Entrevista/ “O investimento privado deveria ser o principal impulsionador da inovação em Portugal”
Os pedidos de patentes com origem em Portugal têm aumentado nos últimos 20 anos e as invenções estão cada vez mais internacionalizadas, mas o país está ainda muito aquém de outros congéneres europeus, revelou Tiago Reis Nobre, mananging partner da Inventa International, em entrevista ao Link To Leaders.
O número de pedidos de patentes em Portugal tem vindo a crescer de forma expressiva. Em 2000 foram desencadeados 193 processos para acautelar a propriedade industrial, quando em 2018 os pedidos de patentes ascenderam a 1643.
Em entrevista ao Link To Leaders, o mananging partner da Inventa International fala das conclusões do Barómetro Inventa – Patentes made in Portugal 2020 e dos desafios que se colocam à propriedade Intelectual, nomeadamente na proteção e internacionalização de marcas.
Segundo o responsável “é importante perceber que o investimento na proteção da propriedade intelectual (PI) é o investimento mais importante para qualquer negócio e que não deve ser encarado como um custo. Este investimento não só dá garantias de exclusividade sobre um certo direito de PI, o que valoriza o património, bem como permite aos seus proprietários a possibilidade de licenciamento ou venda do mesmo a outra entidade”.
Fundada nos anos 70, a Inventa International tem escritórios em Portugal, Angola, Nigéria e Moçambique, estando diretamente representada em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor.
O relatório do Instituto Nacional de Propriedade Industrial dá conta de um crescimento no pedido de patentes para invenções no último ano. No entanto, os pedidos de marca sofreram um decréscimo. O que pode estar na base deste decréscimo?
Em 2019, os pedidos de marca sofreram um decréscimo de 5.7%. Porém, na base desta alteração está uma redução de 33.2% nos pedidos de logotipos, uma modalidade de registo que tem caído cada vez mais em desuso, e que pode ser funcional e juridicamente substituída por uma marca. É importante também assinalar que os números de classes incluídas nos pedidos de marca aumentaram 4.7% e as concessões de marcas aumentaram 14.8%.
Analisando os números, aparentemente houve um menor investimento no pedido de marcas, contudo, este decréscimo pode estar relacionado com uma maior eficiência em termos de estratégia de Propriedade Intelectual por parte dos portugueses, visto que com menos pedidos foram alcançados mais registos de marca que no ano 2018.
“A principal mudança tem sido uma racionalização dos pedidos, para aquilo que as empresas precisam, racionalização essa que deriva tanto da estratégia das empresas como das próprias alterações legislativas, que são mais exigentes ao nível do uso, como, por exemplo, a exigência de uso sério das marcas”.
Os pedidos de logotipos é uma modalidade de registo que tem caído em desuso. O que mais tem mudado nos últimos cinco anos ao nível da propriedade intelectual?
A principal mudança tem sido uma racionalização dos pedidos para aquilo que as empresas precisam, racionalização essa que deriva tanto da estratégia das empresas como das próprias alterações legislativas, que são mais exigentes ao nível do uso, como, por exemplo, a exigência de uso sério das marcas. Por outro lado, tem havido uma diversificação de pedidos com o avanço de marcas não tradicionais, como marcas 3D, marcas, de som, etc, fazendo parte da estratégia de marketing das empresas para atrair a atenção do público.
A Universidade do Minho é a entidade portuguesa com mais pedidos de patentes, segundo o “Barómetro Inventa – Patentes Made in Portugal 2020”. Considera que a academia/instituições de ensino continuam a ser um dos motores de inovação do nosso país nesta área?
As instituições de ensino continuam a ser o maior motor de inovação nacional, o que, na minha perspetiva, é um claro indicador de que existe ainda uma tímida aposta em I&D no país. O investimento privado deveria ser o principal impulsionador da inovação em Portugal e isso não se verifica, salvo raras exceções. Analisando os dados, conseguimos concluir que existe claramente muito potencial de inovação por parte das nossas instituições de ensino, mas não existe qualquer investimento público ou privado para comercializar ou explorar estas invenções. O governo e as entidades privadas deveriam olhar para este tema como fazem nos países mais desenvolvidos. Seria o melhor caminho para Portugal apostar em produtos e serviços de valor acrescentado, já que dificilmente vamos conseguir competir em preço ou quantidade.
