Entrevista/ “O maior desafio que enfrentamos é a escassez de terrenos e projetos para reabilitação”
À frente da Porta da Frente Christie’s, João Cília tem acompanhado de perto a transformação do mercado imobiliário de gama alta em Portugal. No dia em que a empresa organiza o Portugal Premium Realty Forum, o CEO fala sobre as tendências que estão a redefinir o setor, o impacto das políticas públicas e o papel da tecnologia e da inteligência artificial na mediação imobiliária.
À medida que o mercado imobiliário de gama alta continua a afirmar-se como um dos pilares da atratividade internacional de Portugal, a Porta da Frente Christie’s dá um passo à frente com a organização do Portugal Premium Realty Forum, o primeiro evento nacional dedicado em exclusivo a este segmento, que terá lugar hoje no Centro Cultural de Belém.
Com a participação de mais de 300 profissionais do setor e a apresentação de 18 novos empreendimentos de luxo, o fórum, que conta ainda com nove workshops e mesas de debate, pretende ser um espaço de partilha de conhecimento e de análise aprofundada das tendências que definem o presente e o futuro do imobiliário premium.
Em entrevista ao Link To Leaders, João Cília, CEO da Porta da Frente Christie’s, explica porque este evento marca um ponto de viragem na forma como se olha para o segmento de luxo em Portugal, fala ainda sobre o crescimento sustentado do mercado, o impacto das novas medidas do Orçamento de Estado e o papel da tecnologia e da inteligência artificial na transformação da mediação imobiliária.
O que torna o Portugal Realty Premium Forum um momento importante para o mercado e para a Porta da Frente Christie’s?
O Portugal Realty Premium Forum é o único evento do mercado imobiliário de gama alta em Portugal. Pela primeira vez, vamos analisar este segmento de mercado, tendo por base um estudo muito aprofundado efetuado pela Universidade Nova de Lisboa e a presença das pessoas que melhor conhecem este mercado em Portugal, seja do lado da promoção ou mediação imobiliária. O mercado de gama alta tem crescido substancialmente em Portugal nos últimos 4 anos. Neste evento vamos discutir quais os fatores que têm levado a este crescimento, como se espera que evolua nos próximos anos e que desafios o mercado coloca a mediadores e promotores imobiliários.
Será um dia único, composto por nove workshops, mesas de debate e apresentações que endereçam diferentes temáticas relacionadas com a promoção e mediação neste mercado. Vão também estar expostos 18 novos empreendimentos de gama alta em Portugal que estão a ser atualmente desenvolvidos e em comercialização. A lotação está esgotada, com mais de 300 participantes inscritas, na sua maioria agentes imobiliários focados neste segmento de mercado.
Que expectativas têm para esta edição do Fórum, tanto para os participantes como para o setor?
Para os participantes será um momento único para aprenderem mais sobre o mercado onde operam, com alguns dos maiores nomes deste mercado. Vão poder entender melhor as dinâmicas atuais do mercado e o que esperar a futuro, e discutir com alguns especialistas como ter mais sucesso em diferentes temáticas como captação e qualificação de clientes, utilização de tecnologia, desenvolvimento de parcerias.
“O mercado imobiliário em 2025 tem mantido um ciclo de crescimento, tanto pelo aumento de transações como pelo aumento do preço médio do mercado”
Quais são, na sua opinião, os principais fatores que estão a impulsionar a valorização do segmento de imobiliário de gama alta em Portugal?
O mercado imobiliário em 2025 tem mantido um ciclo de crescimento, tanto pelo aumento de transações como pelo aumento do preço médio do mercado.
Na Porta da Frente Christie’s, dividimos o mercado de gama alta em 3 segmentos que podem ter comportamentos diferentes. O Segmento afluente é o segmento de mercado com preços entre 4,5 – 7 k€/m2. Estamos a falar de novos empreendimentos em zonas mais limítrofes de Lisboa (Miraflores, Alta de Lisboa, Loures, margem sul) ou em alguns bairros de Lisboa menos valorizados. Este segmento tem tido um crescimento significativo, muito potenciado pela procura crescente de clientes portugueses, que viram na recente descida das taxas de juro uma oportunidade para vender os seus imóveis e procura nova construção a preços ou apartamento com áreas maiores em zonas mais limítrofes.
O Segmento Premium geralmente entre 7 e 11 k€/m2, que é o intervalo de preços para apartamentos de nova construção ou remodelados em Lisboa. Este já é um segmento mais dependente da procura de clientes internacionais, apesar de ter ainda um peso significativo de clientes nacionais. O fim do RNH em 2024 teve um impacto neste segmento, que cresce a um ritmo mais moderado que o afluente.
E o segmento de luxo a partir de 11-12 k€/m2. Estamos a falar das zonas e imóveis mais caros na zona de Lisboa, Cascais, Comporta e Algarve. Este mercado é muito dependente de clientes internacionais e o crescimento é muito impulsionado pela oferta existente. Estamos a falar de uma oferta muito limitada e um mercado muito específico e com pouco impacto nos outros dois segmentos.
