Entrevista/ “O Open Banking tem melhorado a experiência dos jogadores, permitindo levantamentos imediatos”

O presidente da Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO), acredita que o setor “tem um potencial exportador, assim as empresas do setor também sejam estimuladas para isso. Já existem várias que estão a instalar hubs em Portugal, quer tecnológicos, quer de serviços, mas há potencial para muito mais”, assegura.
Ricardo Domingues, presidente da Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO), traça o cenário deste setor no mercado nacional, aborda as inovações tecnológicas que têm marcado a atividade e salienta que “os operadores licenciados em Portugal têm mostrado criatividade e inovação, graças aos profissionais talentosos que o setor consegue atrair”.
Em entrevista ao Link to Leaders, Ricardo Domingues estima que, globalmente, e a nível da tecnologia de produto, “são esperados diversos impactos vindos da inteligência artificial e da realidade virtual e aumentada. A inteligência artificial aliás deverá ter igualmente impacto do ponto de vista operacional”.
A par das muitas questões que envolvem a indústria do jogo online, frisou ainda que “o grande desafio vindo da digitalização é a concorrência criminosa e predatória dos operadores ilegais”.
Quanto é que a indústria dos jogos e apostas online movimenta em Portugal?
Em 2023 as receitas brutas de jogo foram 845 milhões de euros no mercado licenciado português. Foram pagos 268 milhões de euros em Imposto Especial de Jogo Online. As receitas brutas de jogo são o valor que fica do lado dos operadores após o pagamento dos prémios aos jogadores.
Quais são os principais desafios que a atividade enfrenta no mercado nacional?
O principal desafio para todos os stakeholders do jogo online licenciado em Portugal é o jogo ilegal. Um estudo anual promovido pela APAJO sobre hábitos de jogo online dos portugueses (realizado pela Aximage) revela que pelo menos 40% dos jogadores online continuam a apostar em websites ilegais. Estes operadores conseguem gerir hábil e facilmente os bloqueios de endereço web (url) ordenados pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos e usufruir de meios de pagamentos portugueses como o MBWay e multibanco, graças a empresas que os disponibilizam e, até agora, à falta de ação da banca e instituições portuguesas.
Além disso, ainda conseguem promover os seus serviços junto dos portugueses, com recurso a conteúdos patrocinados nos media portugueses, a influencers, a redes de publicidade digital, a redes sociais e motores de busca. Uma quantidade muito significativa de portugueses, muito provavelmente incluindo menores e jogadores patológicos que se encontram autoexcluídos nos operadores licenciados, continuam a jogar neste ambiente inseguro e predatório.
Qual o perfil do jogador /apostador português?
Tendo em conta que estes são produtos de entretenimento digital, cerca de 80% tem até 44 anos, sendo a faixa mais representada a dos 25 aos 34 anos. Também sem surpresa, a modalidade desportiva de apostas desportivas mais popular é o futebol, que recolhe sempre por volta, ou acima, de 70% do volume de apostas, seguido do ténis (mas a uma distância considerável) e do basquetebol. O estudo anual realizado pela Aximage mostra ainda que mais de 77% gasta até 50 euros por mês, a maioria dos quais até 25 euros.
“(…) são esperados diversos impactos vindos da inteligência artificial e da realidade virtual e aumentada”.
Quais as tendências que se preveem a nível tecnológico para a indústria dos jogos online?
Se falarmos a nível internacional, no lado do produto naturalmente são esperados diversos impactos vindos da inteligência artificial e da realidade virtual e aumentada. A inteligência artificial aliás deverá ter igualmente impacto do ponto de vista operacional, por exemplo através de ferramentas que contribuem para a precisão e velocidade da criação e ajuste das odds (em português cotas, o fator baseado em probabilidade pelo qual se multiplica a aposta para apurar o prémio) das apostas desportivas, e no jogo responsável, permitindo a deteção atempada de potenciais casos de jogo problemático com as respetivas medidas de reação. Falando de exemplos já em prática em Portugal, o Open Banking tem melhorado a experiência dos jogadores, permitindo levantamentos imediatos.
Quais as prioridades da associação atualmente? Inovação tecnológica, questões legais…?
O jogo ilegal é realmente uma grande prioridade, quer no combate aos operadores ilegais, e todos os seus fornecedores e facilitadores, quer na melhoria das condições dos operadores licenciados, nomeadamente naquilo que tem que ver com a oferta que lhes é permitida. Infelizmente, por motivos regulatórios, os operadores licenciados têm uma oferta de produto demasiado limitada que lhes dificulta a concorrência com os ilegais. Fora isso, apesar de já existir uma boa base, o setor está a olhar para o futuro do jogo responsável e como podemos melhorar continuamente as condições e proteções ao consumidor português.
O que se espera do mercado nacional em termos de inovação?