Os empreendedores portugueses estão cada vez mais familiarizados com o conceito de propriedade intelectual? O que é preciso fazer para desmistificar ideias pré-concebidas?
O conhecimento dos portugueses sobre Propriedade Intelectual (PI) é na sua generalidade muito superficial. É uma matéria bastante complexa, pouco ou nada abordada no ensino superior e em constante atualização, sendo algo difícil de acompanhar para quem não trabalha no setor. Em particular, no que diz respeito à matéria de patentes, os portugueses não usam o potencial que o sistema oferece. Por exemplo, uma patente válida nos Estados Unidos, se não estiver válida em Portugal, pode ser livremente utilizada por um concorrente em Portugal.
É importante perceber que o investimento na proteção da PI, é o investimento mais importante para qualquer negócio e que não deve ser encarado como um custo. Este investimento não só dá garantias de exclusividade sobre um certo direito de PI, o que valoriza o património, bem como permite aos seus proprietários a possibilidade de licenciamento ou venda do mesmo a outra entidade.
“Felizmente, ao longo dos últimos anos, temos criado parcerias com incubadoras, projetos de empreendedorismo e associações, através das quais realizamos seminários, workshops e mentoria one-to-one”.
Quais têm sido as iniciativas da Inventa para promover os mecanismos de propriedade intelectual junto das start-ups?
A Inventa International aposta fortemente em diversas parcerias que dinamizam a indústria criativa e a PI. Felizmente, ao longo dos últimos anos, temos criado parcerias com incubadoras, projetos de empreendedorismo e associações, através das quais realizamos seminários, workshops e mentoria one-to-one.
A título de exemplo, somos parceiros do Montepio Acredita Portugal desde 2017, realizando ações de consultoria na área da PI (cobrindo as áreas de patentes, modelos de utilidade, design, marcas, domínios e direitos de autor), analisando a qualidade e viabilidade futura dos projetos apresentados no concurso anual. Em setembro deste ano, celebrámos um protocolo de cooperação com o LACS, um cluster criativo que reúne profissionais independentes, start-ups e empresas. No âmbito desta parceria, as empresas e empreendedores integrados no LACS terão acesso a consultoria gratuita dedicada à definição das melhores estratégias para proteger os seus projetos de negócio e inovações. Também este ano, o ENTER, promovido pela Altice Labs, foi outra parceria realizada.
Através do ENTER, um programa de inovação aberta com o objetivo de dinamizar o talento tecnológico nacional, lançámos duas abordagens distintas: um consultório especializado presencial para identificar os ativos de PI a proteger e, por outro lado, eventos temáticos sobre os mecanismos necessários para proteger uma inovação. Esta política faz parte do contributo que queremos ter para a divulgação da PI em Portugal.
Adicionalmente, e em todas as parcerias, oferecemos condições especiais na contratação de serviços à Inventa International e consultoria gratuita a start-ups e empreendedores.
Há algum tipo de medidas que possam ser tomadas para estimular esta área?
Sim, por exemplo, existir uma maior divulgação e estímulo em programas de ajuda pública à inovação, uma maior consciencialização dos setores principais do tecido empresarial português em relação ao valor acrescentado da PI e refletir sobre a importância de abordar o tema no ensino público. Portugal é constituído, maioritariamente, por PME e são estas que devem ser auxiliadas na proteção dos seus bens intangíveis.
A propriedade intelectual em tempos de Covid-19… considera que está ser um problema ou uma oportunidade?
Como em qualquer crise existem sempre oportunidades. A Inventa International tem um leque muito vasto de clientes em todas as áreas de negócio distribuídos por inúmeros países. Notámos, de facto, um abrandamento generalizado no que diz respeito a investimentos avultados na internacionalização de ativos de PI. Contudo, a procura para a proteção de invenções tem-se mantido bastante sólida, com ligeiro crescimento.
“Já Portugal ocupa a 31.ª posição mundial, uma posição muito modesta para um país que teve em tempos uma influência enorme a nível mundial, com a quarta língua mais falada globalmente”.
Como vê o tema da propriedade intelectual na Europa?
