.
Ao listar os perigos, este artigo está a cair precisamente no engano que pretende exorcizar. Sem abocanhar os iscos para líderes que pululam este ano, em que devem então os dirigentes centrar a sua atenção? A resposta é evidente: a colossal transformação socioeconómica dos últimos trinta anos.
O mundo vive há décadas a mais espantosa aceleração histórica de que há memória. Em todos os campos decisivos do desenvolvimento, da tecnologia de informação à medicina, da energia às finanças e internacionalização, os grandes motores do progresso estão simultaneamente ao rubro, gerando o maior aumento de bem-estar, sobretudo dos mais pobres, que a humanidade alguma vez viu.
Este majestoso processo não realmente foi travado pelas grandes catástrofes que as mesmas décadas sofreram, da crise financeira global de 2008 à pandemia de 2020 e à guerra de superpotências de 2022. Evidentemente que sofreu forte embate dessas calamidades, mas também as influenciou. Aquilo que mata as épocas de ouro da história não são desgraças, mas a suspeita, tacanhez, medo e violência que elas suscitam. E também esses, apesar de visíveis, são ainda menores. Ninguém sabe quanto tempo este período áureo ainda dura, mas sabemos que, mesmo quando acabar, não se regressa atrás, mudando para sempre a humanidade.
O que significa esta imponente transformação no meu sector de atividade e como a posso potenciar para criar valor? Esta é, finalmente, a única questão que deve motivar os líderes em 2023. O resto são embustes, tolices e bagatelas, que podem ocupar o espaço informativo, mas não perturbam os verdadeiros líderes, aqueles que saberão navegar os escolhos que se multiplicarão em 2023.