Opinião

Desenvolvimento pessoal. Conceito abrangente, demasiado abrangente, onde tudo cabe e quase tudo serve. Sempre a apontar para o progresso, com mais e melhores competências que são arrumadas em modelos ora simples e pragmáticos, ora complexos e sofisticados. Procuram-se estados tão díspares como a produtividade, a eficácia, a tranquilidade, a felicidade, o equilíbrio, o sucesso. A lista poderia continuar até se atingir o limite de caracteres deste artigo.

Podem chamar-me antiquado ou bota-de-elástico mas, quando todos estão a olhar para o futuro, eu gosto de procurar as respostas no passado. Afinal, sobre o futuro nada sei nem consigo saber. Antes, quando as pessoas se queriam tornar boas, não se preocupavam tanto com as suas competências (saber-fazer) como fazem hoje. Ocupavam-se das suas qualidades ou virtudes (saber-ser). E, num aparente paradoxo, a única forma que concebiam para atingir essas virtudes e qualidades era através da sua aplicação consistente e constante. Veja-se uma das dimensões clássicas, que hoje está na moda por infelizes razões: a ética.

Na altura do famoso Aristóteles, a ética dizia respeito à realização de determinadas boas práticas sociais. O que ele chamava prudência era, na verdade, um tipo de sabedoria. Diz-se que chegou a esta ideia ao observar os pedreiros da ilha de Lesbos. Para poderem medir o diâmetro das colunas de pedra que ornamentam as entradas dos templos tiveram de “dobrar a régua”, inventando o que hoje conhecemos por fita métrica. Era na ação, na prática, que se revelava este tipo de sabedoria. Ligando esta ideia à ética, encontramos uma possível definição: a sabedoria nas relações humanas significa saber responder e reagir de forma correta e adaptada às circunstâncias, adaptando padrões commumente utilizados. A ética e a sabedoria, mais do que serem disciplinas, eram e devem ser práticas.

Séculos depois, um estudioso francês do famoso filósofo grego, Félix Ravaisson, obteve o grau de doutor com o seu estudo sobre a importância do hábito. Na sua reavaliação do conceito, contrariando a herança do racionalismo autónomo de Kant, devolveu os conceitos de liberdade e de inteligência à natureza, retirando-os da presença exclusiva do pretensioso ser humano. Para o francês, o hábito era, em si, uma virtude e não apenas um efeito mecânico. Era um mecanismo que dependia do tempo. Para se instalar e se reconhecer, um hábito implicava que algo que provocasse um efeito em alguma coisa tivesse uma duração, uma recorrência e uma persistência. Resumindo, o hábito não era fruto da falta de inteligência ou da preguiça. Era o seu contrário, era uma forma oculta de inteligência: uma sabedoria escondida.

Ora, sabemos que a virtude pode ser encontrada no meio, como diz o ditado popular. Para tomar a ação correta, para uma determinada pessoa, com as suas circunstâncias e no seu tempo, não é suficiente uma receita que reside num qualquer modelo pré-feito. Não basta agir de acordo com uma qualquer orientação externa. Será necessário encontrar um meio-caminho entre a reflexão e a ação; entre a atenção e a concentração; entre o egoísmo e o altruísmo; entre o ócio e o negócio; entre o tédio e a produção; entre o prazer e a frustração. Para saber o que melhor se pode fazer há que, em primeiro lugar, fazer. Depois, pensar sobre o que se fez, sobre o que se sentiu e procurar conhecer o efeito das nossas ações nos outros e no contexto.

A sabedoria não vem incrustada no nosso ADN. Tal como acontece com o hábito, também a sabedoria é dependente do tempo. Por isso, a imagem de um sábio coincide não raras vezes com a imagem de um idoso – pessoa que terá passado mais tempo viva do que as outras não-idosas. Na relação com o outro, no que respeita às nossas respostas e reações, todos podemos ser sábios se conseguirmos ter o tempo e os recursos – internos, sobretudo – necessários. Por outro lado, a verdadeira sabedoria implica aprender a responder e a reagir corretamente em cada vez menos tempo e com menos recursos.
Portanto, para alcançarmos a sabedoria, há que a tornar num hábito. Não será encontrada apenas em livros ou em modelos pensados por terceiros. A procura da sabedoria dever-se-á fazer na prática: fazendo.

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João Sevilhano

João Sevilhano

É licenciado em Psicologia Aplicada, área de Psicologia Clínica. Exerceu funções em instituições de saúde na área da Psicologia Clínica. Trabalhou igualmente como técnico de recursos humanos passando por vários departamentos onde se destacam as atividades de criação e implementação de programas formativos, counseling de gestores e equipas e a gestão de R.H (SONAE Distribuição). Desenvolveu a sua atividade na Escola Europeia de Coaching (EEC), agora Way Beyond, onde foi sócio-gerente, director pedagógico, coach e facilitador. Na Way Beyond é... Ler Mais..

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