Entrevista/ “O mercado interno e a Europa são essenciais na retoma da atividade turística”
“Os dados mais recentemente disponibilizados indicam quebras superiores a 80%, em média, nas encomendas/clientes, sendo o Alojamento e a Restauração as atividades que apresentam maiores impactes decorrentes da pandemia”, refere Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, em entrevista ao Link To Leaders.
O turismo é um dos motores da economia nacional. Foi dos setores que mais ajudou Portugal a ultrapassar a crise da dívida soberana que assolou o País há quase dez anos. Mas a crise que hoje o turismo, Portugal, a Europa e o resto do mundo Ocidental atravessam é distinta da anterior.
A crise não está limitada a determinados pontos do globo, pelo contrário. Afeta quase todos os países, o que significa que os principais mercados emissores de turistas para Portugal, a Europa, encontram-se também eles em dificuldades.
Falámos com Luís Araújo para perceber o que está a ser feito para ajudar a recuperar o setor que representa valores na ordem dos 15% do PIB e quais serão as linhas de atuação do Turismo de Portugal para os próximos meses.
Com o turismo nacional em “stand by”, devido às contingências impostas pela pandemia, como é que este setor, fundamental na economia nacional, se pode reinventar?
O turismo é um setor resiliente e dinâmico que sabe adaptar-se, ajustar-se e dar resposta às alterações do mercado. Acredito que, daqui para a frente, a grande aposta vai ser na coesão e numa ainda maior coordenação de esforços públicos e privados e, claro, na aposta na tecnologia. Vivemos na era da transformação digital em que o turismo, como um dos setores transversais da economia, tem sido testemunha e protagonista. Segmentar, apostar no Business Intelligence, planear e reagir em tempo útil são estratégias fundamentais.
O mercado interno e a Europa são essenciais na retoma da atividade turística, assim como a aposta em produtos integrados com diferentes regiões, como as redes colaborativas – de que são exemplo a Estrada Nacional 2, as Aldeias Histórias de Portugal, entre outras -, o Enoturismo, o Turismo Militar, o Turismo Industrial. Estamos também a analisar os vários mercados, através das equipas do Turismo de Portugal no estrangeiro e a disponibilizar toda a informação na plataforma TravelBI. Portugal é, há três anos consecutivos, o Melhor Destino Turístico do Mundo e não tenho dúvidas de que temos os melhores recursos para juntos ultrapassarmos esta fase.
Em março lançaram uma linha de apoio à tesouraria das microempresas com uma dotação de 60 milhões de euros. Passados dois meses, quantas microempresas o Turismo de Portugal já apoiou?
Em dois meses, a Linha de Apoio à Tesouraria para Microempresas do Turismo, que conta com uma dotação de 60 milhões de euros, já recebeu 5.850 candidaturas com um valor de incentivo de 47,50 milhões de euros. Foram aprovados apoios a 4.730 empresas, representando 37,20 milhões de euros. Foram já efetivamente pagos 30,60 milhões de euros a um total de 3.883 microempresas, representando, no seu todo, a manutenção de 16.530 postos de trabalho.
As microempresas que solicitaram este apoio do Turismo de Portugal são de áreas tão diversas como Restauração e Bebidas, Alojamento Local, Agências de Viagens, Empreendimentos Turísticos, Animação Turística, Organização de Eventos e Rent-a-Car. O apoio financeiro é calculado tendo em conta o número de trabalhadores existente na empresa em fevereiro de 2020, multiplicado por 750 euros por cada trabalhador e pelo período de três meses, até ao montante máximo de 20 mil euros por empresa. Este apoio não vence juros, tem um período de carência de 12 meses e pode ser reembolsado no prazo de 3 anos.
“A Linha de Apoio à Tesouraria para Microempresas do Turismo já apoiou, até à presente data (19 de maio), um total de 4.730 empresas com incentivos concedidos no montante de 30,6 milhões de euros”.
No total dos vossos programas criados para este período quais as verbas já aplicadas?
A Linha de Apoio à Tesouraria para Microempresas do Turismo já apoiou, até à presente data (19 de maio), um total de 4.730 empresas com incentivos concedidos no montante de 30,6 milhões de euros. No passado dia 15 de maio entraram em vigor as linhas de apoio ADAPTAR Microempresas, e ADAPTAR PME, com uma dotação de 50 milhões de euros, respetivamente, e sobre as quais, por terem sido recentemente abertas, ainda não existe informação disponível sobre as mesmas.
