Entrevista/ “O No-Code vai ser uma das ferramentas mais poderosas para promover a inclusão feminina no mercado de trabalho”
“Acreditamos que cada mulher que volta ao mercado de trabalho representa uma mudança real”, assegura João Machado, presidente da Fundação Ageas, secundado por Carolina Pita Negrão, diretora da Fundação MEO, que sublinha que “com ferramentas No-Code e Inteligência Artificial, qualquer mulher pode criar um site, uma app ou uma automação, mesmo sem formação técnica”.
O Descodifica-te é um programa de capacitação que possibilita que mulheres em fase de transição de carreira, mães e cuidadoras que sonham com um futuro melhor, comecem uma carreira transformadora na economia digital. Resulta da da colaboração entre o NoCode Institute, a Fundação MEO e a Fundação Ageas com o objetivo de acelerar a capacitação digital de mulheres em transição de carreira. 67% das participantes que passaram pelo programa encontraram novas oportunidades em apenas dois meses.
A 4.ª edição do Descodifica-te já está em andamento e falamos com João Machado, presidente da Fundação Ageas, e Carolina Pita Negrão, diretora da Fundação MEO, para traçar o perfil desta iniciativa que ambiciona mais do que números, conseguir “diversidade, inclusão e impacto real na vida de cada mulher que escolhe transformar o seu percurso”.
Pode explicar-nos como surgiu a ideia de criar o programa ‘Descodifica-te’ e qual foi o papel da Fundação Ageas no seu desenvolvimento?
João Machado (J.M.): O Descodifica-te nasceu de uma inquietação muito concreta: sabemos que existem muitas mulheres em Portugal com talento, vontade de aprender e de mudar de vida — mas sem acesso às ferramentas certas. Os números falam por si: 42% das mulheres desempregadas estão nessa situação há mais de um ano, e apenas 19% dos especialistas em tecnologia na Europa são mulheres. Além disso, muitas não trabalham porque são cuidadoras ou estão em empregos precários.
Na Fundação Ageas acreditamos que capacitar é incluir. Por isso, juntámo-nos ao NoCode Institute, à Fundação MEO e à Portugal Inovação Social para criar uma resposta prática, acessível e transformadora. O nosso papel foi garantir que o programa tivesse impacto real — com uma abordagem pedagógica inclusiva, flexível e orientada para resultados.
O que torna este programa diferente de outras iniciativas de requalificação digital para mulheres em Portugal?
Carolina Pita Negrão (C.P.N.): O que torna o Descodifica-te diferente é que foi pensado para mulheres reais, com vidas reais — muitas vezes cheias de responsabilidades, dúvidas e pouco tempo. Não é preciso saber programar, nem ter experiência na área. Basta querer aprender e dar um novo rumo à carreira.
A formação é prática, com ferramentas No-Code e Inteligência Artificial, e divide-se em duas fases: a de desenvolvimento de competências, e a de projeto cliente, em que as participantes poderão ter a sua primeira experiência de desenvolvimento de produto com um cliente real. E, mais do que aprender, as participantes entram numa comunidade onde há mentoria, apoio e partilha. Isso faz toda a diferença, porque ninguém transforma a sua vida sozinha.
“(…) cada mulher que volta ao mercado de trabalho representa uma mudança real (…)”.
Nas edições anteriores, cerca de 67% das participantes conseguiram novas oportunidades profissionais até dois meses após o fim do programa. Qual é a importância destes resultados para a Fundação Ageas?
(J.M.): Para nós, estes resultados são muito mais do que números. Saber que 67% das participantes conseguiram novas oportunidades profissionais em apenas dois meses mostra que o Descodifica-te está a cumprir o seu propósito: capacitar mulheres para que possam redesenhar o seu futuro.
Acreditamos que cada mulher que volta ao mercado de trabalho representa uma mudança real — não só na sua vida, mas também no combate ao desemprego feminino e à desigualdade de género, especialmente num setor como o tecnológico, onde apenas 19% dos especialistas são mulheres.
Pode partilhar algum caso de sucesso que o tenha marcado particularmente?
