Entrevista/ “Os enfermeiros são fortes pensadores críticos e problem-solvers”

Bonnie Clipper, especialista internacional em inovação de enfermagem

“Os enfermeiros devem estar envolvidos na definição de problemas, na conceção de soluções e na implementação de processos de inovação ou em novas tecnologias. Têm uma compreensão profunda dos fluxos de trabalho, da dinâmica do paciente e da continuidade dos cuidados, e sabem onde estão as lacunas”. É desta forma que a norte-americana Bonnie Clipper, reconhecida especialista internacional em inovação de enfermagem, analisa o papel deste setor da saúde em entrevista ao Link To Leaders.

Numa altura em que o setor da saúde está sob os holofotes mundiais, entrevistámos Bonnie Clipper, uma profissional norte-americana, doutorada em enfermagem e com um currículo extenso na área da inovação.

Líder e influenciadora na área da enfermagem, “evangelista” da inovação no setor, oradora internacional e autora de bestsellers, Bonnie Clipper tem uma carreira de mais de 20 anos como enfermeira chefe, com experiência na construção de culturas de inovação, melhorando o envolvimento dos colaboradores e a experiência do paciente.

Foi a primeira vice-presidente de inovação da American Nurses Association, onde criou uma estrutura de  inovação, incluindo os ANA Innovation Awards, NursePitch, Podcast, Hackathons e parcerias estratégicas com várias entidades.

Nos seus planos, confidenciou, está o objetivo de dividir o seu tempo entre Portugal e os EUA, em algum momento, no futuro. Nos EUA, o espaço de inovação, de start-ups e de venture capitalists na área dos cuidados de saúde é muito maduro e acredita que que isso é algo que pode ajudar a trazer para Portugal, onde espera poder partilhar as melhores práticas “pois temos muitas coisas a aprender uns com os outros”, afirma.

Como entrou na indústria?
Sou enfermeira doutorada e comecei a interessar-me pela inovação em 2014 como enfermeira executiva da Fundação Robert Wood Johnson. Publiquei artigos sobre inovação liderada por enfermeiros, tecnologia de saúde e escrevi um livro para enfermeiras para ajudá-las a inovar.

Como enfermeira, entendo em primeira mão muitas das questões relacionadas com os cuidados de saúde e os nossos processos de trabalho. O meu objetivo é partilhar a inovação com os enfermeiros e encontrar formas de agilizar a prestação de cuidados, melhorar os resultados e reduzir as disparidades.

“Os enfermeiros são fortes pensadores críticos e problem-solvers com muitas ideias que podem ser desenvolvidas.”

Às vezes descreve-se como um “evangelista da inovação”… De que forma? O que quer dizer com isto?
Os enfermeiros não entendem o que é a inovação porque não lhes ensinamos ferramentas ou termos de inovação. Falei internacionalmente com mais de 25 mil enfermeiros, venture capitalists e especialistas do setor tecnológico para destacar como os enfermeiros fazem o seu trabalho e como podem colaborar para conceber inovações em conjunto. Os enfermeiros são fortes pensadores críticos e problem-solvers com muitas ideias que podem ser desenvolvidas. No entanto, primeiro precisam de compreender como alavancar as técnicas de inovação e o empreendedorismo.

Os enfermeiros representam o maior grupo de clínicos da força de trabalho de saúde dos EUA, assumindo-se como líderes na execução de cuidados. Como é que os enfermeiros estão a evoluir e a funcionar como influenciadores e líderes que impulsionam a inovação em cuidados de saúde?
Há quatro vezes mais enfermeiros do que médicos, mas quando os meios de comunicação precisam de informação vão para os médicos. Os enfermeiros estão a trabalhar arduamente para aumentar a sua visibilidade e se tornarem as pessoas mais indicadas para novos testemunhos ou para divulgação de informação nos media. Os enfermeiros também estão a trabalhar na aprendizagem do design-thinking para usar o seu foco natural nos pacientes como um catalisador.

“A prestação de cuidados pode tornar-se mais rentável, com um melhor acesso para todos e cuidados de maior qualidade através das ideias inovadoras que a equipa de saúde desenvolve e implementa”.

