Entrevista/ “O oceano é a nossa fonte de inspiração”

Maria Coelho, coordenadora executiva do B2E CoLAB*

A coordenadora executiva do B2E CoLAB considera que “é crucial incentivar a colaboração entre investigadores e empreendedores para transformar ideias em produtos viáveis”. Maria Coelho fala do papel que o Centro pode ter na economia azul e explora os ângulos e a relação entre investigação, inovação e empreendedorismo.

Quando em fevereiro deste ano assumiu o cargo de coordenadora executiva do B2E CoLAB, Maria Coelho juntou dois dos seus grandes interesses, a ciência e a gestão, sempre inspirada pela ideia de criar um impacto positivo no nosso ambiente, sociedade e economia.
Nas atuais funções, o seu papel como investigadora, que durante anos foi o seu centro profissional, ficou em segundo plano porque, agora, “como empreendedora e gestora, o desafio é garantir que as soluções que desenvolvemos têm impacto no mercado e na vida das pessoas”.

O B2E CoLAB está envolvido em diversos projetos entre quais o Pacto da Bioeconomia Azul, que reúne indústrias nacionais e prevê desenvolver novos produtos, com impacto real no ambiente, através da sua natureza responsável e sustentável, na vida dos seus consumidores, e nas exportações nacionais. Os desafios da equipa liderada por Maria Coelho são constantes, mas sempre com a certeza de que a “verdadeira inovação não questiona apenas o estado atual das coisas, resolve problemas reais e traz valor acrescentado”.

O que é que o B2E – Laboratório Colaborativo para a Bioeconomia Azul pode trazer de mais-valia para a bioeconomia azul em Portugal e também para o mundo?
O B2E CoLAB é uma organização privada sem fins lucrativos focada em colmatar o fosso existente entre a investigação e a indústria, o chamado “vale da morte” da inovação na bioeconomia azul, sobretudo ao nível da aquacultura sustentável, biotecnologia marinha e valorização dos recursos marinhos vivos.

O nosso principal objetivo é acrescentar valor à economia e sociedade. Para isso, atuamos em várias frentes: cooperação e colaboração, assessoria a produtores e empreendedores na procura e obtenção de apoio financeiro, capacitação à medida de RH, desenvolvimento de estratégias e análises de mercado, proteção e valorização do conhecimento, promoção e comunicação da bioeconomia azul, etc. Portanto, atuamos num ecossistema de diferentes stakeholders nacionais e internacionais que vão desde o Governo a universidades, centros de investigação e entidades chave de defesa dos oceanos, entre outros.

O nosso trabalho assenta no valor inegável dos nossos associados que cobrem toda a cadeia de valor e com quem trabalhamos diariamente. É com enorme sensação de dever cumprido que vemos o nosso trabalho a apoiar a criação soluções inovadoras que promovem o desenvolvimento sustentável da bioeconomia azul, beneficiando tanto Portugal, como a comunidade global.

“(…) inovação e investigação na bioeconomia azul em Portugal apresenta um potencial significativo, mas há ainda espaço para melhorias e um vasto horizonte de crescimento à nossa frente”.

E a inovação e investigação neste setor em Portugal está bem e recomenda-se ou nem por isso?
De uma forma transversal, a UE tem feito esforços no sentido de reunir mais e melhor dados/conhecimento no setor. Esforços de ID&I (investigação, desenvolvimento e inovação) têm evoluído e alavancado a formulação de políticas de sustentabilidade aplicadas aos recursos marinhos, baseadas nos melhores conselhos científicos disponíveis, tal como estipulado na Política Comum das Pescas.

O setor da inovação e investigação na bioeconomia azul em Portugal apresenta um potencial significativo, mas há ainda espaço para melhorias e um vasto horizonte de crescimento à nossa frente. Entre 2014-2017, a despesa na Economia do Mar em I&D representou apenas 3,5% do total de I&D nacional e, de acordo com o Inquérito Comunitário à Inovação – CIS 2018, apenas 11,8% das empresas do setor da Pesca e aquacultura declararam atividades de inovação entre 2016 e 2018.