A realidade da PI nos Estados da União Europeia é muito multifacetada. Em geral, a legislação é das mais avançadas do mundo, contudo, o problema está no índice de inovação que é muito díspar. Segundo o Global Innovation Index 2020, no top 25 do ranking constam 16 países europeus, o que demonstra uma boa prestação, mas que também seria expectável. Já Portugal ocupa a 31.ª posição mundial, uma posição muito modesta para um país que teve em tempos uma influência enorme a nível mundial, com a quarta língua mais falada globalmente.
Portugal deveria estar a disputar os lugares cimeiros com países de dimensão semelhantes como a Suécia, Suíça e Holanda que se encontram no top 5 deste mesmo ranking. No que diz respeito aos pedidos de marcas e patentes no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), cresceram cerca de 3% e 4%, respetivamente, entre 2018 e 2019.
O que é preciso fazer para melhorar o sistema de propriedade intelectual em Portugal e na Europa?
Assim como existe o sistema europeu para registo de marcas europeias, era muito importante reforçar o mercado comum europeu, aprovando a patente europeia com efeito unitário em que estas seriam validadas automaticamente em todos os Estados-membros. Atualmente a validação de patentes na Europa é muito dispendiosa, pois é necessário validar individualmente a patente em cada país com a respetiva tradução, o que torna a Europa menos atrativa e competitiva, comparando com outras potências como os Estados Unidos da América ou a China. No campo das marcas existem várias melhorias a implementar relativamente aos critérios de coexistência entre marcas da União Europeia e as marcas nacionais dos Estados-membros.
“A legislação desatualizada, os tempos de registo extremamente demorados e a falta de aplicabilidade da lei são alguns dos fatores que geram desconfiança nos investidores internacionais e que fazem prosperar a falsificação de produtos”.
Como caracteriza a realidade africana nesta área? Quais os grandes desafios que o continente enfrenta?
África ainda tem um longo caminho a percorrer. Na maioria dos países a PI é prejudicada pela falta de recursos quer a nível financeiro, quer tecnológico e profissionais qualificados. A legislação desatualizada, os tempos de registo extremamente demorados e a falta de aplicabilidade da lei são alguns dos fatores que geram desconfiança nos investidores internacionais e que fazem prosperar a falsificação de produtos. Os maiores desafios prendem-se na pouca vontade política em olhar para o sistema de PI como um motor da economia, aliado à falta de recursos financeiros, a escassez de formação, tanto ao nível dos institutos como das entidades responsáveis pela aplicação da lei e a criação de tribunais especializados em matérias de PI.
Quais são as grandes apostas da Inventa International até ao final do ano?
Até ao final do ano procuramos melhorar os nossos procedimentos internos e ganhar uma maior eficiência no nosso trabalho para podermos prestar um serviço de maior qualidade no menor tempo possível, nomeadamente no desenvolvimento de ferramentas informáticas que automatizam muitas tarefas que desempenhamos diariamente. Continuamos a apostar nos profissionais mais qualificados para se juntarem à nossa fantástica equipa, pois acreditamos que a qualidade vence sempre, mesmo durante uma crise.
Quais as grandes lições que retira da pandemia?
Foi um teste importante para a nossa empresa. Sentimos que todo o trabalho que desempenhamos nos últimos anos, tanto a nível tecnológico como em termos de internacionalização, provou ser um investimento sólido que garante uma grande estabilidade para a empresa. Mesmo em tempos difíceis como vivemos agora, a Inventa International continua a crescer.
Projetos para o futuro?
A Inventa International pretende solidificar a sua posição nos mercados em que atua, os nossos valores e a nossa missão estão bastante claros para toda a equipa. Queremos ser reconhecidos pela elevada qualidade do serviço e garantir a satisfação de todos os clientes. As nossas maiores apostas serão em tecnologia e aumentar a presença internacional. Atualmente, estamos a trabalhar o mercado chinês e a expandir os escritórios em África, onde somos uma referência mundial para a nossa atividade, mas pretendemos igualmente solidificar utilizando a nossa pegada histórica.
Respostas rápidas:
O maior risco: Aposta em África.
O maior erro: Não ter falhado mais cedo.
A maior lição: Diversificação de clientes é fundamental.
A maior conquista: África.