Entrevista/ “Os empresários portugueses são muito bons, mas podem ficar ainda melhores com inteligência artificial”

Pedro Sousa, CEO da NeoPME, acredita que a inteligência artificial pode ser a alavanca que faltava para modernizar e acelerar o crescimento das pequenas e médias portuguesas. Através de um marketplace com soluções práticas e acessíveis, a start-up quer descomplicar a tecnologia e integrá-la de forma prática no dia a dia das PME.
Em Portugal as PME constituem parte essencial do tecido empresarial, representando 99,9% do total das empresas. Muitas destas empresas ainda “operam com processos manuais, pouco eficientes e pouco digitalizados”. Foi a pensar neste cenário que nasceu a NeoPME, uma start-up que aposta num marketplace de produtos de inteligência artificial (IA) prontos a usar e criados para responder diretamente aos desafios operacionais das PME.
Liderada por Pedro Sousa, e com uma equipa que junta experiência em consultoria, tecnologia e capital de risco, a NeoPME quer tornar a IA simples, útil e próxima da realidade de quem gere uma PME – sem exigir grandes investimentos ou conhecimentos técnicos.
Em entrevista ao Link to Leaders, o CEO explica como tudo começou, que impacto estão já a ter nas empresas e o que falta para que a IA se torne num aliado estratégico das PME portuguesas.
Como nasceu a NeoPME e o que vos motivou a criar um marketplace de IA pensado exclusivamente para as PME?
A ideia da NeoPME nasceu do contacto direto com o ecossistema empresarial português e da constatação de uma realidade incontornável: 99% das empresas em Portugal são PMEs, e a maioria ainda opera com processos manuais, pouco eficientes e pouco digitalizados. A nossa equipa, com experiência em tecnologia, capital de risco e consultoria, percebeu que a Inteligência Artificial tinha finalmente atingido um ponto de maturidade que permitia democratizar o acesso a soluções avançadas, antes reservadas apenas às grandes empresas.
O mercado pedia simplicidade, rapidez e resultados concretos. Sentimos que faltava um parceiro capaz de traduzir os desafios do dia a dia das PME em produtos de IA práticos, fáceis de implementar e com impacto imediato nos custos, na produtividade e na tomada de decisão. Assim surgiu o nosso marketplace: uma plataforma onde qualquer PME pode encontrar soluções de IA, com apoio de especialistas e sem barreiras técnicas ou necessidade de grandes investimentos em infraestruturas.
O nosso compromisso é claro: descomplicar a Inteligência Artificial e garantir que qualquer PME pode beneficiar desta tecnologia para crescer, inovar e competir ao mais alto nível. Acreditamos que, ao aproximar a IA do tecido empresarial português, estamos a desbloquear um enorme potencial de transformação e eficiência.
“As principais barreiras que as PME ainda enfrentam na adoção da Inteligência Artificial são claras e recorrentes”.
Sabemos que as grandes empresas já usam IA há algum tempo. Quais são os principais obstáculos que as PME ainda enfrentam nesta transformação digital?
Temos encontrado alguns desafios, mas assim que são ultrapassados desbloqueiam muito potencial, e confesso que isso é o mais gratificante. As principais barreiras que as PME ainda enfrentam na adoção da Inteligência Artificial são claras e recorrentes. Primeiro, existe ainda falta de conhecimento técnico e formação. Muitas PME não têm acesso a especialistas em IA ou a pessoas que tenham alguma noção das capacidades. Isto leva a que por vezes seja difícil perceber por onde começar e como aplicar a tecnologia ao negócio. Mas leva-nos a um ponto que temos vindo a endereçar com algumas estratégias de abordagem ao mercado, que é: como somos um marketplace de produtos, idealmente os empresários deveriam olhar para o nosso site, saber qual o produto que precisam, e subscrevê-lo. Contudo, como percebemos que a falta de conhecimento técnico pode ser um entrave, temos conseguido colmatar isso com uma linguagem simples e que vai de encontro às dores que os empresários têm, mostrando use cases.
Depois podemos mencionar como barreira o custo inicial e restrições orçamentais. O investimento necessário para implementar IA – seja em software, integração ou formação – continua a ser visto como elevado para empresas com recursos limitados. Para isso, conseguimos implementar um modelo mais flexível que não exige investimentos avultados. Poderia dizer mais potenciais barreiras, mas termino com um que pode ser mais desafiante: a resistência à mudança e adaptação cultural. A introdução de IA implica alterações nos processos e na cultura da empresa, o que pode gerar resistência, tanto ao nível da gestão como das equipas.
Na NeoPME, trabalhamos precisamente para simplificar este caminho, tornando a IA acessível, prática e adaptada à realidade das PME portuguesas. Os nossos empresários são muito bons, mas queremos que fiquem ainda melhores.
A vossa missão é tornar a IA simples e prática. O que significa isso na realidade do dia a dia das empresas?