Uma série de fatores estão a impulsionar alterações atuais e futuras no que toca à gestão da prestação de cuidados. Com os enfermeiros a assumirem um papel mais ativo e uma voz na condução de produtos, processos e políticas em torno destas mudanças, como vê as expetativas de prestação de cuidados a evoluir?
A prestação de cuidados pode tornar-se mais rentável, com um melhor acesso para todos e cuidados de maior qualidade, através das ideias inovadoras que a equipa de saúde desenvolve e implementa. Usar o design thinking não é algo em que os enfermeiros e os médicos estejam treinados, mas é muito importante incluir o utilizador final (o paciente) à medida que as soluções de cuidados de saúde vão sendo desenvolvidas.

Com que tendências de inovação na enfermagem está mais entusiasmada?
Os enfermeiros intensificaram-se durante a Covid-19 e inovaram em várias ferramentas de cuidado aos pacientes, como as máscaras de impressão 3D e escudos faciais e usando múltiplos conjuntos IV para manter a bomba fora da sala para fazer as suas alterações de medicação de modo a manterem os enfermeiros mais seguros. Há também muitas novas aplicações que os enfermeiros estão a projetar para ajudar na conformidade, educação e comunicação com o paciente.

Que competências e qualidades precisam de ter os enfermeiros para praticar os cuidados centrados no doente?
As competências como empatia, a comunicação, a compaixão e o design thinking irão ajudá-los a usar as suas skills de colaboração com a equipa de cuidados para encontrar as melhores soluções.

Como motiva os outros?
Trabalho para educar e inspirar os outros a fazerem o seu melhor e a usarem a coragem para dar pequenos saltos, construindo gradualmente sucessos. Também tenho a capacidade de “ver ao virar da esquina” e tentar ensinar aos outros também esta capacidade. Ser uma referência como agente de mudança é importante para aprender como podemos transformar a saúde através da inovação liderada por enfermeiros.

“Aprendam o máximo que puderem e não tenham medo de mudar de emprego para ampliar a sua paixão”.

Qual é o seu conselho de carreira para aqueles estão no seu setor?
Aprendam o máximo que puderem e não tenham medo de mudar de emprego para ampliar a sua paixão. Além da área de saúde, existem atualmente enfermeiros em design, tecnologia, política, economia, academia, e precisamos de ver os enfermeiros em todos os aspetos da vida – planeadores de cidades, transporte e hospitalidade. Como profissionais de saúde, não se autolimitem.

Qual é o seu maior desafio?
Ganhar a visibilidade de que os enfermeiros precisam para influenciar a saúde e o bem-estar das nossas comunidades e reduzir o burnout clínico para melhorar o ambiente de trabalho e melhorar a retenção de enfermeiros. Temos de valorizar os enfermeiros por quem são e pelo seu conjunto de competências incríveis.

“Espero poder partilhar as melhores práticas com ambos os países [Portugal e EUA] pois temos muitas coisas a aprender uns com os outros”.

Sabemos que está a ponderar instalar-se em Portugal. O que pode a sua experiência no mercado dos EUA trazer ao mercado português?
O meu objetivo é dividir o meu tempo entre Portugal e os EUA em algum momento, no futuro. Espero poder partilhar as melhores práticas com ambos os países, pois temos muitas coisas a aprender uns com os outros.

Nos EUA, o espaço de inovação, de start-ups, de venture capitalists nos cuidados de saúde é muito maduro e penso que isso é algo que posso ajudar a trazer para Portugal. A capacidade de envolver a comunidade de cuidados de saúde, universidades, escolas médicas e escolas de enfermagem no ecossistema de inovação ajuda a gerar mais ideias e inovações. À medida que estas inovações são desenvolvidas e incubadas, muitas delas podem ser rentabilizadas e melhorar os resultados.

“Nos EUA, os cuidados continuarão a mover-se para fora dos hospitais e para a casa ou a clínica”.

Para onde acha que caminha o futuro da medicina?
O futuro dos cuidados de saúde incluirá a utilização de mais dados para impulsionar tratamentos específicos e personalizados ao paciente. Já estamos a ver isto nos cuidados oncológicos.
Estes dados podem vir de genética, relógios inteligentes, wearables ou monitorização remota. Nos EUA, os cuidados continuarão a mover-se para fora dos hospitais e para a casa ou a clínica. Isto será mais conveniente e mais barato de fornecer, e penso que (e espero) começaremos a focar-nos na prevenção e no bem-estar.

