Opinião

O ponto de viragem para a liderança feminina

Sandra Alvarez, diretora-geral da PHD

De uma forma muito enraizada, sempre estivemos perante um panorama estereotipado em que as posições de liderança estavam entregues, maioritariamente, a homens. Contudo, tal como em todas as áreas da sociedade, também a COVID-19 teve o seu impacto na forma como os líderes se relacionam com os seus colaboradores e o que estes esperam do tipo de liderança exercida.

Durante décadas ou mesmo séculos foi-nos incutida a crença de que a liderança dos homens inspira confiança, assertividade e independência. Já da parte das mulheres sempre se esperou que fossem emocionais, inclusivas e com um grande espírito de comunidade, traços muito associados à maternidade e pouco a um cargo de liderança.

No entanto, o que agora tem vindo a ser notado é que a maneira de liderar das mulheres, muito mais relacional, está finalmente a ser valorizada por colaboradores, homens ou mulheres. Certamente que a pandemia teve o seu impacto nesta mudança de mentalidade, alavancada pelo afastamento físico e o teletrabalho.

Olhemos, por exemplo, para Kamala Harris, nos Estados Unidos da América. Foi a primeira mulher a tornar-se vice-presidente daquele país, com um gabinete governamental maioritariamente feminino que tem aberto espaço para uma conversação sobre o tema das mulheres no poder e de como a forma feminina de liderar pode realmente transformar o paradigma atual.

Quando esta crise começou, estudos mostraram que a preferência por uma liderança autocrática diminuiu e a necessidade por uma liderança relacional, mais ao estilo feminino, aumentou. E a verdade é que, coincidência ou não, países liderados por homens que passaram por severas medidas de restrição, tiveram alguma dificuldade em fazer com que a população percebesse a necessidade de as adotar, enquanto que países liderados por mulheres como a Nova Zelândia ou a Alemanha obtiveram um desempenho mais frutífero e duradouro.

Uma análise feita a 122 discursos feitos durante a pandemia pelos responsáveis dos governos em todo o mundo mostraram que os líderes masculinos usavam argumentos relacionados com a guerra e analogias a táticas de combate. Já as mulheres, em contraste, concentraram-se nos argumentos relacionados com as pessoas, a família, os grupos mais vulneráveis, focando-se numa mensagem de compaixão e coesão social.

Algumas características que determinam a liderança feminina são, sobretudo, a orientação para as pessoas, a tendência para a cooperação e o trabalho de equipa, a capacidade de incluir e partilhar sucessos e, sobretudo, uma maior predisposição para a mudança, algo que os homens, tendencialmente têm alguma dificuldade.

Hoje em dia, as organizações já tendem a ser mais equitativas no género e já existem muitas mulheres a ocupar cargos de liderança em Portugal. Contudo, mulheres com este estilo de liderança mais emocional e orientado para as pessoas têm dificuldade em mostrar a seu controlo porque todos nós ainda estamos formatados com aquela imagem mental de como é que um líder se deve comportar para mostrar o seu poder – quase sempre assertivo e em controlo.

Mas o que aconteceria se o estilo de liderança inclusivo fosse a regra e não a exceção? Provavelmente o número de mulheres em cargos de liderança aumentaria e os homens que adotassem este formato e forma de comandar também tinham melhores resultados, nomeadamente no relacionamento com os colaboradores.

Homens e Mulheres à parte, é seguro dizer que a liderança em si está a mudar para uma preferência que passa muito mais pelo “take care” do que “take charge”. Ao longo da nossa história temos tido vários exemplos que impulsionam esta mentalidade, sobretudo, através do movimento #MeToo, em que foram denunciados uma série de líderes masculinos com comportamentos abusivos, fruto de uma liderança pelo medo.

Olhe-se novamente para o exemplo americano (independentemente de qualquer questão de preferência política), desta vez para a liderança de Trump, com uma abordagem totalmente ineficaz em relação aos grandes temas e a ganhar desconfiança do público. Agora faça-se o exercício de olhar para a liderança de Joe Biden, a prova viva de que os líderes masculinos podem adotar o estilo de chefia empático e relacional e conseguir cativar a população.

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Sandra Alvarez

Sandra Alvarez

Sandra Alvarez é diretora-geral da PHD Media, do Omnicom Media Group. Tem 25 anos de experiência profissional nas áreas de marketing, comunicação, comercial, publicidade e media. Passou por várias empresas dentro destas áreas, tais como a Reckitt Benckiser, o Banco Espírito Santo e a F.Lima e por várias agências de publicidade: BBDO, DDB, Leo Burnett e Euro RSCG, e agência de media Havas Media e PHD. É licenciada em Economia pelo ISEG, Mestre em Marketing pelo ISCTE e pós-graduada em... Ler Mais..

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