O potencial da IA nas PME é enorme, sobretudo num contexto empresarial ainda marcado por processos obsoletos e pouco eficientes. A NeoPME apoia as empresas em várias áreas críticas do negócio, tornando a inteligência artificial acessível e prática para empresas de diferentes setores. Os nossos produtos ajudam a automatizar tarefas administrativas, otimizar operações logísticas, melhorar a gestão comercial, centralizar informação dispersa e facilitar a análise de dados, permitindo decisões mais rápidas e informadas. Estes exemplos mostram que a IA da NeoPME não é abstrata – resolve problemas reais, reduz custos, aumenta a eficiência e permite que as PME se foquem no que realmente importa: crescer e inovar.
Portanto, IA é tornada “simples” porque os empresários só veem produtos que entregam valor e “prática” porque são produtos que se adaptam à realidade da empresa, tendo um curto período de configuração – no final do dia, é sempre preciso perceber que sistema está cada empresa a usar, mas esse trabalho fica do nosso lado.
“Temos, por exemplo, o NeoLog, que faz otimização e planeamento de rotas em tempo real e com inteligência preditiva, e ainda gestão de equipas comerciais e de assistência”.
Pode dar-nos uma visão geral do vosso marketplace e dos tipos de produtos que estão disponíveis?
Para já temos 13 produtos no marketplace. Para melhor leitura por parte dos empresários, decidimos segmentar os produtos em quatro quadrantes: Operações, Finanças, RH, e Outros. Temos, por exemplo, o NeoLog, que faz otimização e planeamento de rotas em tempo real e com inteligência preditiva, e ainda gestão de equipas comerciais e de assistência. Para além do NeoLog, destacaria o NeoMaps, que tem permitido a várias empresas centralizar mapas e relatórios dispersos, facilitando a análise de informação crítica com insights próprios que IA conclui através do cruzamento de dados. Dados estes que antes estavam perdidos na complexidade do dia a dia.
Num caso concreto, numa empresa do setor automóvel, a consolidação e articulação de mapas financeiros, de vendas, de recursos e de encomendas (entre outros) resultou numa redução significativa de tarefas rotineiras e duplicações, além de proporcionar insights valiosos para a camada de gestão, provando que a IA vê padrões onde o humanos dificilmente conseguiriam. O NeoDocs é outro produto muito procurado, ao permitir a classificação inteligente de documentos e a gestão eficiente de arquivos, incluindo notificações sobre alterações e prazos. Estes exemplos mostram como a IA pode gerar ganhos imediatos em eficiência, organização e tomada de decisão.
O NeoLog é um exemplo muito concreto. Que impacto tem tido nas operações das empresas que o utilizam?
Ficámos imediatamente satisfeitos com o nosso primeiro cliente, que subscreveu o NeoLog. Trata-se de uma empresa que faz manutenção de equipamentos tecnológicos espalhados pelo país. Esta empresa tem mais de 100 técnicos espalhados pelo país e mais de 300 ocorrências diárias. Contudo, a alocação dos técnicos às ocorrências era feita de forma manual, exigindo três pessoas exclusivas para esse trabalho. Através da utilização do NeoLog, foi possível realocar duas pessoas a outras tarefas mais valorizadas ficando apenas uma a supervisionar o que a IA estava a alocar. Não só permitiu optimizar a alocação de recursos em 66% como a qualidade do nível serviço aumentou mais de 20%.
O vosso modelo assenta no envolvimento direto de especialistas de indústria. Qual é o papel destes especialistas no desenvolvimento dos produtos?
Os nossos produtos foram desenvolvidos com o envolvimento direto de especialistas (mais de 15) de várias indústrias e com várias dezenas de anos de experiência, garantindo que respondem a desafios reais e específicos do mercado.
“Vimos de perto os desafios reais das PME portuguesas: processos manuais e pouca digitalização. Esta vivência permitiu-nos identificar algumas necessidades e barreiras”.
Como é que a vossa experiência em consultoria, tecnologia e private equity contribuiu para a criação da NeoPME?
O projeto NeoPME é fundado por uma equipa multidisciplinar e complementar com valências distintas. O Pedro Sousa, que conta com passagens pela PwC e Deloitte, assim como pela startup Comudel, o Miguel Morgado que tem uma vasta experiência junto de PME através do capital de risco conhecendo as dinâmicas próprias deste segmento de empresas, e ainda o João Prior trazendo a componente tecnológica.
Vimos de perto os desafios reais das PME portuguesas: processos manuais e pouca digitalização. Esta vivência permitiu-nos identificar algumas necessidades e barreiras. Depois, conseguimos juntar o know-how de consultoria para mapear necessidades, a capacidade tecnológica para criar soluções robustas e a visão de private equity para garantir retorno rápido e escalabilidade, conseguimos descomplicar a IA e torná-la verdadeiramente útil para as PME.
Além da tecnologia, têm apostado na formação. Pode falar-nos mais sobre a parceria com a Nova FCT e outras iniciativas de capacitação?
A nossa estratégia de abordagem ao mercado assenta em dois grandes pilares: capacitação e proximidade às PME. Não queremos apenas vender tecnologia, mas também preparar os empresários para liderarem a transformação digital das suas empresas. Por isso, investimos fortemente em formação prática, tanto através de conteúdos próprios como em parceria com instituições de referência como a Nova FCT, para que os nossos clientes ganhem autonomia, espírito crítico e confiança na adoção da IA.