Mas uma série de outras medidas se impuseram como forma de apoiar os empresários e profissionais do setor a atravessar esta fase mais turbulenta: As Escolas do Turismo de Portugal rapidamente implementaram um conjunto de medidas extraordinárias, garantindo aos alunos o ensino online para não prejudicar a sua formação. Além disso, todos os alunos podem beneficiar da suspensão da aplicação das propinas previstas para os cursos e ações de formação inicial e contínua, bem como do reembolso dos custos adicionais com acesso à internet enquanto se mantiver a tipologia de formação à distância.
Continuamos a apostar na capacitação do setor através de sessões de formação online, como as do programa BEST – Business Education for Smart Tourism, com 20 ações por semana dedicadas aos mais variados temas e que têm visto permanentemente a sua capacidade esgotada. Iniciámos o Programa de Formação Executiva Certificada Online, destinado a apoiar as empresas na identificação de medidas concretas em cada área de negócio. Estas ações implementadas pelas escolas conseguiram, em 8 semanas, formar cerca de 18.700 pessoas!
Além disso, e de forma a contribuir para o conhecimento dos empresários e empreendedores do turismo, o Turismo de Portugal tem estado presente numa série de webinars organizados pelo NEST – Centro de Inovação do Turismo, partilhando as suas análises acerca dos impactes da pandemia no setor e desafios que se apresentam. Desta parceria nasceram as Tourism Trade Talks – webinars semanais em que os coordenadores das Equipas de Turismo presentes nos mercados estratégicos para Portugal apresentam o cenário atual em cada mercado e quais as tendências que poderão ajudar para a retoma das operações.
É também relevante referir que, com o intuito de aliviar as empresas da pressão financeira decorrente do cumprimento das obrigações perante o Turismo de Portugal no âmbito dos planos de reembolso dos financiamentos concedidos nos diversos regimes de apoio financiados por receitas próprias deste Instituto, aplicámos uma moratória de 12 meses nas datas de vencimento das prestações de reembolso previstas nos planos de pagamento. Ficaram assim suspensas a cobrança dos reembolsos de capital e juros vencidos no corrente ano e a vencer até 30 de setembro de 2020. Até ao presente e para todos os regimes de apoio geridos pelo Turismo de Portugal, incluindo os do QREN e do Portugal 2020, foram abrangidas 1.823 empresas, representando o diferimento, por um ano, do reembolso de 35,7 milhões de euros.
Qual tem sido o programa de apoio mais procurado? Porquê?
A Linha de Apoio à Tesouraria para Microempresas do Turismo tem tido uma enorme adesão. Paralelamente, não temos qualquer dúvida de que as linhas de apoio, no âmbito do Programa ADAPTAR, vão ter, de igual modo, uma procura intensa, não só por envolverem apoios de natureza não reembolsável, mas por serem linhas que visam apoiar as empresas no processo de adaptação dos seus estabelecimentos, métodos de organização do trabalho e de relacionamento com clientes e fornecedores às novas condições de distanciamento físico no contexto da pandemia de Covid-19.
Mas gostaria também de evidenciar o número expressivo de pessoas que o Turismo de Portugal já formou, através dos vários Programas de Capacitação Empresarial online que construiu e/ou adaptou nas últimas 8 semanas e que são já mais de 18.700.
No conjunto de áreas de atividade que integram o turismo qual tem sido na sua opinião a mais especialmente afetada pela crise? Restauração, alojamento, transportes, feiras/eventos….
O INE e o Banco de Portugal estão a realizar um Inquérito Rápido e Excecional às Empresas (COVID-IREE), que tem como objetivo identificar os efeitos da pandemia na atividade. Esta informação permitirá reconhecer tendências e perspetivar linhas a seguir para minorar os impactes económicos, nomeadamente, sobre as próprias empresas. Os dados mais recentemente disponibilizados indicam quebras superiores a 80%, em média, nas encomendas/clientes, sendo o Alojamento e a Restauração as atividades que apresentam maiores impactes decorrentes da pandemia.
Este verão, devido às circunstâncias especiais que se vivem, teremos certamente praias controladas, espaços públicos com restrições… Como vai o país voltar a atrair turistas e recuperar economicamente o setor?
Todas as medidas de apoio que o Turismo de Portugal tem estado a implementar têm como objetivo último a retoma. A recuperação da atividade turística é também trabalhada através da manutenção de Portugal no topo da lista de destinos preferidos para turistas de todo o mundo. Apesar deste contratempo, continuamos a ser um exemplo mundial a nível de oferta turística, proporcionando experiências únicas àqueles que nos visitam.
