Opinião

O reinventar das organizações?

Sónia Jerónimo, empreendedora

O atual contexto que o vírus Covid-19 trouxe não pode ser analisado como meramente conjuntural. As organizações começam a reorganizar-se, mas têm, na realidade, de se reinventar. Algumas já o fizeram, muitos antes e, por isso, estão melhor preparadas, outras terão reativamente de responder a novos desafios de gestão e liderança.

Queiramos ou não, o futuro do trabalho, da gestão e da liderança passará por um mundo cada vez mais virtual, distante de presenças físicas, em grande salas de reuniões. Colaboradores, gestores e líderes passarão a ir apenas muito pontualmente ao escritório.

Isto coloca desafios enormes à gestão e às lideranças atuais, não só no seu seio, mas sobretudo aos grupos empresariais que possuem diferentes empresas ou subsidiários, fisicamente distantes entre si.

Num artigo recente escrito por mim, sobre lideranças construtivas, já apontava para a necessidade da criação de lideranças assentes no compromisso e envolvimento. Um modelo de liderança assente em equipas flexíveis e dinâmicas.

Trata-se de encorajar “team players/leaders” mais de que meros executivos ou managers. Trata-se de um modelo completamente disruptivo face aos das empresas tradicionais. Envolve instrumentos que permitam aos colaboradores desenvolver conceitos de “companheirismo e camaradagem” e construir sistemas internos, alguns até informais, que permitam às pessoas comunicar entre si, cooperarem de forma fácil e ágil, e organizarem-se em torno de uma rede de equipas – “network of teams”.

Para se entender melhor o “contraste” do que proponho, tenho de levar o leitor até Max Weber. Para o sociólogo alemão, “a autoridade é a probabilidade de haver obediência dentro de um grupo determinado”. Weber distinguiu três tipos de sociedade e autoridade: tradicional, carismática e burocrática.

Simplificando. A maioria das organizações de hoje foram construídas com base nos princípios de Weber, principalmente a burocrática. Weber percebeu que a revolução industrial teria de dar lugar a um modelo mais burocrático e racional.

Já estamos a viver transformações colossais, como a que Weber viu há 100 anos. Vamos assistir cada vez mais a uma mudança de organizações hierárquicas e demasiado burocráticas para organizações em rede.

Atualmente, grande parte das organizações ainda assentam em estruturas bastantes orgânicas – funções divididas em tarefas específicas, regidas por um sistema de hierarquia, autoridade e responsabilidade.

Mesmo as atuais organizações matriciais não conseguem responder à complexidade do mercado e às exigências que o futuro nos impõe. São pesadas, “egocêntricas”, com responsabilidades, mas com pouca ou nenhuma responsabilização. Esta última conseguida com elevados níveis de compromisso e envolvimento muito próprio das organizações em rede.

As estruturas organizacionais tradicionais têm de evoluir para modelos de cooperação e colaboração, ligados entre si e por ligações curtas. Note-se que um organigrama formal, ou os chamados “silos”, podem ser redes. São grupos funcionais, que podem agir em rede.

O grande desafio é que muitas vezes as suas ligações são caminhos muito longos e “penosos”, onde a informação, ou fica retida, ou viaja muito lentamente, resultando numa total incapacidade de adaptação.

Então, como ligar eficazmente “silos” entre si? Porque é tão difícil criar organizações ou equipas em rede? Uma possível resposta é que as organizações continuam a favorecer um alinhamento operacional rigoroso e inflexível dentro das suas áreas funcionais específicas, ao mesmo tempo, que querem fomentar a ligação entre elas. Ao invés de um conjunto de unidades funcionais, os “silos” têm de se tornar numa organização sincronizada, como um só.

Como fazer isto acontecer?
O que tem de mudar não é a forma como gestores e líderes descrevem as suas organizações, mas o papel dos gestores e líderes dentro delas.

Como?
O papel dos gestores e líderes, não é, na minha opinião, dirigir trabalho. Numa era em que tudo estará interligado, têm de incutir paixão e propósito em torno da missão e visão estratégica comum partilhada.

Uma visão estratégia emerge de uma inteligência coletiva, que atua, criando cadeias de valor, onde todos contribuem de forma responsabilizada, com compromisso e envolvimento para algo maior.

Quando gestores e líderes entenderem que as ligações em rede correspondem a uma cadeia de valor que é precisa para levar a cabo uma missão estratégica com um propósito comum, o trabalho em rede acontecerá e é encorajado entre todos e a própria rede cuidará de si própria.

Um exemplo bem conhecido. Quando o presidente JFK visitava a NASA que se preparava para lançar o primeiro homem à Lua, ao caminhar  pelo corredor de acesso, encontrou uma pessoa que limpava o mesmo. A sua função era manter o espaço limpo e organizado. Perguntou-lhe, o que ali fazia. Ao que ele respondeu: “Sr. Presidente estou a ajudar o país a colocar o primeiro homem na Lua!”

Organizações que trabalhem em rede, de forma cooperativa e colaborativa, com uma visão de propósito muito maior que o seu “silo”, criam as culturas organizacionais que promovem lideranças construtivas, com maior produtividade, criatividade e melhores taxas de crescimento, quantitativa e qualitativas nos mercados onde atuam.

Há um longo caminho ainda a percorrer, mas creio, que valerá a pena. Na prática, nada que aqui escrevo é novo, apenas, é preciso que lideres e gestores tenham a capacidade de parar e pensar criticamente e construtivamente para “dentro de si” e das organizações que lideram. Talvez seja um bom momento para o fazer.

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Sónia Jerónimo

Sónia Jerónimo

Sónia Jerónimo é atualmente Startup Builder EmpowHER®. Anteriormente foi cofundadora da GO IT Concept & Ambassador na Fábric@ Empreendedorismo do Município de Seia, foi Entrepreneur & Board Advisor e passou pela Winning, como COO e Board Advisory. Tem mais de 20 de experiência na área da gestão e liderança de empresas ligadas às tecnologias de informação. Após a licenciatura em Economia, iniciou a sua carreira no mundo académico como professora nas áreas de Economia e Gestão, na Universidade da Beira... Ler Mais..

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