Opinião

Objetivos de curto prazo do ego

Mário Ceitil, formador e professor universitário

Num artigo recente publicado na HBR (1), Amy Gallo reporta os resultados de um estudo sobre os conflitos no trabalho, onde se assinala que “94% dos respondentes afirmam ter trabalhado com uma pessoa “tóxica” nos últimos 5 anos.

Embora seja pertinente salientar que o conceito de “pessoa tóxica” tem, em si mesmo, algo de subjetivo, já que a categoria de “toxicidade” depende também da perspetiva de quem a imputa, as conclusões deste estudo estão em linha com os resultados obtidos numa outra pesquisa, mencionada no mesmo artigo, onde se assinala que um “survey” feito a 2.000 trabalhadores americanos, indicava que “a sua principal fonte de tensão no trabalho eram as relações interpessoais” (2).

Mesmo sem a isenção e a objetividade requeridas à metodologia de investigação científica, julgo que estas conclusões podem ser partilhadas por uma grande maioria das pessoas que, apesar da modernidade de temas como o “well-being” e a “felicidade organizacional”, continuam a sentir que o seu quotidiano profissional é marcado por inúmeras “dinâmicas negativas” (3), onde “sentimos que é difícil sermos o melhor de nós próprios ou melhorarmos a situação” (4).

O que pode, então, explicar este desfasamento entre as afirmações, já hoje amplamente generalizadas, de que as pessoas e o seu “espírito positivo” são o principal fator de sucesso das organizações, e a realidade reportada nos estudos citados, que parecem contraditoriamente alinhar-se com uma sugestiva frase de Jean-Paul Sartre, onde se refere que “o inferno são os outros”? (5).

As causas são, como é natural, mais difíceis de evidenciar do que as consequências, mas podem residir, entre outros possíveis fatores, no facto de estarmos a viver numa época particularmente instável, onde os níveis de stresse são muito intensos e as pessoas se sentem cada vez mais ameaçadas, justamente pela incerteza em relação ao seu futuro, tanto profissional como pessoal.

Neste contexto de grande instabilidade, refere Gallo (6), “mesmo os profissionais mais experientes do ambiente de trabalho podem ver-se focalizados nos objetivos de curto prazo do ego e da proteção da sua reputação, em vez dos de longo prazo, como comportamentos de honorabilidade e de preservação da colegialidade” (7).

Esta ideia é tanto mais inquietante quanto sugere que os fatores de instabilidade social e organizacional, que condicionam estes comportamentos, não afetam apenas as gerações com menos experiência de autorregulação emocional em situações de crise e de gestão de conflitos, mas têm tendência para se tornar num fenómeno de grande amplitude e generalização, levando as pessoas a adotarem comportamentos de uma “assertividade tonitruante”, que às vezes mal se distingue de um puro ataque agressivo, apenas com o objetivo de demonstrarem que “conseguem ganhar um argumento” ou simplesmente para “parecerem bem perante as suas equipas” (8).

Os referidos “objetivos de curto prazo do ego” obedecem a imperativos táticos de uma pessoalidade que se sente frágil e insegura, que não reconhece nos outros o direito à alteridade, e são centrados na preocupação de ganhar pequenas vitórias que, pelo lastro de efeitos negativos que provocam nos outros, correm seriamente o risco de cumprir o conhecido desígnio de levar os seus protagonistas “de vitória em vitoria até à derrota final”.

As possíveis soluções para este problema não são, obviamente, simples, mas também não são motivo para se alegar que pura e simplesmente, são “fruta da época” e que a única coisa que há a fazer é… “aguentar”.

Esta, pelo contrário, é daquelas situações em que tanto a autoconsciência como a determinação da vontade humana são os ingredientes preferenciais para uma mudança que, podendo não ser grande em termos da sua amplitude, pode ser muito rica em termos do seu significado, seja para uma pessoa, seja para um conjunto de pessoas concretas.

E o primeiro passo a dar poderá, ou deverá, ser, o simples reconhecimento de que nada, nem ninguém, nos poderá forçar a sermos diferentes do que somos e que essa é uma prerrogativa que só a nós nos assiste.

Depois, reconhecer nos outros a legitimidade de ser igual, ou até melhor, do que nós e a humildade de reconhecer o seu direito a terem opiniões e a formularem juízos a nosso respeito. Muitas vezes, estamos de tal modo focalizados no “inferno” que achamos que os outros são, que nos esquecemos facilmente que, para os outros…o outro somos nós.

Sair do “pedestal, não é uma ameaça, mas uma prova de maturidade de alguém que ousa pôr-se à prova para descobrir novos horizontes e testar a sua capacidade de enfrentar novos desafios. Sem a humildade de reconhecer que não somos perfeitos, o que estamos a fazer é simplesmente esconder e escamotear as nossas imperfeições,  que tendem a se evidenciar cada vez mais, à medida em que as coisas se vão tornando cada vez mais complicadas.

Por último, mas não menos importante, é importante que os líderes, em vez de abordarem a mudança cultural nas suas organizações através de processos formais e analíticos, criem e disseminem histórias que veiculem os valores da colaboração e da entreajuda, em vez de se limitarem a agitar ameaças externas como forma de unir as pessoas contra o “inimigo” comum. Esse tema e essa prática já foram muito comuns em épocas anteriores. Mas hoje, ou já não convencem, ou são suscetíveis de gerar alianças precárias com base em emoções primárias de medo ou, o que ainda é pior, de raiva.

Estas são algumas ideias que podem constituir bons alicerces para se definirem e implementarem objetivos mais estratégicos, de fortalecimento das relações interpessoais e de consolidação de culturas sustentáveis de colaboração e vivências de equipa, em vez de nos focalizarmos em “objetivos de curto prazo do ego”.

Alguns talvez afirmem que “tudo isto é muito bonito”, mas hoje não há tempo para isso e o longo prazo já morreu. A esses, que assim pensam, gostaria de perguntar se as suas organizações querem ou não querem ser sustentáveis.

É que, em boa verdade, a sustentabilidade só faz verdadeiramente sentido se for…a longo prazo.

REFERÊNCIAS

  • Amy Gallo, “How to Navigate Conflict with a Coworker”. Harvard Business Revue, Special Issue, Summer 2025, pp 10-15.
  • Idem
  • Idem
  • Idem
  • Jean-Paul Sartre, retirado da peça “Huis Clos” escrita em 1944.
  • Amy Gallo, “How to Navigate Conflict with a Coworker”. Harvard Business Revue, Special Issue, Summer 2025, pp 10-15.
  • Idem
  • Idem
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Mário Ceitil

Mário Ceitil

Licenciado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISPA, Mário Ceitil é consultor e formador na CEGOC desde 1981, tendo participado em vários projetos de intervenção, nos domínios da Psicologia das Organizações e da Gestão dos Recursos Humanos, em algumas das principais empresas e organizações, privadas e públicas, em Portugal e em países da África lusófona. Integrou, como consultor, equipas internacionais do grupo CEGOS, em projetos europeus. É professor universitário, desde 1981, nas áreas da Psicologia das Organizações e da... Ler Mais..

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