Entrevista/ “O nosso objetivo é melhorar a saúde dos nossos amigos patudos enquanto construimos uma billion dollar company”

Guilherme Coelho, cofundador e CEO da Maven Pet

“Acredito que a internacionalização é praticamente uma inevitabilidade para start-ups que nascem num mercado pequeno como Portugal”, afirma Guilherme Coelho, CEO da Maven Pet, que, sem negligenciar o nosso país, assume que o foco principal da start-up sempre foi lançar-se no mercado norte-americano.

Depois de na semana passada ter anunciado a conclusão de uma nova ronda de financiamento de 4 milhões de euros, a jovem Maven Pet partilha agora os planos ambiciosos que têm para os próximos anos. Guilherme Coelho, cofundador (conjuntamente com David Barroso, Paulo Fonseca e Virgílio Bento (cofundador e CEO da Sword Health), desta start-up que fez da saúde animal (cães e gatos) o seu core business, mantem um foco muito claro: “desenvolver tecnologia que permita aos donos e às equipas clínicas atuar de forma precoce, proporcionando melhores cuidados de saúde para os animais”.  O objetivo, refere, é “melhorar a saúde dos nossos amigos patudos enquanto construimos uma billion dollar company”.

Três anos depois da sua fundação, a Maven Pet acaba de captar um investimento de 4,42 milhões de dólares. Como olha para este percurso que acaba de culminar nesta ronda?

Esta ronda de investimento representa um marco significativo na trajetória da Maven Pet. Nos últimos três anos, estivemos focados no desenvolvimento do produto, nas primeiras provas de conceito e em ver o comportamento da solução em ambiente real. Olhamos para trás com orgulho, pois todos os dias criamos algo inovador e de facto impactante no mercado.

No entanto, ainda temos um longo caminho a percorrer. Estamos agora numa fase crucial, em que temos de demonstrar que a nossa solução, não só tem real impacto na vida das pessoas e seus patudos, como pode escalar e, acima de tudo, que nos permite construir um negócio sólido e sustentável.

A vossa solução AI-Vet™ é um sistema de monitorização de saúde animal com recurso a IA que permite que os veterinários atuem rapidamente na saúde dos cães e gatos. Que planos têm para este produto?

A nossa visão na Maven Pet é clara: desenvolver tecnologia que permita aos donos e às equipas clínicas atuar de forma precoce, proporcionando melhores cuidados de saúde para os animais. Tudo o que se enquadre nesta visão continua a ser o foco do nosso desenvolvimento. Temos uma equipa técnica muito forte, mas reconhecemos que a falta de dados na indústria torna este desafio ainda maior.

A Maven já deu passos importantes ao trazer dados e desenvolver ferramentas que auxiliam o diagnóstico e tratamento no dia a dia dos veterinários, mas ainda há muito por fazer. Existem várias áreas, como são exemplo a Neurologia e Comportamental, onde a atuação dos veterinários é muitas vezes limitada ao relato dos donos. Acreditamos que, com a evolução da nossa solução, seremos capazes de abordar de forma mais eficaz essas áreas e facilitar o trabalho das equipas clínicas.

Anunciaram que o aumento da equipa é um dos vossos objetivos para os próximos meses. Procuram talento nacional ou internacional? Em que áreas?

Estamos à procura de talento tanto a nível nacional como internacional. Em Portugal, o nosso foco principal é reforçar a equipa no Centro de Desenvolvimento de Engenharia. No entanto, também estamos a planear contratações estratégicas nos Estados Unidos, especialmente nas áreas de desenvolvimento de negócio e marketing, para apoiar o crescimento da Maven Pet nesses mercados.

“As pessoas investem cada vez mais nos seus animais, que hoje são vistos como membros ativos da família”.

O crescimento do mercado pet tem sido exponencial nos últimos anos em áreas, como alimentação, saúde dos animais, acessórios…  Ainda há margem para crescer? Em que domínios na sua opinião?