“(…) destaca-se uma procura consistentemente superior à oferta, resultado do baixo nível de construção em Portugal nos últimos 10 a 15 anos (…)”.
Como avalia a evolução do mercado desde a apresentação do estudo Realty Premium Market no início do ano?
As tendências apontadas pelo estudo Realty Premium Market acentuaram-se ainda mais em 2025. Na verdade, os fatores identificados pelo estudo como responsáveis pelo aumento de preços mantiveram-se ao longo do ano. Entre eles, destaca-se uma procura consistentemente superior à oferta, resultado do baixo nível de construção em Portugal nos últimos 10 a 15 anos — em 2008, por exemplo, foram construídos mais de 120 mil novos fogos, enquanto em 2024 esse número rondou apenas os 20 mil. Acresce o impacto de fatores económicos favoráveis, como o aumento dos rendimentos disponíveis das famílias e a potencial descida das taxas de juro, que têm impulsionado a procura.
Paralelamente, os custos de construção continuam a subir, em especial devido ao aumento do custo da mão de obra provocado pela subida do salário mínimo nacional, tornando a produção de novos imóveis mais cara e perpetuando os preços elevados. Por fim, a procura mantém-se concentrada nas áreas urbanas e turísticas, com cidades como Lisboa, Faro e Porto a continuarem sob pressão devido à sua atratividade tanto para residentes como para investidores. A este respeito, um estudo recente aponta Lisboa como a 10.ª cidade europeia mais atrativa para investimentos imobiliários em 2025, destacando-se pela estabilidade política e pelo estilo de vida premium associado ao país.
Como vê os efeitos das recentes medidas do Orçamento de Estado sobre o setor do imobiliário de luxo?
IVA reduzido a 6% faz todo o sentido. Uma redução do IVA irá materializar-se numa descida dos preços. Não faz sentido um bem essencial como a habitação ser taxado a 23%. Contudo, não se entende como o Estado irá conseguir diferenciar o IVA para imóveis abaixo ou acima dos 648 k€. Primeiro, porque na fase de construção, na maioria dos casos, o preço não está definido e depois, a maioria dos novos empreendimentos tem imóveis abaixo e acima de 648k€, sendo difícil alocar custos a diferentes frações.
Será muito difícil ao Estado controlar a contabilidade analítica dos promotoresRendas moderadas e benefícios fiscais: Incentivos positivos ao arrendamento, reduzindo a carga fiscal e incentivando assim os proprietários ao arrendamento “legal” e não “paralelo”. Resta saber se manter-se-ão os incentivos aos arrendamentos de longa-duração, que considero muito positivos para os inquilinos3. Aumento IMT para estrangeiros: Medida totalmente populista. Numa altura em que o INE publicou a descida da compra de habitação por estrangeiros não residentes na UE para apenas 2,3% das transações no mercado, o Governo decide aumentar o IMT para estes 2,3% de compradores. É discriminatório, injusto e socialmente atacável, pois nem discrimina entre estrangeiros com elevado e baixo poder de compra. Medida totalmente para agradar às massas, sem qualquer impacto e que prejudica a economia nacional.
Licenciamento mais ágil. Não existe qualquer detalhe de como isto será feito. Teremos de esperar para ver. Esta medida será a mais fundamental para resolver o problema a médio prazo. Facilitar aprovações de loteamento e projetos, reduzir brutalmente o tempo de resposta a pedidos de informação e aprovação por parte dos municípios será a única forma de passarmos de 35 mil novos fogos construídos em 2024 para os 126 mil que tínhamos em 2007.
“A dificuldade em encontrar e aprovar novos projetos tem limitado substancialmente a oferta e dificultado a viabilidade económica de novos projetos”.
Que oportunidades e desafios estas medidas criam para promotores e mediadores?
A nível de oportunidades, o crescimento de mercado permite aos promotores e mediadores aumentarem as suas receitas e com isso investir mais na criação de equipas mais qualificadas e na vertente tecnológica, ficando assim mais preparados para o futuro.
Contudo, o maior desafio que enfrentamos é a escassez de terrenos e projetos para reabilitação, o que dificulta o aparecimento de novos projetos imobiliários. A dificuldade em encontrar e aprovar novos projetos tem limitado substancialmente a oferta e dificultado a viabilidade económica de novos projetos.
De que forma a inteligência artificial está a transformar a mediação imobiliária de luxo, nomeadamente na criação de leads e na tomada de decisão dos compradores? Pode dar exemplos práticos do uso de tecnologia, como a assistente virtual da Porta da Frente Christie’s, no dia a dia da mediação?
O impacto da IA na mediação é já transversal. Desde aplicações mais simples, como a possibilidade de criação de todos os textos e conteúdos dos imóveis angariados ser feita por ferramentas de AI. Hoje em dia na Porta da Frente, todos os consultores imobiliários, quando angariam um imóvel, colocam as suas características no sistema da empresa e automaticamente é gerada uma descrição do imóvel e da zona circundante, muito focada para os pontos comerciais críticos e já otimizada para motores de busca online.