(J.M.): Sim, felizmente temos muitos exemplos inspiradores, e é isso que nos dá força para continuar. No entanto, ressalvo dois. A Telma, uma mulher com uma história comum a muitas outras: tinha deixado o trabalho precário e pouco desafiante para as suas competências como operações de call center para procurar encontrar-se. No Descodifica-te, não só aprendeu a usar ferramentas digitais, como ganhou autoconfiança, criou os seus primeiros projetos, obteve certificação, e tornou-se community manager, num trabalho 100% remoto e onde a valorizam.
A Paula era arquiteta, estava desempregada depois de vários trabalhos precários e sem perspetivas. Após o programa, reinventou-se como consultora de transformação digital para pequenas empresas, usando No-Code para criar soluções práticas e adaptadas. Hoje trabalha como freelancer — e com mais liberdade do que alguma vez teve para cuidar da sua família.
O que mais me impressiona é que nenhuma delas gostava de tecnologia e nem sabiam o que era a programação No-Code. Elas só precisavam de acesso, apoio e um espaço seguro para recomeçar.
“O Descodifica-te (…) dá às mulheres ferramentas digitais que são procuradas no mercado, sem exigir que saibam programar”.
Como é que o programa contribui para combater o desemprego feminino e a desigualdade de género na área tecnológica em Portugal?
(C.P.N.): O Descodifica-te combate o desemprego feminino e a desigualdade de género na tecnologia de forma muito prática: dá às mulheres ferramentas digitais que são procuradas no mercado, sem exigir que saibam programar.
Mas não é só sobre competências — é também sobre confiança, rede de apoio e acesso. Muitas das participantes vêm de contextos onde o trabalho é precário ou inexistente, e onde o papel de cuidadora limita as oportunidades. Ao criar um espaço inclusivo e flexível, o programa ajuda a quebrar barreiras sociais e culturais. E isso tem impacto direto: mais mulheres em tecnologia, mais diversidade nas equipas e mais autonomia financeira.
Que tipo de histórias e percursos têm chegado ao Descodifica-te? Que desafios ou barreiras enfrentam no mercado de trabalho?
(J.M.): O Descodifica-te tem recebido mulheres com percursos muito diversos — desde mães cuidadoras que procuram flexibilidade, a profissionais em part-time, emigrantes em requalificação, ou até mulheres que estiveram fora do mercado de trabalho durante anos. O que todas têm em comum é a vontade de mudar.
Estas barreiras não são só técnicas — são sociais, culturais e até emocionais. O programa procura responder a isso com uma abordagem prática, flexível e humana, que dá às participantes não só competências digitais, mas também confiança e rede de apoio.
“(…) qualquer mulher pode criar um site, uma app ou uma automação, mesmo sem formação técnica.
O programa é 100% digital e ensina ferramentas No-Code e de inteligência artificial. Qual é a importância desta abordagem prática sem necessidade de programação?
(C.P.N.): A grande vantagem do Descodifica-te é que não exige que as participantes saibam programar. Com ferramentas No-Code e Inteligência Artificial, qualquer mulher pode criar um site, uma app ou uma automação, mesmo sem formação técnica.
Isso torna a aprendizagem mais rápida, mais acessível e, acima de tudo, mais útil. Em vez de passarem meses a aprender linguagens de programação, as participantes começam logo a construir soluções reais. E isso abre portas para funções no setor tecnológico que antes pareciam inalcançáveis.
Como garante o programa que as participantes realmente consigam aplicar estas competências no mercado de trabalho?
(J.M.): O Descodifica-te não é só sobre aprender. É sobre aplicar. Cada participante desenvolve um projeto digital real para um cliente real, que pode incluir um site, uma app ou uma automação, e que fica como parte do seu portefólio. Além disso, há mentoria personalizada, sessões de networking e ligações a empresas que valorizam impacto social e diversidade. Isso ajuda a transformar competências em oportunidades concretas. É uma formação que termina com algo tangível e com mais confiança para entrar no mercado de trabalho
O programa é dinamizado pelo No-Code Institute, com apoio da Fundação Ageas e Fundação Altice, e cofinanciado pela Portugal Inovação Social. Como têm funcionado estas parcerias e que papel têm na sustentabilidade do projeto?