Dentro das muitas limitações a que são sujeitos, os operadores licenciados em Portugal têm mostrado criatividade e inovação, graças aos profissionais talentosos que o setor consegue atrair. Não querendo ser injusto com ninguém não vou citar casos concretos, mas as marcas de jogo online em Portugal têm inovado na sua comunicação, por exemplo, quer em conteúdos, quer em forma, quer em canal, bem como nas suas atividades promocionais. No produto, vão sendo introduzidas funcionalidades para melhorar a experiência do utilizador, desde a vertente dos pagamentos, como já referi, ao apoio ao cliente, às promoções, etc.
Como é que a APAJO olha para a concorrência das empresas que nos últimos tempos têm entrado no mercado nacional?
Sejamos claros, desde 2015 que quem explorar, promover, organizar ou consentir a exploração de jogos e apostas online aos consumidores portugueses sem uma licença emitida localmente está a incorrer num crime que pode dar pena de prisão até cinco anos. O que sentimos é que não tem havido das autoridades portuguesas, e de outros stakeholders nacionais que são intervenientes, a devida priorização e atenção a este tema.
É indispensável que, desde o legislador, a todos os outros decisores, seja claro que esta é a matéria que tem de ser priorizada no âmbito do jogo online, quer pela vertente combate, quer pela vertente de melhoria dos produtos licenciados. Como referi, muitos portugueses, muito provavelmente incluindo menores e jogadores patológicos que se encontram autoexcluídos nos operadores licenciados, continuam a jogar neste ambiente inseguro e predatório.
Qual o papel da associação na defesa e promoção do setor do jogo e apostas online em Portugal?
Olhamos sobretudo para o que pode contribuir para um mercado saudável e sustentável, que entregue ao consumidor o entretenimento que procura de forma segura e conveniente e que canalize para o mercado licenciado as receitas desta atividade, beneficiando as receitas fiscais e a remuneração dos operadores que enfrentam a concorrência criminosa e desleal dos ilegais.
Que medidas é que a Associação tem adotado no sentido de fazer com que as empresas da associação cumpram os procedimentos éticos e de defesa do consumidor?
Este é um setor altamente regulado e em que os seus operadores têm uma tendência para o cumprimento, mesmo até de recomendações que não são vinculativas. A associação tem contribuído para o aumento dos padrões, como é exemplo o Manual de Jogo Responsável que produziu há uns anos, e para as discussões sobre os caminhos para a melhoria contínua das medidas de jogo responsável.
Sendo que estamos perante um ambiente online “sem fronteiras”, qual o papel da cooperação internacional, e eventual harmonização legislativa, na transparência da atividade?
Esta é uma atividade sobre a qual a União Europeia permitiu bastante autonomia aos Estados-membros, havendo por isso vários tipos de abordagens no contexto continental. Há uma rede internacional de associações setoriais europeias de que a APAJO faz parte, e que até acolheu em Lisboa no ano passado, e os reguladores dos vários países também têm o seu próprio fórum em que partilham ideias.
Não sabemos se haverá muitas áreas de harmonização internacional sobre jogo online, mas podemos dar o exemplo do trabalho que está a ser feito no âmbito do CEN (European Committee of Standardisation), para a criação de padrões em torno dos markers of harm (podem ser entendidos como indicadores de risco) do jogo online, e no quais o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos está envolvido.
“O grande desafio vindo da digitalização é a concorrência criminosa e predatória dos operadores ilegais (…)”
Quais as oportunidades, e também desafios, que a digitalização ainda têm a oferecer a esta atividade?
Uma grande oportunidade é ter ao dispor das autoridades muitos dados sobre o setor. Além disso, o jogo online tem de longe o maior número de ferramentas de consumo responsável de qualquer vertente do jogo ou qualquer outra atividade económica análoga. As pessoas podem autoexcluir-se fácil e imediatamente, podem limitar os seus depósitos e/ou apostas, podem impor-se pausas de jogo, têm um acesso ao registo das suas transações, etc.
Do ponto de vista de produto, é conveniente, divertido, e alinhado com o consumo de media e entretenimento atuais. O grande desafio vindo da digitalização é a concorrência criminosa e predatória dos operadores ilegais, que tendo em conta a desmaterialização dos seus serviços, têm tido muita facilidade em oferecê-los em Portugal, apesar do regime legal.
Entretenimento, adição, indústria economicamente relevante… O que melhor carateriza este setor de atividade?
Claramente entretenimento. Este é um setor que tem vindo de forma natural a ganhar protagonismo face aos operadores ilegais e às formas de jogo mais tradicionais. É também um setor que tem um potencial exportador, assim as empresas do setor também sejam estimuladas para isso. Já existem várias que estão a instalar hubs em Portugal, quer tecnológicos, quer de serviços, mas há potencial para muito mais.
*Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online