Temos também aplicações mais complexas como o uso de agentes virtuais para melhor atendimento e qualificação de leads comerciais. Estes agentes estão ligados a toda a base de dados da empresa, conseguem ter um conhecimento de todos os imóveis que dificilmente algum consultor será e estão disponíveis 24h por dia.
“Os melhores consultores imobiliários atualmente são capazes de utilizar a tecnologia de uma forma que lhes permite ser mais eficazes e eficientes na condução dos negócios”.
Os workshops do Fórum visam equipar os profissionais com ferramentas de criação de leads digitais e gestão de clientes. Quais são, na sua opinião, as competências mais críticas para os mediadores hoje e no futuro?
O papel de um mediador no mercado premium vai muito além de ser apenas um intermediário entre comprador e vendedor. O mediador atua como um consultor de confiança, oferecendo um serviço personalizado e exclusivo, compreendendo as necessidades individuais de cada cliente e recomendando propriedades que respondam a essas exigências. Além disso, o mediador tem um conhecimento profundo do mercado e das tendências, permitindo-lhe oferecer informações valiosas para facilitar a decisão de compra.
Cada vez mais, procura-se um mediador que apoie os seus clientes em vertentes que vão muito para além da aquisição ou venda de um imóvel. Especialmente clientes estrangeiros procuram conselhos e apoio nas diversas vertentes da sua mudança para Portugal, seja a própria realocação, serviços relacionados com a sua casa, networking local, …
Historicamente, a mediação imobiliária era muito assente na capacidade do consultor imobiliário criar relações de confiança com os seus clientes. Esse continua a ser um skill fundamental, contudo, é cada vez mais feito de uma forma diferente, mais focada no conteúdo e menos na relação. Os melhores consultores imobiliários atualmente são capazes de utilizar a tecnologia de uma forma que lhes permite ser mais eficazes e eficientes na condução dos negócios. Consegue utilizar o CRM como base do seu trabalho, gerindo contatos, leads, oportunidades e imóveis e garantindo um acompanhamento próximo e eficaz de muitos clientes e parceiros.
Que tendências globais estão a moldar o mercado de luxo em Portugal e como se prepara a Porta da Frente Christie’s para responder a estas mudanças?
Existem várias tendências no mercado de imóveis de luxo, algumas mais recentes, outras que se têm mantido ao longo do tempo. Destaca-se a procura por imóveis históricos, que conservem a traça original do edifício e algumas das suas características arquitetónicas, geralmente situados nos centros históricos das grandes cidades, com localizações privilegiadas e muitas vezes vistas desafogadas, permitindo usufruir da vida tradicional do bairro. Observa-se também o crescimento de novos condomínios de média dimensão, com 15 a 20 apartamentos, que oferecem amenities exclusivas, muito para além do habitual ginásio ou piscina, proporcionando comodidade extra e um estilo de vida luxuoso. Na nova construção, a sustentabilidade dos edifícios torna-se cada vez mais valorizada, especialmente por clientes europeus, sendo analisada a vários níveis, como eficiência energética, materiais utilizados e modelo de construção.
A procura estende-se ainda a zonas na natureza, com amplos espaços que permitem um estilo de vida tranquilo e familiar, geralmente localizadas fora das grandes cidades, mas com fácil acesso e proximidade. Por fim, cresce a procura por condomínios turísticos explorados por marcas hoteleiras, que permitem ao cliente usufruir de um apartamento moderno e luxuoso, beneficiando de todos os serviços de um hotel — um modelo particularmente valorizado por clientes estrangeiros que desejam viver parte do ano em Portugal e rentabilizar o imóvel nos períodos em que não se encontram no país, como é o caso do Hilton Cascais ou do NAMA Carcavelos.
Qual é a visão da empresa para o futuro do setor imobiliário de gama alta nos próximos cinco anos?
A nível da dinâmica do mercado e evolução da procura, oferta e preço, não estimamos que haja alterações substanciais face à dinâmica dos últimos anos. Os fatores que têm potenciado este crescimento mantêm-se e não se vislumbram medidas que os alterem significativamente nos próximos anos. Ao nível da mediação é que acredito que irá haver alterações mais significativas. O mercado está cada vez mais concorrencial e como tal acredito que dois modelos de mediação irão sair reforçados. As grandes mediadoras, com maior capacidade de investimento, irão conseguir alavancar em tecnologia para desenvolver vantagens competitivas na angariação de leads e no serviço prestado aos clientes.
Os mediadores a nível individual, com uma relação muito próxima com um número reduzido de 30-40 clientes, mas que sejam capazes de um acompanhamento muito próximo e pessoal destes clientes, gerando relações de confiança. Estes mediadores em muitas situações irão recorrer às grandes empresas para parcerias e angariação de imóveis.
A profissionalização das maiores mediadoras assente em tecnologia e formação das suas equipas será fundamental nos próximos anos. E poderá levar à consolidação de algumas empresas no mercado.