(J.M.): O Descodifica-te só é possível graças a uma parceria sólida entre várias entidades que acreditam no poder da capacitação digital para transformar vidas. O NoCode Institute lidera o desenho pedagógico e a implementação do programa. A Fundação Ageas e a Fundação MEO apoiam não só financeiramente, mas também na definição estratégica e na comunicação, garantindo que o programa chega às mulheres que mais precisam. O cofinanciamento da Portugal Inovação Social é essencial para garantir que esta formação continua a ser gratuita e acessível.
Estas parcerias funcionam como um ecossistema, cada entidade traz competências diferentes, mas todas partilham o mesmo propósito: criar impacto social real e duradouro.
Há planos para expandir o programa ou replicá-lo noutras regiões ou áreas de conhecimento?
(J.M.): Neste momento, o Descodifica-te já tem alcance nacional — recebemos candidaturas de todo o país, das grandes cidades ao interior. Mas o nosso foco é continuar a expandir em profundidade, com mais edições, mais vagas e mais apoio, especialmente para chegar a mulheres em contextos de maior vulnerabilidade ou isolamento digital.
Também estamos a evoluir na profundidade das competências treinadas. Esta edição já traz um reforço na capacitação em Inteligência Artificial, que será uma prioridade nos próximos ciclos.
O que nos entusiasma muito para o futuro são extensões do programa mais profissionalizantes, desenhadas para mulheres que após finalizarem querem encontrar emprego na economia digital ou trabalhar como freelancers/prestadoras de serviços digitais — com verdadeira autonomia e liberdade digital.
Para esta 4.ª edição, quais são os objetivos em termos de impacto e número de participantes?
(J.M.): Queremos ir mais longe — não só manter os níveis de empregabilidade que já conseguimos (com 67% das participantes a encontrarem novas oportunidades em apenas dois meses), mas também chegar a mais mulheres, em mais regiões do país.
O objetivo é envolver 275 participantes, com reforço nas zonas onde o acesso à formação digital ainda é limitado, como o Norte, Centro, Alentejo e Algarve. Mais do que números, queremos diversidade, inclusão e impacto real na vida de cada mulher que escolhe transformar o seu percurso.
Que mensagem gostaria de deixar às mulheres que estão a pensar candidatar-se ao ‘Descodifica-te’?
(C.P.N.): Diria para não esperarem pelo ‘momento certo’. Às vezes, o momento certo é aquele em que decidimos dar o primeiro passo. Este programa foi criado para todas as mulheres com vontade de arriscar numa área com empregabilidade elevada. Não importa a idade, o percurso ou a experiência. Aqui, cada uma poderá encontrar ferramentas práticas, apoio real e uma comunidade que acredita no potencial de cada participante. Se sentirem que está na hora de fazer diferente, esta é a oportunidade certa. E o que podemos garantir é que não estarão sozinhas.
“(…) o No-Code vai ser uma das ferramentas mais poderosas para promover a inclusão feminina no mercado de trabalho”.
Como vê o papel da digitalização e do No-Code na inclusão feminina no mercado de trabalho nos próximos anos?
(C.P.N.): A digitalização está a mudar tudo, desde a forma como trabalhamos até às oportunidades a que temos acesso. O No-Code veio acelerar essa mudança, tornando possível criar soluções digitais sem saber programar. Para muitas mulheres, isso significa ultrapassar barreiras que antes pareciam intransponíveis: falta de formação técnica, tempo limitado, ou até o medo de não pertencer ao mundo da tecnologia.
Nos próximos anos, acreditamos que o No-Code vai ser uma das ferramentas mais poderosas para promover a inclusão feminina no mercado de trabalho. Porque democratiza o acesso à inovação, valoriza a criatividade e permite que mais mulheres (e homens também!) sejam criadoras — e não apenas utilizadoras — de tecnologia.








