Opinião
O paradoxo dos recursos e da gestão: o efeito Mateus

“Pois ao que tem, mais será dado, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado” (Evangelho de S. Mateus 13:12). Recentemente fiz uma viagem de férias, passando por um total de quatro países — incluindo o país de partida e de regresso — com uma diversidade de paisagens, de recursos, de capacidades, de desafios e em diferentes estágios de desenvolvimento económico e humano.
Durante essa experiência, refleti sobre a relação entre i) os recursos (humanos e materiais) disponíveis em cada país, ii) os problemas que enfrenta e iii) os resultados obtidos na sua resolução. Observei o estado de desenvolvimento de cada um desses países, alguns dos seus problemas, das infraestruturas, dos recursos e algumas soluções adotadas. E constatei a normalidade: os países com mais recursos obtêm melhores resultados na resolução dos seus problemas, ou seja, são melhor geridos.
A qualidade da gestão é um fator crítico para a inovação, eficiência, eficácia e, por fim, para o desenvolvimento. Os recursos humanos capacitados, técnicos e financeiros são facilitadores de uma boa gestão.
Mas os líderes e gestores acabam por enfrentar um paradoxo: quem tem mais recursos tende a prosperar ainda mais, enquanto aqueles com menos recursos vêem suas dificuldades aumentarem. Esse fenómeno reflete um antigo princípio bíblico que, à primeira vista, pode parecer despropositado, mas carrega uma profunda lição de responsabilidade e visão estratégica.
O paradoxo dos recursos e da gestão
Procurei um enquadramento ou explicação teórica para essa relação entre recursos disponíveis e resultados de governação ou gestão. Isso levou-me a algumas teorias, nomeadamente:
- O Efeito Mateus, proposto por Robert K. Merton (1968), inspirado nos evangelhos;
- A Armadilha da Pobreza, desenvolvida pelo economista Ragnar Nurkse (1953) e popularizada por Jeffrey Sachs no século XXI, especialmente no contexto da África Subsaariana;
- A Teoria dos Jogos e da Vantagem Cumulativa, que afirma que pequenas vantagens iniciais levam a desigualdades crescentes;
- A Teoria da Fuga de Cérebros, que trata da perda de talentos para centros mais desenvolvidos.
- Teoria do Paradoxo Organizacional, de Smith & Lewis (2011), onde os autores referem-se a contradições intrínsecas à vida organizacional.
Gostaria de evidenciar o paradoxo que existe na relação entre recursos, gestão e desempenho organizacional. Segundo o dicionário, paradoxo refere-se a elementos contraditórios, mas interrelacionados que coexistem ao longo do tempo. Eles são inerentes a indivíduos, grupos, organizações — e, acrescento, também a países.
Mas onde reside o paradoxo entre recursos e qualidade da gestão? Ou, dito de outro modo: por que esse fenómeno ocorre justamente quando uma equipa de gestão eficiente seria mais crucial em contextos de escassez?
De fato, pude constatar — e os dados de instituições internacionais confirmam — que os países com mais recursos apresentam níveis mais elevados de desenvolvimento económico e social. Países ou organizações bem dotados de recursos tendem a ter os melhores gestores, enquanto os que têm menos recursos raramente contam com os melhores profissionais. Isso gera um ciclo vicioso: se a abundância de recursos atrai os melhores, a escassez os afasta, perpetuando as desigualdades socioeconómicas.
Quem tem mais recursos
Países e organizações com melhores recursos conseguem atrair os melhores gestores e colaboradores. São esses profissionais que geralmente detêm maior conhecimento dos negócios, visão de longo prazo, pensamento estratégico, capacidade de resolver problemas e exercer uma liderança eficaz. São eles que tendem a ter melhores redes de contacto, aumentando ainda mais a vantagem competitiva dessas instituições.
Além disso, essas organizações têm maiores margens para errar, ao contrário daquelas que operam com escassos recursos. Também possuem acesso facilitado a talentos, tecnologia, investimento, formação, melhores condições de trabalho e infraestrutura. Tudo isso é potencializado por uma boa gestão, o que gera um ciclo virtuoso que amplia competências, capacidade de resposta e geração de riqueza.
Por outro lado, quando não se consegue atrair os melhores quadros, aumenta-se o risco de decisões equivocadas e da deterioração das capacidades institucionais ou nacionais. Assim, concentram-se recursos e talentos em poucos centros, e perpetuam-se desigualdades. Isso leva à chamada fuga de cérebros, na qual os melhores profissionais migram para países ou organizações com mais recursos. Tal fenómeno reforça, simultaneamente, o ciclo virtuoso dos que têm muito e o ciclo vicioso dos que têm pouco.
Por exemplo, no que toca às tendências de gestão e aos avanços tecnológicos, os mais bem equipados estarão sempre em vantagem. Veja-se o caso da inteligência artificial (IA), uma ferramenta fundamental, com aplicações em quase todas as áreas da sociedade. Organizações e países com poucos recursos têm acesso limitado a essa tecnologia, enquanto os mais ricos avançam rapidamente. Isso resulta em melhores gestores, melhores tecnologias e melhores resultados — consolidando ainda mais o ciclo de desigualdade.
Rompendo o paradoxo
Quebrar esse paradoxo não é tarefa fácil e não existem soluções mágicas. No entanto, o caminho pode passar por:
- Lideranças transformadoras, com visão de longo prazo e foco nos resultados;
- Políticas públicas assertivas, centradas em resultados e prioridades bem definidas;
- Reformas estruturais, que removam obstáculos ao crescimento económico e institucional;
- Parcerias estratégicas de longo prazo, que combatam a lógica rentista e o foco exclusivo no curto prazo.
Conclusão
O princípio de Mateus — “a quem mais tem, mais será dado” — não deve ser lido apenas como uma regra de exclusão ou privilégio, mas como um convite à excelência, à fidelidade e ao uso sábio dos recursos confiados.
Na gestão, isso significa equilibrar meritocracia com inclusão, reconhecer resultados sem ignorar os contextos, e formar lideranças que não apenas inspirem, mas que verdadeiramente transformem.
As férias já terminaram. É hora de voltar ao trabalho — e à arte de fazer mais e melhor com o que temos.