Com cerca de 90% do nosso território delimitado pelo mar, dispomos de um recurso natural de enorme relevância para impulsionar o desenvolvimento económico do país. É crucial avançarmos de forma progressiva, incentivando os empresários a reconhecerem as oportunidades à sua disposição e a abrirem as portas para a entrada da inovação. Este passo fundamental será o verdadeiro impulsionador do nosso crescimento económico.

Quais os requisitos para uma relação proveitosa entre inovação e empreendedorismo no setor da bioeconomia azul?
O conhecimento científico e técnico, colaboração multidisciplinar, acesso a financiamento, existência de políticas e regulamentação favoráveis, apoio à transferência de tecnologia, foco na sustentabilidade, mentoria e rede de contatos, adoção de tecnologia e digitalização, atenção às tendências de mercado, resiliência e, por fim, capacidade de adaptação.

Uma relação proveitosa entre inovação e empreendedorismo na bioeconomia azul requer uma compreensão profunda das necessidades do mercado, bem como um conhecimento sólido das possibilidades científicas e tecnológicas. É crucial incentivar a colaboração entre investigadores e empreendedores para transformar ideias em produtos viáveis. A agilidade na adaptação às mudanças e a capacidade de tomar riscos calculados também são fundamentais. É precisamente este um dos papéis que o B2E CoLAB ocupa no setor da bioeconomia azul, o lugar de potenciador de inovação junto de diferentes stakeholders.

“Inspirado pelo Oceano, Impulsionado pelo Mercado, Alimentado pelo Conhecimento” este é o lema do CoLAB. De que forma esta máxima mobiliza o trabalho da equipa CoLAB?
Este lema reflete precisamente a nossa filosofia de trabalho e o que consideramos ser uma abordagem equilibrada. O oceano é a nossa fonte de inspiração, guiando os projetos em que nos envolvemos e serviços que prestamos. Os desafios e necessidades manifestadas pelo mercado levam-nos a criar soluções práticas que se traduzem em valor económico. É também importante referir que a nossa atividade deriva de uma equipa altamente qualificada diariamente alavancada na procura de conhecimento, garantindo que o trabalho gerado seja sustentado por dados sólidos e investigação de alta qualidade.

“Destaco a liderança num projeto de cooperação com a Noruega e Islândia (…) que visa contribuir para a criação um roadmap estratégico para a valorização de coprodutos marinhos em Portugal”.

Em três anos de atividade, quais são os projetos mais emblemáticos com a assinatura CoLAB?
Estamos a começar a deixar as nossas marcas. Destaco a liderança num projeto de cooperação com a Noruega e Islândia, financiado pelos EEAGrants, que visa contribuir para a criação um roadmap estratégico para a valorização de coprodutos marinhos em Portugal. Este projeto inovador promove a economia circular ao usar matéria-prima como cabeças e pele de peixes, gerando oportunidades de negócios inexploradas em Portugal.

Somos também parceiros no Pacto para Bioeconomia Azul, no âmbito do financiamento do PRR, gerando valor e inovação através de colaborações com universidades e centros de investigação. Este trabalho é fundamental para aproveitar plenamente as potencialidades da bioeconomia azul e alcançar resultados tangíveis que beneficiem tanto as empresas quanto a sociedade em geral.

“Por que não explorar o uso da pele de peixe na fabricação de calçado? Na Islândia, já existe uma marca de sapatilhas que utiliza o couro de peixe”.

E quais os mais desafiantes em que o B2E CoLAB está envolvido atualmente?
A área dos coprodutos é uma das mais desafiantes, exatamente por existir um manancial de possibilidades ao nível da inovação e criação de valor. Um exemplo interessante do potencial deste setor vem da Islândia, onde 100% do bacalhau é aproveitado: os filetes para consumo alimentar, tudo o resto (espinhas, pele) tem usos variados em indústrias como a neutracêutica, farmacêutica, têxtil, para além da tradicional farinha de peixe.