Acredito que o maior potencial de crescimento está na qualidade dos serviços de saúde prestados aos animais. As pessoas investem cada vez mais nos seus animais, que hoje são vistos como membros ativos da família. No entanto, a forma como cuidamos dos nossos animais não mudou significativamente ao longo das gerações. Eu costumo dizer que a forma como eu trato dos meus animais é igual à dos meus pais e a dos meus avós. Especialmente no que diz respeito aos cuidados fora da clínica.

É precisamente nesta área que vejo uma grande oportunidade de crescimento: ampliar a atuação dos veterinários para além das paredes da clínica. E é nisso que a Maven já está a trabalhar, permitindo uma monitorização mais ativa e constante.

De que forma o desenvolvimento tecnológico tem contribuído para a evolução deste setor de atividade?

Há uma grande escassez de veterinários em todo o mundo, não só nos Estados Unidos, mas também na Europa e em muitos outros países desenvolvidos. Apesar de querermos que a atuação de um veterinário não se limite aos breves 10 ou 15 minutos por ano em que vê um animal, a única forma de expandir essa atuação de forma escalável e acessível é através da tecnologia.

A Maven já consegue reduzir essa lacuna entre a intervenção veterinária e a vida diária de um animal de estimação. A tecnologia permite-nos fechar o ciclo de cuidados, proporcionando um acompanhamento contínuo da saúde dos animais e permitindo que os veterinários atuem de forma preventiva, o que é crucial, dado que os animais não falam. Acreditamos que, com as ferramentas tecnológicas já disponíveis, podemos dar esse salto e melhorar substancialmente os cuidados de saúde veterinários.

“(…) embora não tenhamos formação veterinária, somos a equipa ideal para criar essas ferramentas”.

Porquê empreender neste setor de atividade e não noutro? O que motivou/inspirou a equipa fundadora da Maven? Qual a área de formação dos fundadores? Alguma ligação à veterinária?

Nenhum de nós, fundadores da Maven, é veterinário (somos todos engenheiros), mas o que nos une é a paixão por desenvolver ferramentas tecnológicas que tenham um impacto direto na vida das pessoas. Somos também apaixonados por animais, e no meu caso particular, a experiência de só atuar quando já era demasiado tarde, em momentos críticos para a saúde dos nossos animais, levou-nos a perceber a oportunidade que existia no mercado.

Sentimos que, embora não tenhamos formação veterinária, somos a equipa ideal para criar essas ferramentas. Desde o início, procurámos falar com veterinários e entender ao máximo o setor, e hoje, a Maven conta com veterinários na equipa, que trabalham em diferentes áreas da empresa, o que nos permite continuar a evoluir com um conhecimento especializado.

Sendo a Mavem Pet uma start-up de ADN 100% português, optou por se instalar nos EUA. A internacionalização é uma inevitabilidade quando se nasce num mercado tão pequeno como Portugal?

Sim, acredito que a internacionalização é praticamente uma inevitabilidade para start-ups que nascem num mercado pequeno como Portugal. Isso, aliás, é algo que nos favorece, porque desde o início tivemos a ambição de olhar para fora, conscientes de que Portugal, por si só, é limitado em termos de dimensão de mercado. Nos Estados Unidos, vemos um mercado onde as pessoas gastam mais dinheiro com os seus animais e onde a “pet humanization” é mais evidente.

Desde o primeiro dia, o nosso objetivo foi lançar a nossa solução nesse mercado, sem, no entanto, negligenciar Portugal, onde a solução está também disponível. Em Portugal sempre quisemos manter uma proximidade com os parceiros, hospitais veterinários e empresas da indústria local para garantir um feedback direto e ativo enquanto desenvolvemos o nosso produto. Mas o foco principal sempre foi lançar no mercado norte-americano.

“(…) não considero que o ato de “lançar” uma start-up seja particularmente difícil. Existem cada vez mais ferramentas que facilitam a criação de empresas (..)”

Quais foram as principais “dores de crescimento” de lançar uma start-up nos EUA? Maiores ou menores do que se fosse em Portugal?

