Entrevista/ “O trabalho de promoção da marca tecnológica Portugal precisa de se intensificar”

Miguel Gonçalves, CEO do Magma Studio*

 “Temos ótimos projetos profissionais e empresas muito comprometidas com a capacitação do talento”, afirma Miguel Gonçalves, CEO do Magma Studio. Nem sem antes lembrar que “precisamos de salários mais altos e impostos mais baixos”.

Inspirar jovens a perseguirem carreiras tecnológicas é um fenómeno que depende sobretudo de conseguirmos criar mais e melhores iniciativas que permitam às empresas dialogar com eles, expondo-lhes o real alcance do espaço de crescimento existente, defende Miguel Gonçalves, CEO do Magma Studio, e mentor da iniciativa a “Maior Aula de Programação do Mundo”, que vai realizar-se no dia 12 de outubro, em Lisboa, numa colaboração com Instituto Superior Técnico, com tentativa de entrada no Guinness World Record.

Quais as expetativas para a “maior aula de programação do mundo” que vai decorrer em outubro no Técnico?

Esperamos que seja uma festa épica e memorável. Para além de entrar no Guinness World Records como a “Maior Aula de Programação do Mundo”, esta iniciativa pretende reforçar a marca Portugal nos mercados e comunidades internacionais como um país de jovens, profissionais e empresas altamente qualificados no desenvolvimento de tecnologia. Adicionalmente, é muito importante conseguirmos continuar a sensibilizar os jovens para a crescente importância da tecnologia no seu futuro profissional, destacando a relevância das competências digitais.

O que podemos esperar deste encontro e qual o objetivo?

Irá juntar mais de 1.600 alunos num evento com três grandes objetivos: reforçar a marca Portugal no desenvolvimento de tecnologia, sensibilizar os jovens para a importância das competências digitais nas suas carreiras e, por fim, criar um evento de grande escala que promove networking entre alunos e profissionais de empresas.

A aula, que acontece ao longo da manhã, será sucedida de um almoço e festa nos Jardins do Arco de Cego, onde os participantes terão oportunidade de interagir e contactar com cerca de 300 colaboradores das empresas que apoiam a iniciativa: ANA Aeroportos de Portugal, Axians, Deloitte, Galp, Millenium BCP, NOS, NTT Data, Vodafone e Worten.

A quem se destina? Todos podem participar?

É dirigida a alunos universitários, de vários backgrounds académicos e de várias geografias. A aula foi desenhada de forma a permitir a participação de alunos que já sabem programar, mas também de pessoas sem contacto prévio com programação, de forma a contribuir para a remoção de mitos associados a esta disciplina.

“O trabalho de promoção da marca tecnológica Portugal precisa de se intensificar (…)”

O que é preciso fazer para projetar melhor Portugal como um país atrativo para desenvolvimento tecnológico? E para inspirar os jovens a seguirem carreira no setor tecnológico?

Lisboa foi considerada a Capital Europeia da Inovação em 2023 e Portugal é reconhecido internacionalmente como um país de unicórnios, start-ups e uma vibrante comunidade dedicada ao desenvolvimento de tecnologia. A atratividade do nosso país é também comprovada pelo elevado número de multinacionais tecnológicas que têm vindo a estabelecer-se e a investir no nosso mercado. Não obstante, este é um caminho que é necessário percorrer todos os dias. O trabalho de promoção da marca tecnológica Portugal precisa de se intensificar e parece-me que continuam a faltar esforços de agregação que traduzam a vontade e o investimento de uma grande quantidade de organizações – falta uma voz comum.

Os jovens, sobretudo os alunos finalistas, têm já uma forte sensibilidade quanto ao inegável espaço de crescimento profissional que existe em territórios tecnológicos. Genericamente há neles a perceção de que as carreiras tecnológicas, habitualmente, são mais bem recompensadas do ponto de vista financeiro, mas também são mais apelativas quanto ao volume das oportunidades existentes. Inspirar jovens a perseguirem carreiras tecnológicas é um fenómeno que depende sobretudo de conseguirmos criar mais e melhores iniciativas que permitam às empresas dialogar com eles, expondo-lhes o real alcance do espaço de crescimento existente.

Não devemos também esquecer que um momento muito importante é a transição do ensino secundário para o superior. Assim, criar mais diálogo entre os alunos do secundário e os alunos universitários é também bastante desejável e terá um impacto positivo a este nível.