O desafio será trazer Portugal para a vanguarda destes processos – para isso, o B2E CoLAB está empenhado em continuar a identificar e caracterizar geradores e transformadores de coprodutos marinhos, fazer levantamento da tecnologia disponível, e sensibilizar empresários e investidores para as potencialidades desta área de negócio. Por que não explorar o uso da pele de peixe na fabricação de calçado? Na Islândia, já existe uma marca de sapatilhas que utiliza o couro de peixe!

Outro dos desafios em que o B2E CoLAB está envolvido é a criação do futuro Centro Internacional de Biotecnologia Azul, em Matosinhos. Desempenhamos um papel ativo no Comité de Acompanhamento do grupo de trabalho, tendo por responsabilidade analisar e acompanhar o progresso dos trabalhos, através da avaliação dos relatórios de progresso mensais enviados pelo coordenador, sendo presidido pelo ministro da Economia e do Mar.

“Como empreendedora e gestora, o desafio é garantir que as soluções que desenvolvemos têm impacto no mercado e na vida das pessoas”.

Quais os desafios que a Maria Coelho enfrenta enquanto investigadora, mas também como empreendedora, como alguém que tem de olhar para as necessidades do setor e encontrar soluções?
Neste momento, fruto das funções que desempenho como coordenadora executiva do B2E CoLAB, já não estou dedicada à investigação. Como empreendedora e gestora, o desafio é garantir que as soluções que desenvolvemos têm impacto no mercado e na vida das pessoas. A verdadeira inovação não questiona apenas o estado atual das coisas, resolve problemas reais e traz valor acrescentado. Esta abordagem holística para impulsionar a bioeconomia azul requer uma visão estratégica que considere não apenas os aspetos científicos, mas também as necessidades do mercado e da sociedade.

Tem sido fácil juntar a academia e o mercado (com os diferentes stakeholders), em prol da bioeconomia azul?
Por vezes, pode ser desafiante um casamento entre a academia e o mercado, sobretudo porque têm linguagens distintas, mas isto não quer dizer que não tenham complementaridade para um objetivo comum. É fundamental existir uma peça articuladora entre o binómio academia-mercado capaz de entender e falar estes dois idiomas tão particulares. Esta é uma das razões pelas quais o B2E CoLAB tem tanta relevância na bioeconomia azul – identificamos parceiros, criamos pontes, facilitando o diálogo e demonstrando os benefícios mútuos de trabalharmos juntos para o desenvolvimento azul sustentável.

“É evidente que o investimento não é tudo. Considero que uma peça fundamental desse processo é a adaptação da legislação e regulamentação para esta nova fase da economia do mar”.

Sendo Portugal um país virado para o mar, está a saber aproveitar corretamente as potencialidades que este apresenta? Nomeadamente no que concerne aos recursos marinhos naturais, biotecnologia marinha e aquacultura sustentável.
Estamos, exatamente, numa nova era da economia do mar. O Pacto da Bioeconomia Azul, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, significa um investimento no setor de 133 milhões de euros, até 2025. Por outro lado, o programa Mar 2030 contempla um pacote financeiro de 539 milhões de euros, dos quais 200 milhões são para fomentar as atividades de aquacultura e a comercialização de produtos marinhos. Portanto, penso que esta é uma demonstração do compromisso do país com o desenvolvimento da economia e da bioeconomia azul. É evidente que o investimento não é tudo. Considero que uma peça fundamental desse processo é a adaptação da legislação e regulamentação para esta nova fase da economia do mar. Uma legislação e regulamentação mais sintonizadas com as exigências do mercado, permitindo que a inovação e o desenvolvimento aconteçam de maneira mais eficaz e eficiente.