Qual é o papel da inovação tecnológica na sua atividade/área?
Ajudo os enfermeiros a entenderem como a tecnologia vai melhorar a prestação de cuidados e impactar a sua prática de enfermagem. Apesar de termos enfermeiros informados, precisamos de envolver muito mais enfermeiros na conceção e desenvolvimento da tecnologia.

“Enfermeiros, médicos e outros clínicos podem influenciar a forma como as inovações são desenhadas e usadas de forma a melhorar os resultados e o acesso, bem como reduzir custos.”

E como pode a inovação influenciar a conceção e o desenvolvimento de soluções de cuidados de saúde, de uma forma positiva?
Nos EUA, temos trabalhado arduamente para conseguir que os enfermeiros sejam incluídos nas fases de conceção da tecnologia para que o resultado final seja a tecnologia que resolve o “problema certo”. Muitas vezes, as empresas desenham uma grande tecnologia que não resolve um problema para os clínicos ou para os pacientes. Isto significa que a tecnologia é uma “solução à procura de um problema”.

Enfermeiros, médicos e outros clínicos podem influenciar a forma como as inovações são desenhadas e usadas de forma a melhorar os resultados e o acesso, bem como reduzir custos. Os enfermeiros estão mais próximos dos pacientes e passam mais tempo com eles e com as suas famílias, entendemos a dinâmica e os nossos conhecimentos são importantes à medida que a tecnologia é desenvolvida. Todas as empresas de tecnologia de saúde precisam de ter enfermeiros nos seus conselhos consultivos para fornecer informações

Na sua opinião, como deve ser a relação entre tecnologia e humanidade?
Os cuidados de saúde são as duas coisas, de alta tecnologia e de alta sensibilidade, e exigirão que os nossos clínicos compreendam como a tecnologia pode agilizar ou melhorar o seu trabalho, ao mesmo tempo que continuamos a usar empatia e compaixão à medida que nos preocupamos com os nossos doentes.

“Por mais trágica que tenha sido a pandemia em termos de perda de vidas, também vejo a pandemia como um enorme catalisador e disruptor (…)”

Neste momento, com a pandemia, qual o país que vê como modelo em termos de cuidados de saúde, tecnologias de saúde…
Parece que lições poderosas da Coreia do Sul que podemos aprender em termos da rapidez com que conseguiram mobilizar testes, usar máscaras e isolar. Devemos seguir a ciência e as provas para passar por isto o mais rapidamente que conseguirmos.
Por mais trágica que tenha sido a pandemia em termos de perda de vidas, também vejo a pandemia como um enorme catalisador e disruptor que está a proporcionar o ambiente perfeito para a transformação.

Este é um ótimo momento para ser um inovador/empreendedor se puder fornecer a solução “certa”. Conheço enfermeiros que neste momento estão a abrir caminho com novas inovações para melhorar o diagnóstico e os tratamentos da COVID. Temos de usar a pandemia como catalisador para a inovação.

“Os enfermeiros devem estar envolvidos na definição de problemas, na conceção de soluções e na implementação de processos de inovação ou em novas tecnologias.”

Qual pode ser o papel dos enfermeiros para ajudar a resolver os maiores desafios na saúde?
Os enfermeiros devem estar envolvidos na definição de problemas, na conceção de soluções e na implementação de processos de inovação ou em novas tecnologias. Os enfermeiros têm uma compreensão profunda dos fluxos de trabalho, da dinâmica do paciente e da continuidade dos cuidados – e sabem onde estão as lacunas. Devem ser incluídos em todas as facetas do desenvolvimento tecnológico, inovação e até são ótimos na identificação de investimentos para VC’s

Quais são as maiores oportunidades para a inovação liderada por enfermeiros?
Vejo os enfermeiros como uma parte necessária da equação para melhorar a saúde para todos e para ajudar a reduzir as questões de equidade na saúde. Quer seja uma solução tecnológica ou um novo modelo de cuidados, os enfermeiros podem ser parte da solução.

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