Segundo o Observatório da Emigração, 30% dos jovens portugueses vive fora do país. Esta tendência manter-se-á?

É difícil fazer previsões, no entanto, podemos assumir que se não existirem mudanças nas abordagens políticas e empresariais, é muito provável que, infelizmente, a tendência persista. Isto está refletido num relatório da Universidade de Coimbra, publicado no passado mês de março, que revela que 40% dos estudantes inquiridos pretende emigrar nos próximos cinco anos. Se enquanto país não conseguirmos criar um ambiente mais atrativo, tanto economicamente como em termos de qualidade de vida e oportunidades de evolução de carreira, uma percentagem significativa de jovens continuará a ver a emigração como a solução possível. Não necessariamente a desejável, mas a possível.

(…) a maioria dos jovens emigrantes preferiria ficar em Portugal se as oportunidades de emprego, os salários e as condições de trabalho fossem melhores (…)”.

Qual a solução para manter a população jovem em território nacional?

Tanto estudos do INE como do Observatório da Emigração revelam que a emigração dos jovens portugueses é impulsionada pela procura de melhores condições de vida e que a maioria dos jovens emigrantes preferiria ficar em Portugal se as oportunidades de emprego, os salários e as condições de trabalho fossem melhores – os jovens que emigram deixam o país porque não lhes são apresentadas alternativas viáveis e competitivas. Temos ótimos projetos profissionais e empresas muito comprometidas com a capacitação do talento, no entanto, a única solução possível é tão fácil de identificar quanto é difícil de implementar – precisamos de salários mais altos e impostos mais baixos. Podemos e devemos continuar a promover a qualidade de vida e o enriquecimento das competências dos nossos colaboradores, porém, “salários mais altos e impostos mais baixos” é o que verdadeiramente pode inverter a situação de forma expressiva.

O Miguel Gonçalves é o CEO da Magma Studio. Quem é a Magma Studio e a que se dedica?

É uma consultora de gestão de talento que trabalha com grandes organizações ajudando-as a definir as suas estratégias de gestão de talento. Os nossos clientes são empresas extraordinárias como a Fidelidade, SIBS, EY, Jerónimo Martins, ANA Aeroportos, Hovione, Teleperformance, EDP, Siemens, L’Oréal, Vodafone, Inditex, BPI, entre outras. Adicionalmente, investimos uma parte dos nossos recursos na criação de iniciativas de educação que, não tendo por base objetivos financeiros, promovem a capacitação de alunos universitários, criando programas que todos os anos fazem a diferença na vida de dezenas de milhares de pessoas, ajudando-os a criar melhores carreiras.

De que forma a Magma ajuda as empresas a atrair e a fixar talentos em carreiras importantes para o país?

Operamos em dois grandes eixos que contribuem precisamente na fixação do talento no nosso país: atração e retenção. Na dimensão da atração, para além de programas de alinhamento interno dos processos de aquisição de talento, implementamos programas de trainees e campanhas digitais de employer branding. Ao longo dos anos temos também desenvolvido tecnologia de recrutamento que nos permite implementar sites e chatbots de recrutamento, algoritmos de análise de candidaturas, aplicar testes psicométricos e conduzir assessment centers, ajudando as empresas a recrutar as pessoas certas, para as posições certas. No âmbito da retenção de talento, ajudamos as organizações a definirem as suas candidate experiences e especializamo-nos na criação de programas de onboarding e programas de formação que permitem acompanhar os recém-contratados ao longo do seu percurso de integração na empresa.

As empresas portuguesas têm estratégias para gerirem e fixarem novos colaboradores? Quais os grandes problemas/desafios que enfrentam?

Acho que os grandes desafios das organizações na retenção do talento são muito evidentes no mundo corporativo: primeiro, acompanhar as expetativas salariais dos colaboradores num país onde tudo é caro, e depois promover o crescimento das pessoas ajudando-as a progredir e a prosperar profissionalmente. As empresas portuguesas estão mais atentas à crise de talento que estamos a sentir, de uma forma transversal, em praticamente todos os setores, da tecnologia aos seguros, da banca ao turismo, da indústria aos serviços. Quem trabalha nas áreas da gestão de talento tem assistido a alterações muito significativas na forma como o talento é nutrido nas organizações.