Como vê o futuro da economia do mar em Portugal e de que forma as empresas se podem posicionar para enfrentar os desafios e aproveitar oportunidades emergentes, mantendo o compromisso com a inovação, sustentabilidade e excelência?
Vejo um futuro promissor para a economia do mar em Portugal. As empresas devem adotar uma abordagem de inovação constante, investindo em tecnologias sustentáveis e colaborando com os especialistas da academia. A chave está em manter um equilíbrio entre aspetos económicos e ambientais, oferecendo soluções inovadoras que respeitem o oceano. Penso que entidades como o B2E CoLAB são, e continuarão a ser, fundamentais para potenciar abordagens inovadoras economicamente interessante e ambientalmente sustentáveis, bem como para alavancar processos de transferência de conhecimento e tecnologia

Quando descobriu o gosto pela ciência e pela investigação?
Aos oito anos recebi um kit de química de experiências “laboratoriais” para fazer em casa. Daí a misturar tudo o que tinha à mão para ver o que acontecia, com alguns incidentes pelo meio foi um segundo. Mais tarde, no 12.º ano tive uma professora de Biologia incrível e não olhei mais para trás. O mundo da ciência encantou-me e foi todo um percurso académico que decorreu de forma muito natural e que me permitiu trabalhar em vários ambientes internacionais crescendo enquanto profissional, mas também como pessoa.

Como está a encarar o desafio de ser coordenadora executiva do B2E CoLAB, que assumiu em fevereiro? O que a motiva?
A par com o interesse pela ciência, mais tarde desenvolvi um enorme interesse por gestão. O fazer acontecer, o ritmo, os desafios, fizeram-me enveredar pela consultoria de inovação e mais tarde integrar a equipa do B2E CoLAB. Encaro este desafio com entusiasmo e enorme sentido de compromisso. Motiva-me a oportunidade de liderar uma equipa altamente especializada e dedicada na procura de soluções inovadoras para a bioeconomia azul. A ideia de criar um impacto positivo no nosso ambiente, sociedade e economia é o que me inspira todos os dias.

De que forma o seu percurso profissional internacional moldou a sua visão da relação entre inovação tecnológica, academia, mercado…?
Dediquei-me cerca de 10 anos à investigação, conheci vários laboratórios em diferentes países, participando em diferentes linhas de investigação, umas mais fundamentais, outras mais próximas de soluções para o mercado. Esta fase permitiu-me conhecer a fundo o mindset de um investigador, bem como os seus principais desafios que passam muito pelo financiamento e transferência e valorização do conhecimento. Mais tarde, o trabalho em consultoria de inovação transportou-me para o contacto não só com investigadores, mas também com empresários de várias áreas – aqui, o grande desafio pode passar por convencer sobre a viabilidade económica da aposta na inovação e colaborações abertas fora de portas.

Como um todo, diria que o meu percurso internacional permitiu-me ter uma visão sobre diferentes abordagens e modelos de colaboração entre academia, inovação tecnológica e mercado. Aprendi a importância de conectar todos esses elementos de forma holística, garantindo que a inovação seja direcionada pelas necessidades reais do mercado.

“É importante incentivar as empresas a reconhecer, salvaguardar e saber monetizar as suas inovações (…)”.

O que é gostaria de fazer nesta área e que ainda não conseguiu fazer?
Gostaria de desenvolver a área de transferência de conhecimento, especialmente no que diz respeito à propriedade intelectual e patentes. Ainda não existe uma cultura sólida de valorização e proteção da propriedade intelectual em Portugal, particularmente na bioeconomia azul. É importante incentivar as empresas a reconhecer, salvaguardar e saber monetizar as suas inovações, sendo isto crucial para impulsionar a inovação e o crescimento sustentável na economia do mar. Além disso, vejo um potencial significativo para expandir os nossos serviços de consultoria, auxiliando as empresas a identificarem oportunidades de financiamento, a desenvolverem estratégias de inovação e a estabelecerem parcerias estratégicas.

Respostas rápidas:
O maior risco
: Ter abandonado o mundo da investigação, mudando radicalmente de profissão, para a área de gestão.
O maior erro:  Não ter assumido o risco mais cedo!
A maior lição: Sensatez é muito importante, mas sabermos usar o nosso instinto também o é!
A maior conquista: Diria que adorar o que faço e vir trabalhar motivada todos os dias é uma benesse a que nem todos têm acesso, é um sentimento híbrido de gratidão e de profunda concretização pessoal.

*B2E – Laboratório Colaborativo para a Bioeconomia Azul (B2E CoLAB)

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