Hoje em dia, não considero que o ato de “lançar” uma start-up seja particularmente difícil. Existem cada vez mais ferramentas que facilitam a criação de empresas e o desenvolvimento de um MVP, permitindo que rapidamente se teste uma solução no mercado. Acho que é nesse momento de validação de conceito que os desafios começam. Os EUA são um mercado enorme o que pode tornar mais difícil esse feedback loop que é extremamente necessário numa fase inicial do desenvolvimento do produto.

Nesse aspecto aproveitamos a proximidade a Portugal para manter essa proximidade com os nossos parceiros e clientes. Foi em Portugal que fizemos o primeiro estudo clínico de uso da nossa solução. Naturalmente, e ainda que muito se tenha feito nesse sentido, também acaba por ser mais fácil ter acesso a capital early stage nos EUA. Nós sempre mantivemos uma abordagem mista, recorrendo a VCs tanto de Portugal e Europa quanto dos EUA.

E quais são os planos futuros para o mercado português, onde já possuem um escritório?

Temos uma equipa a trabalhar por todo o país, com escritórios localizados no centro do Porto. A nossa solução hoje já está disponível no mercado de Portugal também. Lançámos a solução este mês, com cerca de dez parceiros distribuídos pelo país. A partir daí, iremos avaliar as necessidades e o feedback do mercado, mas o nosso objetivo inicial é mostrar que Portugal também é um mercado relevante, com consumidores que se preocupam verdadeiramente com a saúde dos seus animais.

A vossa estratégia de crescimento contempla novas geografias? 
Embora o nosso foco principal esteja ativamente nos Estados Unidos, começámos a observar, de forma orgânica, algum interesse em outros mercados de língua inglesa, como o Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.

Embora não existam barreiras geográficas para a nossa solução, há uma barreira linguística que precisamos de considerar. Por isso, acreditamos que, durante os próximos meses, o foco continuará nos Estados Unidos, que é um mercado suficientemente grande para exigir a atenção total da nossa equipa. Para já, além dos Estados Unidos e Portugal, e desses países que têm demonstrado interesse, não temos planos imediatos de expansão para outras geografias.

(…) a proximidade da Sword é uma grande mais-valia para a Maven, para que consigamos, mais rápido, chegar àquilo que é o nosso objetivo (..), enquanto construimos uma billion dollar company.

Virgílio Bento, cofundador e CEO da Sword Health, é também um dos cofundadores da Maven. Qual a mais-valia que o seu percurso e experiência traz ao projeto? Ajudar a preparar mais um unicórnio?

Sem dúvida que a proximidade, não só ao Virgílio, mas a vários membros da equipa da Sword é uma mais-valia. Contar com o Virgílio como cofundador também ajuda a amplificar o nosso network não só em Portugal como nos EUA. Há também muitos insights e learnings que se poderão aplicar, aprendidos na medicina humana, à medicina animal.

E, portanto, em tudo, a proximidade da Sword é uma grande mais-valia para a Maven, para que consigamos, mais rápido, chegar àquilo que é o nosso objetivo, melhorar a saúde dos nossos amigos patudos enquanto construimos uma billion dollar company.

Quais os objetivos a partir de agora? Como e onde gostaria de ver a Maven em 2025?
O objetivo para 2025 é escalar o negócio de forma sustentada, aprendendo o que funciona na aquisição de consumidores e nas parcerias com as clínicas. Pretendemos construir uma equipa sólida que, com base nessas aprendizagens, nos permita preparar para uma fase de alto crescimento.
O foco em 2025 será testar rapidamente diferentes estratégias, identificar o que não funciona, e solidificar uma equipa forte o suficiente para suportar o crescimento que ambicionamos para o futuro.

Respostas rápidas:
Maior risco: O timing não ser o certo para a nossa solução.
Maior erro: Partir do pressuposto que algo não é possível.
Maior lição: Quão importante são as primeiras 20 pessoas numa equipa.
Maior conquista: Sempre que a nossa solução permite uma atuação rápida dos veterinários e consequente melhoria do animal.

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