Mantemos a nossa comunicação nos vários mercados, por agora de forma totalmente orgânica, com uma campanha especial #CantSkipHope que não é mais do que uma mensagem de esperança nesta que é uma altura de parar, recentrar e unir esforços para que o setor possa seguir em frente.
Mais recentemente, lançámos também a Campanha #ReadPortugal que convida os portugueses e o público internacional a inspirarem-se nos livros para viajarem pelo nosso país. A percorrer cidades, aldeias, mares, rios e montanhas, através das histórias e das palavras dos escritores e dos poetas.
“Temos um turismo reconhecido pela sua qualidade a todos os níveis, desde as infraestruturas, às acessibilidades, recursos humanos e diferenciação da oferta”.
Quais os atrativos que enquanto país podemos ou devemos usar para conseguir recuperar a confiança dos turistas, nacionais e internacionais?
Temos um turismo reconhecido pela sua qualidade a todos os níveis, desde as infraestruturas, às acessibilidades, recursos humanos e diferenciação da oferta. E queremos continuar a ser percecionados dessa forma. É por isso que o Turismo de Portugal criou o selo Clean & Safe, para distinguir as atividades turísticas que asseguram o cumprimento de requisitos de higiene e limpeza para prevenção e controlo da Covid-19 e de outras eventuais infeções, reforçando, assim, a confiança do turista no destino.
O selo Clean & Safe pode ser obtido online, nas plataformas digitais do Turismo de Portugal: RNET (Registo Nacional dos Empreendimentos Turísticos), RNAAT (Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística) e RNAVT (Registo Nacional dos Agentes de Viagens e Turismo); e está sempre associado ao número de registo da entidade.
O sucesso desta iniciativa levou a que muitas outras áreas de atividade, direta ou indiretamente relacionadas com o Turismo, tenham vindo a manifestar o seu interesse e a concretizar a sua adesão. Os casos do Alojamento Local, dos Estabelecimentos de Restauração e Bebidas, das Áreas de Apoio a Autocaravanas e das empresas de rent-a-car, são já uma realidade.
O reconhecimento é válido até 31 de abril de 2021, é gratuito, opcional e exige a implementação nas empresas de um protocolo interno que, de acordo com as recomendações da Direção-Geral da Saúde, assegura a higienização necessária para evitar riscos de contágio e garante os procedimentos seguros para o funcionamento das atividades turísticas.
Com esta iniciativa pretendemos, não apenas transmitir às empresas informação sobre as medidas mínimas necessárias de higiene e limpeza dos estabelecimentos, como promover Portugal como destino seguro do ponto de vista de cuidados com a propagação do coronavírus, com uma atuação coordenada por parte de todas as empresas do setor. Até ao momento, mais de 4 mil empresas já aderiram ao selo Clean & Safe.
“Nos últimos dois anos, apoiámos mais de 600 start-ups, convidámos 70 start-ups portuguesas para integrarem o stand do Turismo de Portugal em feiras internacionais, desenvolvemos mais de 30 programas de aceleração por todo o país, tudo num investimento superior a três milhões de euros”
De que forma a inovação das start-ups nacionais pode ser uma peça fulcral para o período de reinvenção empresarial do turismo que se adivinha nos próximos meses?
O Centro de Atendimento especializado para empresários, que o Turismo de Portugal implementou logo no início da pandemia, já deu resposta a mais de 5 mil contactos. Desenvolvemos também um serviço de consultoria online para empresários que, desde meados de março, já respondeu a mais de 3.500 pedidos de informação.
A transformação digital é uma realidade que veio desburocratizar processos e simplificar a relação do Turismo de Portugal com as empresas e os empresários. É essencial ao crescimento do setor e o Turismo de Portugal é um dos seus principais impulsionadores. Nos últimos dois anos, apoiámos mais de 600 start-ups, convidámos 70 start-ups portuguesas para integrarem o stand do Turismo de Portugal em feiras internacionais, desenvolvemos mais de 30 programas de aceleração por todo o país, tudo num investimento superior a três milhões de euros. Somos considerados pela OCDE como um case study de ligação do setor ao ecossistema de start-ups.
O Turismo de Portugal posiciona-se, também, como hub de informação para o setor, centralizando a informação de entidades como o INE, OMT, Banco de Portugal, OCDE, entre outros, e disponibilizando-a a empresas, associações, centros de investigação, universidades. Monitorizamos indicadores de sustentabilidade do turismo – reconhecido como boa prática por OMT, ETC e OCDE -, apostamos na exploração de novas fontes de dados para monitorização de fluxos nas cidades, disponibilizamos fontes de dados atualizados, como informações de mercado, dados de rotas aéreas e estatísticas fundamentais.