Muitos empresários ainda não sabem, mas existe muito potencial dentro das suas organizações. Queremos que as empresas desenvolvam competências para identificar oportunidades de melhoria, compreender o potencial da IA para além dos exemplos mais conhecidos, e sintam confiança para liderar a transformação digital dos seus negócios. O nosso objetivo é que os empresários portugueses não só acompanhem os avanços tecnológicos, mas também se tornem protagonistas dessa mudança.
Ao mesmo tempo, apostamos numa presença ativa junto das empresas, combinando canais digitais – como o nosso site, redes sociais e campanhas de marketing de conteúdo – com iniciativas presenciais, como eventos, conferências e parcerias com associações empresariais. Estes momentos de contacto direto, como o próximo evento com a AERLIS, são fundamentais para criar relações de confiança, ouvir as necessidades reais dos empresários e demonstrar, na prática, o valor das nossas soluções.
“(..) é fundamental ultrapassar quatro grandes barreiras: falta de conhecimento técnico e formação, custos iniciais e restrições orçamentais, complexidade tecnológica e falta de tempo, e resistência à mudança e adaptação cultural”.
Como vê o futuro da IA nas PME em Portugal? O que falta para que esta adoção se torne mais generalizada?
O futuro da IA nas PME em Portugal é muito promissor e será decisivo para a competitividade do tecido empresarial nacional. A maioria das PME já reconhece o potencial da IA para aumentar a eficiência, automatizar processos e melhorar a experiência do cliente, e os estudos mostram que 88% das PME que já utilizam IA reportam aumentos de receita e produtividade. No entanto, apesar deste potencial, a adoção ainda está longe de ser generalizada.
Para que a adoção se torne mais generalizada, é fundamental ultrapassar quatro grandes barreiras: falta de conhecimento técnico e formação, custos iniciais e restrições orçamentais, complexidade tecnológica e falta de tempo, e resistência à mudança e adaptação cultural. Além disso, o investimento em formação prática e o acesso a soluções de IA simples, acessíveis e adaptadas à realidade das PME são essenciais para acelerar esta transformação. Com o apoio certo e produtos desenhados para as suas necessidades, as PME portuguesas têm tudo para liderar a próxima vaga de inovação e crescimento.
Esta é a nossa missão: descomplicar IA e torná-la acessível e prática.
O que distingue a NeoPME de outras soluções tecnológicas para PME existentes no mercado? E onde gostariam de estar nos próximos 2 a 3 anos?
A NeoPME não é uma consultora tradicional nem trabalha com projetos à medida. Somos um marketplace de produtos de IA prontos a integrar-se nos sistemas das empresas, entregando valor desde o primeiro dia. Enquanto as consultoras tipicamente vendem projetos longos e implementações personalizadas, nós apostamos em soluções de produto, desenhadas para serem intuitivas, fáceis de configurar e adaptáveis à realidade de cada PME.
A nossa diferenciação assenta em três pilares: produto, especialistas e modelo de subscrição. A ambição é grande, e queremos medi-la através de impacto e valor. Acima de tudo, estamos cá para apoiar as empresas, sendo aliados e catalisadores do seu crescimento. Queremos potenciá-las. A nossa ambição para o mercado nacional é clara: queremos ser o parceiro de referência das PME portuguesas na adoção da Inteligência Artificial, contribuindo de forma direta para a modernização e crescimento sustentável do tecido empresarial. No primeiro ano, o foco está em consolidar a marca NeoPME, garantir um onboarding simples e eficiente dos clientes e validar o impacto dos nossos produtos em diferentes setores. O nosso objetivo é chegar às centenas de clientes em 2026, apostando num crescimento acelerado mas sustentável, sempre alinhado com as necessidades reais das empresas. A médio prazo, nos próximos três anos, pretendemos expandir o portfólio de produtos, reforçar a equipa de especialistas e garantir presença em todos os principais setores da economia portuguesa.
Se pudesse deixar uma mensagem a um gestor de PME que ainda vê a IA como algo distante ou complexo, o que lhe diria?A IA pode ser algo muito simples, permitindo simples automatização de uma tarefa pequena. Não precisam de ser grandes modelos de linguagem tecnológica que correm em supercomputadores, e para os quais são precisos milhares de euros de investimento. Há muitos passos e processos que temos nas nossas empresas que podem ser potenciados. A mensagem é clara: o empresário pode ter dúvidas que IA possa melhorar o seu próprio negócio, mas eu tenho a certeza de que isso pode acontecer. “Já ontem”.
Respostas rápidas:
Maior risco: Adicionar complexidade desnecessária.
Maior erro: Subestimar a importância da formação e do conhecimento técnico em IA.
Maior lição: A adoção de IA só é bem-sucedida quando é simples, prática e alinhada com as necessidades reais das PME.
Maior conquista: Conseguirmos criar impacto operacional positivo nos clientes.