Opinião

O tom … de um olhar

Diogo Alarcão, gestor

Discutiam-se assuntos relacionados com um tema que continua a apaixonar-me, Recursos Humanos, quando alguém exclama (não para mim!): “O tom do teu olhar diz tudo!”

Fiquei a pensar… Já tinha ouvido falar do tom de uma música, de uma mensagem, de um texto, mas… de um olhar?!? Será que o nosso olhar pode ter um tom? O que conseguimos transmitir com um olhar? Pode um olhar aprovar ou reprovar? Usamos o olhar para dizer o que pensamos ou calar o que sentimos? Que impacto podem ter os nossos “olhares” sobre os outros?

A reunião decorria com normalidade e em ambiente descontraído. Discutiam-se opções, cenários, antecipavam-se dificuldades e definiam-se estratégias para as ultrapassar. Cada um dizia o que pensava e os outros ouviam, concordavam, discordavam ou propunham alternativas e a “agenda” ia avançando. E de repente…

“O tom do teu olhar diz tudo!”

Que maravilha! Não foi preciso uma palavra para alguém exprimir o que pensou naquele momento. Bastou um olhar que disse tudo. Num segundo, emissor e recetor estavam interligados, comunicavam… e o recetor percebeu a mensagem, sem mais! Não foram precisos e-mails, circulares, informações, memorandos, processos, procedimentos… bastou um olhar. Mas não foi um olhar qualquer. Foi um olhar que tinha um “tom”. Um “tom” que permitiu à pessoa que estava a falar perceber de imediato o que a outra queria dizer. Não foi preciso dizer “concordo” ou “não concordo”. Não foi preciso dizer “é isso mesmo” ou “que disparate”. Bastou aquele olhar. E a reunião prosseguiu.

Este episódio fez-me pensar no poder que um simples olhar pode ter. De facto, o nosso olhar pode ter um “tom” que acolhe ou repudia, reconforta ou ameaça, aproxima ou afasta. Isto é verdade em qualquer contexto, incluindo o profissional. Desde este episódio, dou por mim a observar os olhares dos intervenientes nas reuniões em que participo e constato que há múltiplas mensagens que se transmitem através de um simples olhar que pode ser fortuito ou mais persistente, quando o interlocutor está distraído. Esses olhares transmitem frequentemente mensagens que não se podem dizer ou que “calam” o que sentimos, como por exemplo: “O que está ele para ali a dizer!?!” ou “Quando é que ela se cala…?” Quem nunca trocou estes olhares em reuniões de trabalho? E quem nunca se divertiu com algumas dessas trocas de olhares?

Mas, um olhar com “tom” pode também ser uma perigosa arma dissuasora ou recriminatória. Um líder deve, pois, ter consciência do seu olhar e procurar não o usar de forma abusiva ou autoritária. Um olhar pode inibir, controlar ou mesmo intimidar quem trabalha connosco colocando-o numa posição de fragilidade. Esses olhares devem ser evitados.

Um olhar pode também estimular, incentivar e reconfortar. Esses são os “olhares com tom” que os líderes devem ter sempre nos seus olhos. Basta recordar o que os “olhares” dos nossos pais representavam para nós em crianças ou os olhares que lançámos aos nossos filhos. Quantos de nós não nos lembramos de um olhar que doeu mais que uma boa palmada ou aquele olhar que deu coragem aos nossos filhos para ultrapassar um obstáculo que lhes parecia intransponível no teatro da escola, nas provas desportivas em que participavam ou naquelas coisas que queriam fazer ou dizer, mas cuja idade os inibia por vergonha?

Em contexto profissional, é muito importante que o “tom do olhar” de um líder seja sempre usado com equilíbrio e parcimónia. O “tom do olhar” de um líder deve respeitar as fragilidades de quem consigo trabalha, deve superar as insuficiências de quem não está a conseguir atingir um objetivo, mas deve também orientar e disciplinar, quando necessário.

Obrigado Ana, por me teres feito descobrir, naquela reunião, que os “olhares” podem ter “tons”.

Obrigado Joana, por teres tido aquele olhar que me fez pensar e escrever esta partilha.

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Diogo Alarcão

Diogo Alarcão

Diogo Alarcão tem feito a sua carreira essencialmente na área da Gestão e Consultoria. Atualmente é Vogal do Conselho de Administração da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Foi Chairman da Marsh & McLennan Companies Portugal e CEO da Mercer Portugal. Foi Diretor da Direção de Investimento Internacional do ICEP, de 1996 a 2003. Foi assessor do Presidente da Agência Portuguesa para o Investimento de 2003 a 2006. Licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa, concluiu posteriormente... Ler Mais..

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