Portugal 2014 e Portugal 2024 são dois países com um mundo de distância entre eles. Vemos que os departamentos de recursos humanos têm vindo a assumir um protagonismo crescente nas organizações e os esforços para o desenvolvimento de iniciativas internas de retenção de talento são enormes: programas de formação individualizados às necessidades e características do colaborador, parcerias com instituição de ensino superior para a capacitação de competências, programas de mobilidade interna, programas de enriquecimento salarial e iniciativas de promoção de bem-estar físico e emocional, são apenas alguns dos exemplos que nos últimos anos têm vindo a ser implementados, de forma transversal, por uma alargada quantidade de empresas.

Que tipo de iniciativas a Magma Studio desenvolve com os alunos universitários?

Trabalhamos um scope muito alargado de competências com os alunos. A nossa Escola das Finanças, em parceria com a Cofidis e a Fidelidade, desenvolve programas de educação financeira que, ao longo de seis semanas e num formato muito prático, ensinam a navegar na complexidade do mundo financeiro. Em 2023 formamos mais seis mil alunos e em 2024 vamos formar 25 mil, ajudando assim a aumentar os índices de literacia financeira do nosso país.

A Academia Magma todos os anos faz 200 workshops gratuitos e talks em parceria com várias organizações de estudantes. Este ano formamos 30 mil alunos em temas como desenvolvimento de carreira, excel, scrum, preparação para entrevistas de trabalho, etc. O Talent Bootcamp é o nosso programa mais antigo e até ao final do ano chegará à edição 225. Em cada edição aproxima 200 alunos de 150 empresas e ao longo dos últimos 13 anos ajudou mais de 20 mil jovens a encontrar trabalho.

Como analisa as expetativas dos jovens universitários e recém-diplomados relativamente ao mercado de trabalho em Portugal?

Todos os anos conduzimos uma investigação chamada as Empresas Mais Incríveis de Portugal que, envolvendo mais 9000 alunos universitários de várias Academias, nos dá uma visão muito concreta e clara de quais as expetativas e ambições dos alunos. A investigação demonstra que Tecnologias da Informação e Comunicação é o setor mais atrativo no mercado e que 76% dos alunos valoriza a possibilidade de trabalhar num regime de trabalho híbrido (alguns dias em casa e outros no escritório) em contraste com os apenas 6% que procuram trabalhar em full-remote. Nas suas chefias valorizam sobretudo empatia e disponibilidade, apoio para ajudar a crescer e clareza e objetividade. Das empresas esperam formação e oportunidades de desenvolvimento, integração vida-trabalho e remuneração e benefícios competitivos.

Aquilo que de forma transversal é evidente quando se contacta em grande proximidade com os alunos é que uma percentagem significativa deles não está sequer a considerar a possibilidade de ficar em Portugal. Por mais que as empresas desenvolvam programas, iniciativas e estratégias de promoção do seu talento, infelizmente, existe uma perceção comummente estabelecida entre eles de que no início da carreira, mais vale começar lá fora.

Qual pode ser o papel da Academia na relação com as empresas?

Também neste território temos vindo a assistir a grandes alterações ao longo dos últimos 10 anos e não deixa de ser surpreende a forma como nas instituições de ensino superior se viralizou a consciência da importância da relação Academia-Economia. Por definição, sabemos que quanto melhor for a qualidade do ensino e o nível de ajustamento ao mercado (relação entre necessidades das empresas e as competências dos alunos à saída da formação) que as instituições de ensino promovem, mais competitiva se tornará uma economia. Tanto na qualidade como no ajustamento vejo esforços muito credíveis em diversas instituições, tanto nas disciplinas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), como nas disciplinas financeiras e ciências sociais.

Adicionalmente, aceitamos que o trabalho das instituições de ensino não se esgota na sala de aula. Percebemos que quanto mais prematura e musculada for a relação dos alunos com os profissionais das empresas, maior será a probabilidade de conseguirmos, simultaneamente, aumentar os níveis de ajustamento das competências ao mercado, mas também a probabilidade de os alunos tomarem decisões mais informadas sobre qual a melhor contribuição que o seu talento tem no mercado.

De forma inegável vemos que o volume e a qualidade das iniciativas de interação entre alunos e empresas têm vindo a crescer de forma muito relevante, seja através de programas corporativos de embaixadores académicos, realização conjunta de workshops e ciclos de conferências, criação de programas de estágios e de realização de teses, bem como programas de jobshadowing e visitas às empresas.

 

*E mentor da iniciativa  “Maior Aula de Programação do Mundo”

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