Temos vindo, nos últimos anos, a promover a instalação de acesso WiFi nos centros históricos e zonas de afluência turística nos vários municípios portugueses, num total de 193 projetos financiados até ao momento e 6,8 milhões de euros de investimento.
Desenvolvemos ferramentas de Business Intelligence, como o TravelBI, uma plataforma digital com dados atualizados sobre atividade turística, mercados emissores para Portugal e tendências de mercado e disponibilização de open data para developers. Outro exemplo é o SIGTUR, Sistema de Informação Geográfica do Turismo, que permite conhecer a distribuição da oferta turística no território nacional, nomeadamente, empreendimentos turísticos, estabelecimentos de alojamento local, campos de golfe (existentes e previstos), marinas e portos de recreio (existentes e previstos), principais spots de surf, entre outros.
O NEST – Centro de Inovação do Turismo, projeto âncora do Turismo 4.0 – uma iniciativa conjunta do Ministério da Economia, da Secretaria de Estado do Turismo e do Turismo de Portugal -, tem sido um grande impulsionador do ecossistema das start-ups em Portugal. O objetivo é promover a inovação na cadeia de valor do turismo, apoiando o desenvolvimento de novas ideias de negócio, a experimentação de projetos e a capacitação das empresas no domínio da inovação e da economia digital.
Que iniciativas foram desenvolvidas a pensar nas start-ups?
Tendo em conta as características particulares das start-ups portuguesas e a sua importância enquanto motor de inovação e criação de emprego, foram desenvolvidas sete iniciativas com impacto imediato na sobrevivência do ecossistema de empreendedorismo português, para que as start-ups possam superar a situação económica decorrente da pandemia causada pelo Coronavírus e começar a planear e reorganizar a sua atividade e produtos para o cenário pós-pandémico.
A digitalização do setor é um dos objetivos inscritos na Estratégia Turismo 2027 para afirmar o turismo como hub para o desenvolvimento económico, social e ambiental em todo o território, e posicionar Portugal como um dos destinos turísticos mais competitivos e sustentáveis do mundo. E este objetivo não se alterou.
Incentivar os portugueses a fazerem férias cá dentro pode ser uma solução para dinamizar o setor? De que forma?
Estando atualmente em curso o processo gradual de alteração às medidas de contenção e isolamento, mantendo-se, contudo, o distanciamento social, a expetativa é que o turismo interno possa ser efetivamente um apoio concreto na recuperação económica. E é também nessa perspetiva que o Turismo de Portugal está a acompanhar a evolução das medidas e a oportunidade de iniciativas que estimulem que os cidadãos portugueses aproveitem o Melhor Destino Turístico do Mundo.
“Neste momento, é indispensável manter Portugal como o primeiro destino a visitar assim que o turismo internacional demonstrar sinais de reerguer-se (…)”.
Quais devem ser na sua opinião, os pilares da estratégia nacional para recuperar um dos setores que nos últimos anos foi primordial para as contas do país?
O Turismo de Portugal tem focado a sua atenção na resposta às necessidades das empresas e seus colaboradores, turistas e cidadãos, com o desenvolvimento de diversas soluções e apoios ao setor do turismo. A nossa estrutura demonstrou uma flexibilidade e capacidade de adaptação notável para responder rapidamente a essas necessidades.
Neste momento, é indispensável manter Portugal como o primeiro destino a visitar assim que o turismo internacional demonstrar sinais de reerguer-se e, sobretudo, continuar a acompanhar o tecido empresarial do turismo nacional, dando a melhor resposta possível às suas preocupações e necessidades.
Graças a medidas claras e objetivas, bem como uma estratégia concertada de saúde pública, de apoio às empresas e também pelo estrito cumprimento, por parte dos cidadãos, das instruções emitidas pelas entidades governamentais, Portugal está a conseguir posicionar-se como exemplo a nível internacional no controle e condução da situação de pandemia. Se a isso adicionarmos a estratégia de posicionamento do Turismo de Portugal, com uma comunicação tática e fatual, mas também emocional, o destino Portugal terá certamente a capacidade de recuperar e, sobretudo, reagir de forma mais relevante e no tempo mais pertinente.
No final de 2020, qual estima que seja o peso do turismo no PIB nacional? Que valores gostava de ver?Mais do que apontar um valor, gostaria de ver novamente o turismo como um dos principais pilares do desenvolvimento económico do país. E tenho a certeza, como já atrás referi, que todos juntos vamos conseguir.