Opinião

O nó górdio dos fundos europeus

Pedro Cilínio, partner da Craftgest Consulting

Por volta de 333 a.c. na Frígia (atual Turquia), existia um nó impossível de desatar que unia uma carroça a uma coluna do Templo de Zeus, nó esse efetuado por um antigo rei plebeu de nome Górdio para assinalar as suas origens humildes.

Um oráculo havia profetizado que quem o desatasse tornar-se-ia o governante de toda a Ásia, pelo que Alexandre o Grande ao ser colocado perante este teste, ao invés de o tentar desatar, cortou-o com a sua espada. Assim, “cortar o nó górdio” passou a simbolizar uma solução simples, inovadora e eficaz para um problema difícil.

Alexandre coupe le noeud gordian – Jean-Simon Berthélemy (1743–1811)

A gestão pouco eficaz dos fundos europeus dirigidos às empresas assemelha-se cada vez mais a um nó górdio que ninguém consegue desatar. Os níveis elevadíssimos de overbooking, de devoluções e de anulações são os sintomas das ineficiências do sistema de gestão e controlo atual.

A resposta tem sido aumentar as verificações administrativas, requerendo cada vez mais e mais informação aos beneficiários, o que contradiz a expetativa de aprovações rápidas e acertadas e de pagamentos céleres e fiáveis.

No entanto, num quadro de dificuldade de mobilização de recursos, a exigência de mais requisitos traduz-se inexoravelmente em avaliações mais complexas e tempos de apreciação incertos. A utilização de sistemas de informação tem vindo a mitigar algumas debilidades, mas terá produzido já grande parte dos ganhos de eficiência relevantes que poderiam trazer à gestão dos fundos.

Como desatar este nó górdio? Estaremos fadados ao incumprimento reiterado das expectativas das empresas face aos fundos europeus?

Acredito que o equilíbrio entre a necessidade de garantir a correta utilização dos fundos e a redução da burocracia e simplificação no acesso aos apoios passa por um modelo de gestão que identifique, avalie e mitigue riscos de forma precisa e eficiente.

A aplicação da gestão de risco à gestão dos fundos europeus, permitiria adaptar o nível de exigência ao perfil de risco de cada projeto, investimento ou beneficiário empresa. Esta é uma estratégia crucial para melhorar a eficácia dos sistemas de gestão, ao mesmo tempo que poderia aliviar o peso da burocracia para a esmagadora maioria das empresas com perfis de risco baixo.

Beneficiários com um histórico positivo na execução de projetos poderiam ter verificações menos intensivas, enquanto aqueles com um histórico mais incerto ou problemático devem ser monitorizados de forma mais rigorosa.

Esta abordagem deverá ser acompanhada pelo aumento dos níveis de delegação de competências, que permitam decisões mais célebres e rápidas por parte dos organismos e equipas que estão no terreno. Por exemplo, pequenas prorrogações ou ajustes aos investimentos sem risco, não deveriam carecer de autorizações de níveis superiores, ao contrário do que se tem vindo a generalizar.

A gestão de risco possibilita ainda uma melhor alocação de recursos públicos. Ao identificar os principais pontos de vulnerabilidade, torna-se possível intervir preventivamente, reduzindo o desperdício e o uso indevido de fundos, promovendo uma maior eficácia na execução dos projetos face os objetivos.

A aplicação da gestão de risco aos fundos europeus pode ser potenciada pela aplicação das tecnologias digitais explorando a interoperabilidade e a IA.

Deveria ser criada uma presunção legal com a formalização de uma candidatura, que permita o acesso a todos os dados relevantes existentes na Administração Pública, permitindo aprofundar a interoperabilidade dos vários sistemas existentes. Uma maior interoperabilidade permite o acesso aos dados existentes da Administração Pública, evitando requisitos duplicados e potenciando a deteção de fraude.

Por seu lado, a IA pode ser utilizada para identificar padrões de risco que poderiam passar despercebidos aos sistemas de controlo tradicionais. Algoritmos podem ser treinados para avaliar o histórico dos beneficiários e prever risco de incumprimento, identificando projetos com necessidades específicas de acompanhamento.

A IA pode também ajudar a automatizar partes significativas do processo de avaliação e verificação, reduzindo o esforço administrativo, podendo apoiar a verificação da conformidade com requisitos ou a identificação de lacunas técnicas ou financeiras, permitindo que os recursos humanos se concentrem nas questões mais relevantes da avaliação.

Assim, o foco da intervenção humana na gestão dos fundos europeus deveria cada vez mais deixar de ser a conformidade administrativa das propostas tendo por base modelos adequados de gestão de risco, a interoperabilidade e a inteligência dos sistemas de informação, permitindo libertar recursos para a escolha dos melhores projetos e criando condições favoráveis para que esses projetos cheguem a bom porto, contribuindo assim de forma decisiva para o bem-estar social e económico.

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Pedro Cilínio

Pedro Cilínio

Atualmente partner da Craftgest Consulting, depois de, entre dezembro de 2022 e novembro de 2023, ter passado pelo cargo de secretário de Estado da Economia. Possui mais de 25 anos de experiência na conceção, implementação e gestão de sistemas de incentivos para o I&D, inovação, Qualificação de PME e internacionalização, consolidada em várias funções de coordenação e direção no IAPMEI e na AICEP (ex-ICEP) onde promoveu vários projetos de transformação digital ligados à gestão de sistemas de incentivos, tendo sido... Ler Mais..

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