Opinião

O paradoxo dos recursos e da gestão: o efeito Mateus

Carlos Rocha, economista e gestor

“Pois ao que tem, mais será dado, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado” (Evangelho de S. Mateus 13:12). Recentemente fiz uma viagem de férias, passando por um total de quatro países — incluindo o país de partida e de regresso — com uma diversidade de paisagens, de recursos, de capacidades, de desafios e em diferentes estágios de desenvolvimento económico e humano.

Durante essa experiência, refleti sobre a relação entre i) os recursos (humanos e materiais) disponíveis em cada país, ii) os problemas que enfrenta e iii) os resultados obtidos na sua resolução. Observei o estado de desenvolvimento de cada um desses países, alguns dos seus problemas, das infraestruturas, dos recursos e algumas soluções adotadas. E constatei a normalidade: os países com mais recursos obtêm melhores resultados na resolução dos seus problemas, ou seja, são melhor geridos.

A qualidade da gestão é um fator crítico para a inovação, eficiência, eficácia e, por fim, para o desenvolvimento. Os recursos humanos capacitados, técnicos e financeiros são facilitadores de uma boa gestão.

Mas os líderes e gestores acabam por enfrentar um paradoxo: quem tem mais recursos tende a prosperar ainda mais, enquanto aqueles com menos recursos vêem suas dificuldades aumentarem. Esse fenómeno reflete um antigo princípio bíblico que, à primeira vista, pode parecer despropositado, mas carrega uma profunda lição de responsabilidade e visão estratégica.

O paradoxo dos recursos e da gestão

Procurei um enquadramento ou explicação teórica para essa relação entre recursos disponíveis e resultados de governação ou gestão. Isso levou-me a algumas teorias, nomeadamente:

  1. O Efeito Mateus, proposto por Robert K. Merton (1968), inspirado nos evangelhos;
  2. A Armadilha da Pobreza, desenvolvida pelo economista Ragnar Nurkse (1953) e popularizada por Jeffrey Sachs no século XXI, especialmente no contexto da África Subsaariana;
  3. A Teoria dos Jogos e da Vantagem Cumulativa, que afirma que pequenas vantagens iniciais levam a desigualdades crescentes;
  4. A Teoria da Fuga de Cérebros, que trata da perda de talentos para centros mais desenvolvidos.
  5. Teoria do Paradoxo Organizacional, de Smith & Lewis (2011), onde os autores referem-se a contradições intrínsecas à vida organizacional.

Gostaria de evidenciar o paradoxo que existe na relação entre recursos, gestão e desempenho organizacional. Segundo o dicionário, paradoxo refere-se a elementos contraditórios, mas interrelacionados que coexistem ao longo do tempo. Eles são inerentes a indivíduos, grupos, organizações — e, acrescento, também a países.

Mas onde reside o paradoxo entre recursos e qualidade da gestão? Ou, dito de outro modo: por que esse fenómeno ocorre justamente quando uma equipa de gestão eficiente seria mais crucial em contextos de escassez?

De fato, pude constatar — e os dados de instituições internacionais confirmam — que os países com mais recursos apresentam níveis mais elevados de desenvolvimento económico e social. Países ou organizações bem dotados de recursos tendem a ter os melhores gestores, enquanto os que têm menos recursos raramente contam com os melhores profissionais. Isso gera um ciclo vicioso: se a abundância de recursos atrai os melhores, a escassez os afasta, perpetuando as desigualdades socioeconómicas.

Quem tem mais recursos

Países e organizações com melhores recursos conseguem atrair os melhores gestores e colaboradores. São esses profissionais que geralmente detêm maior conhecimento dos negócios, visão de longo prazo, pensamento estratégico, capacidade de resolver problemas e exercer uma liderança eficaz. São eles que tendem a ter melhores redes de contacto, aumentando ainda mais a vantagem competitiva dessas instituições.

Além disso, essas organizações têm maiores margens para errar, ao contrário daquelas que operam com escassos recursos. Também possuem acesso facilitado a talentos, tecnologia, investimento, formação, melhores condições de trabalho e infraestrutura. Tudo isso é potencializado por uma boa gestão, o que gera um ciclo virtuoso que amplia competências, capacidade de resposta e geração de riqueza.

Por outro lado, quando não se consegue atrair os melhores quadros, aumenta-se o risco de decisões equivocadas e da deterioração das capacidades institucionais ou nacionais. Assim, concentram-se recursos e talentos em poucos centros, e perpetuam-se desigualdades. Isso leva à chamada fuga de cérebros, na qual os melhores profissionais migram para países ou organizações com mais recursos. Tal fenómeno reforça, simultaneamente, o ciclo virtuoso dos que têm muito e o ciclo vicioso dos que têm pouco.

Por exemplo, no que toca às tendências de gestão e aos avanços tecnológicos, os mais bem equipados estarão sempre em vantagem. Veja-se o caso da inteligência artificial (IA), uma ferramenta fundamental, com aplicações em quase todas as áreas da sociedade. Organizações e países com poucos recursos têm acesso limitado a essa tecnologia, enquanto os mais ricos avançam rapidamente. Isso resulta em melhores gestores, melhores tecnologias e melhores resultados — consolidando ainda mais o ciclo de desigualdade.

Rompendo o paradoxo

Quebrar esse paradoxo não é tarefa fácil e não existem soluções mágicas. No entanto, o caminho pode passar por:

  • Lideranças transformadoras, com visão de longo prazo e foco nos resultados;
  • Políticas públicas assertivas, centradas em resultados e prioridades bem definidas;
  • Reformas estruturais, que removam obstáculos ao crescimento económico e institucional;
  • Parcerias estratégicas de longo prazo, que combatam a lógica rentista e o foco exclusivo no curto prazo.

Conclusão

O princípio de Mateus — “a quem mais tem, mais será dado” — não deve ser lido apenas como uma regra de exclusão ou privilégio, mas como um convite à excelência, à fidelidade e ao uso sábio dos recursos confiados.

Na gestão, isso significa equilibrar meritocracia com inclusão, reconhecer resultados sem ignorar os contextos, e formar lideranças que não apenas inspirem, mas que verdadeiramente transformem.

As férias já terminaram. É hora de voltar ao trabalho — e à arte de fazer mais e melhor com o que temos.

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Carlos Rocha

Carlos Rocha

Carlos Rocha é economista e atualmente é vogal do Conselho de Finanças Públicas de Cabo Verde e ex-presidente do Fundo de Garantia de Depósitos de Cabo Verde. Foi administrador do Banco de Cabo Verde, onde desempenhou anteriormente diversos cargos de liderança. Entre outras funções, foi administrador executivo da CI - Agência de Promoção de Investimento. Doutorado em Economia Monetária e Estabilização macroeconómica e política monetária em Cabo Verde, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa, é mestre em... Ler Mais..

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