Opinião
O que gostaria que me tivessem dito quando acabei medicina e decidi ser empreendedor

João Villas Boas formou-se em medicina, mas a sua veia empreendedora prevaleceu e criou a Sailside. Agora, o jovem fundador partilha com os empreendedores os cinco conselhos que gostaria que tivessem partilhado com ele.
A Sailside levantou uma Seed Round e há cinco conselhos que gostaria de partilhar com empreendedores. A Sailside é um peer to peer boat rental marketplace, mas a minha visão é que seja “a Tech Company that rents boats”.
O que não é visível perante uma imagem daquilo que é percebido na nossa cultura profissional como sucesso é: muito sangue, suor e lágrimas.
Não consigo conceber, profissionalmente, algo que se assemelhe mais ao mito de Sisifo ou a uma tarefa herculeana do que construir uma empresa do zero, em bootstrap.
Exige uma paixão e dedicação tão grande, para além das competências técnicas e soft skills, que aos olhos de quem está de fora se chega a assemelhar a uma obsessão. E provavelmente é mesmo isso que é (em parte).
Assim, o meu primeiro conselho é: ou o drive é superior a qualquer outra vontade ou não é provável que a venture tenha o sucesso pretendido e, portanto, desaconselho tentar criar e trabalhar (e tudo o resto na vida) a meio gás.
Com o tempo, a experiência e (alguma) maturidade aprendi que o equilíbrio entre a vida pessoal e a venture são essenciais. Aprendi a maior parte das vezes da pior maneira. Descurei uma alimentação saudável e o exercício físico e pus em causa relações verdadeiramente importantes para mim até ao ponto da irreversibilidade, pela ausência. Porque as relações são como as plantas, têm de ser regadas. Também não soube (muitas vezes) gerir o stress com ferramentas de coping eficazes.
Então, o segundo conselho é: quando achamos que estamos a perder produtividade laboral ao ir ao ginásio ou passar uma tarde com o amigo ou a namorada, É MENTIRA. O tempo não tem todo a mesma produtividade e é necessário recarregar baterias. Cada um sabe o que resulta para cada um. Aprendi isto também com o meu primeiro co-founder, o Nuno Ribeiro, que sendo mais experiente, se mantinha calmo quando eu estava uma autêntica locomotiva a todo o vapor em Berlim.
Terceiro conselho: em Berlim fiz um dos melhores programas de aceleração da Europa, o StartupBootcamp Digital Health Berlin (com a minha primeira start-up) e em Portugal fiz o Tourism Explorers que é provavelmente o melhor programa de aceleração da área do turismo em Portugal (com a Sailside) e vencemos a nível nacional.
O que me leva para o quarto conselho: eu sou médico de formação, aprendi sobre moléculas, enzimas, células, tecidos, órgãos e organismo. Não sabia quase nada tecnicamente do que é necessário para criar uma start-up. Há vários cursos que permitem partir um pouco mais à frente, mas ainda assim ensinam a utilizar um excel ou a “bater código” ou a fazer uma campanha de marketing digital. Ser empreendedor é uma característica. Não é um diploma. Mas é uma característica que pode (e deve) ser musculada e dessa forma aconselho vivamente (aqui em Portugal) um programa da Fábrica de Startups. Em todos os outros países há outros. Permite aprender com os erros de outros founders e aprender o método Lean Startup que para mim é, sem dúvida, o mais inteligente e o que faz mais sentido.
Quinto conselho: as pessoas de que nos rodeamos são chave. Intra founders team, relativamente às pessoas que (se as coisas correrem bem) contratamos e relativamente aos mentores que temos. Mas é também uma regra para a vida, aplica-se também aos amigos e às namoradas. No fundo, às pessoas com quem queremos partilhar esta aventura de exploração que é a vida.
A equipa deve conhecer-se pelo menos ao ponto de saber como cada um reage quando as coisas correm mal ‘when shit hits the fan’. Também aprendi isso ‘the hard way’. É importante que as equipas sejam complementares. Num negócio digital devem existir pessoas com competência em matemática (entenda-se fazer modelos financeiros e criar key performance indicators eficazes), design, marketing, tech e uma pessoa com o ‘people person super power’, com as soft skills necessárias para liderar, vender, comprar, fazer fundraising, comunicar e fazer ‘operações de charme’ – não devia dizer esta última, mas disse, já sabem. É o que eu faço.
Bons mentores são cruciais. Devem ser convidadas pessoas com track record, com provas dadas, que acreditem nos founders e que tenham a gentileza que têm as pessoas que se sentem concretizadas e se sintam dispostas a partilhar conhecimento sem fazerem cerimónia quando é necessário confrontar os founders com os seus hipotéticos erros, mas sempre acreditando na possibilidade de, eles mesmos, estarem errados. Aqui, para mim, foram cruciais, em Portugal, o António Lucena de Faria, o Tim Vieira, o Stewart Noakes, o Vítor Verdelho e outros. Fora de Portugal foram vários, mas têm nomes mais difíceis de pronunciar.
Deixo aqui de coração aberto e consciência tranquila as top “5 tips” que gostaria que me tivessem dito há três anos quando acabei medicina e decidi que queria ser para sempre um empreendedor.
Hoje a Sailside levantou a sua seed round e o objectivo é gerar as métricas necessárias para levantar uma bridge round que nos permita estar elegíveis e aptos para uma séries A dentro de dois anos.
A vida é curta de mais para não vivermos a aventura dos nossos sonhos, com os pés assentes na terra (ou num barco) e os olhos postos na linha do horizonte.