Opinião

Tu não és os teus resultados académicos… és muito mais!

Anabela Possidónio, fundadora da Shape Your Future

A depressão aumentou nos adolescentes e afeta 42% dos jovens! Este é o resultado de um estudo apresentado pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, que concluiu ainda que 28,5% dos mais de cinco mil jovens inquiridos expressaram sintomas de depressão moderada ou grave, sendo que o género feminino revela piores indicadores de saúde mental.

Pessoalmente, confesso que esta estatística me deixou muito preocupada. Recordo a minha adolescência como um momento muito desafiante, mas ao mesmo tempo muito feliz. Pensar que quase 1 em cada 2 jovens não consegue vivê-la em pleno, deixa-me angustiada e profundamente chocada. Que estamos a fazer como sociedade para contribuirmos para o aumento deste número? Que estamos a fazer a título individual ou coletivo para os ajudarmos a não entrarem nesta espiral?

No nosso trabalho na Shape Your Future temos a oportunidade de trabalhar com muitos jovens que nos procuram para os ajudarmos a encontrar a sua vocação. A decidirem o que querem estudar no secundário, ou que curso querem tirar na universidade. Para nossa felicidade 95% dos jovens a frequentar o secundário, que participaram nos nossos programas, entraram no curso universitário que pretendiam.

Sendo estas as boas notícias, também chegam a nós jovens que não fazem ideia do que querem estudar, que sentem uma tremenda angústia relativamente à possibilidade de se enganarem, de não conseguirem escolher um curso que lhes permita ganhar dinheiro para terem a vida que ambicionam para si. Muitos destes ficam paralisados, incapazes de tomar uma decisão, sendo que alguns precisam de acompanhamento psicológico para conseguirem desbloquear.

Também há aqueles que já decidiram que Portugal não é para eles. Alguns ainda consideram estudar em Portugal durante a licenciatura, mas olham para o Mestrado como a porta de entrada para o mercado de trabalho numa outra geografia. E assim vamos assistindo à partida dos nossos filhos, sobrinhos e amigos. Eu própria fiz carreira internacional e considero ser importante passar por essa experiência, mas confesso que me parece que muitos deles podem já não ter o V de Volta.

Vamos agora olhar para uma outra estatística. Segundo um estudo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no ano letivo de 2020/2021, entre as licenciaturas, a percentagem dos que saíram do sistema durante o primeiro ano foi de 10,8%, quando no ano anterior tinha sido de 9,1%. E quase um em cada quatro estudantes (24,4%) que tinham ingressado num curso técnico superior profissional (CTeSP) já não se encontrava no ensino superior nacional um ano após ter iniciado o curso.

Causas? Sem ter visibilidade direta sobre todas, existem várias que podemos mencionar: problemas financeiros, um tema a que temos que estar ainda mais atentos nos tempos que se aproximam; problemas psicológicos, decorrentes da integração numa nova cidade e/ou num novo sistema educativo; consciencialização que fez uma escolha errada, ou que o ensino superior não é para si.

Relativamente à questão psicológica, lembro-me bem do choque dos dois primeiros exames e da velocidade com que se dava a matéria. A título de curiosidade enquanto escrevia estas linhas recebi uma mensagem de uma jovem que entrou com 19 na universidade e que está a desesperar com uma disciplina em específico. Passou de ser uma aluna brilhante, para ser alguém que sente sérias dificuldades numa disciplina. Tudo isto no espaço de um mês. Difícil gerir??? Muito…

Durante os três anos do secundário estão focados em entrarem no curso que querem. Embarcamos no sonho deles e esquecemo-nos de os alertar para o facto de que vai ser difícil. Por ter consciência disso, esse é um tema que menciono aos jovens com quem trabalho. Digo-lhes sempre que, independentemente do curso, o primeiro ano vai ser difícil. Trata-se de um ano de adaptação, em que vão ter disciplinas base, nem sempre muito interessantes. Vão também encontrar-se com pessoas mais parecidas com eles e que o nível de exigência vai aumentar. Muitos deles vão pela primeira vez saber o que é reprovar a uma disciplina.

Saber isso de antemão é importante. Se queremos proteger a saúde mental dos nossos jovens, temos a responsabilidade de os alertar para o facto de eles serem muito mais do que as notas que têm. O que em si é uma contradição relativamente a tudo aquilo que lhes dissemos no secundário: que tinham que tirar as melhores notas possíveis, para conseguirem entrar no curso que queriam! Confusos? Imaginem eles…

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Anabela Possidónio

Anabela Possidónio

Anabela Possidónio é fundadora e diretora-geral da Shape Your Future, que tem como missão ajudar jovens e adultos a tomarem as melhores decisões académicas e profissionais. Assume também o cargo de diretora-geral da Operação Nariz Vermelho. Tem uma vasta carreira corporativa de mais de 25 anos, onde assumiu posições de liderança em diversos setores (Saúde - CUF; Educação - The Lisbon MBA; Retalho - Jerónimo Martins e Energia - BP), em diferentes países (Inglaterra, México, Espanha e Portugal) e empresas... Ler Mais..

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