Entrevista/ “As start-ups devem ter ambição para o mercado global”
Luís Mira Amaral, administrador da SPI, é um dos oradores do The Network, um evento dedicado ao tema “Como Empreender na Indústria – O caminho do Futuro”, que termina hoje em Aveiro, na Oliva Creative Factory.
Em entrevista ao Link to Leaders, o ex-ministro da Indústria e Energia deixa uma sugestão às start-ups: não vale a pena pensar-se no mercado doméstico, deve-se pensar e ter ambição para o mercado global. Mas tem de se ter um sólido plano de negócios.
Portugal está mesmo a caminhar para ser o novo hub mundial da inovação?
Isso é marketing político! Como diz o povo, uma andorinha não faz a primavera. Haver iniciativas com grande protagonismo mediático, como o WEB SUMMIT, não autoriza a dizer isso num país em que o aparelho estatal é arcaico, muitos parceiros sociais são muito conservadores e a nível empresarial ainda temos poucas empresas inovadoras, embora haja exemplos excelentes.
Já avançámos muito no domínio da investigação científica e tecnológica onde se cria conhecimento, mas em termos de inovação empresarial (utilizar o conhecimento para criar novos produtos e novos processos) ainda somos infraeuropeus. Devido a políticas erradas de governos socialistas, apenas cerca de 3% dos doutorados estão a trabalhar em empresas e, em 10 anos, o número de doutorados nas engenharias e nas tecnologias (áreas vitais para o nosso desenvolvimento) decresceu 10 % e, agora, o Governo em vez de gastar dinheiro público para injetar esses doutorados nas empresas, quer transformá-los em funcionários públicos sob a capa do emprego científico.Temos ainda muito que pedalar para sermos um país inovador. Não basta o sucesso mediático do Web Summit.
Quais os ingredientes fundamentais para dinamizar e estimular o empreendedorismo?
É preciso ter os valores da economia de mercado e que os poderes públicos criem um ecossistema favorável ao empreendedorismo e à inovação nas várias vertentes: legal, fiscal, financeira. Na Sociedade Portuguesa de Inovação – Consultoria Empresarial e Fomento da Inovação SA, fazemos, de três em três anos, o estudo GEM (Global Entrepreneurship Monitor) Portugal, em que estudamos os fatores essenciais para o empreendedorismo. Estamos neste momento a ultimar o de 2016. Vou basear-me no que fizemos entre 2004 e 2013: uma década de empreendedorismo em Portugal.
Os fatores, em que ponho as classificações atribuídas pelo nosso painel de especialistas, numa escala de 1 a 5, são os seguintes: apoio financeiro (2.65); políticas governamentais (2.27 – apreciação menos favorável); programas governamentais (2.79); educação e formação (2.38 – apreciação pouco favorável devido à pouca centralidade dada ao empreendedorismo e à criação de novas empresas nos níveis de educação iniciais, designadamente, no ensino básico e secundário); transferência de investigação e desenvolvimento (2.54); infraestrutura comercial e profissional (3.05 – apreciação muito favorável); abertura do mercado/barreiras à entrada (2.5); acesso a infraestruturas físicas (4.03 – apreciação mais positiva); normas sociais e culturais (2.20 – apreciação menos favorável, pois a cultura nacional ainda está pouco orientada para o empreendedorismo).
Os investidores estão a fazer a sua parte neste processo de inovação e de rutura com os “antigos paradigmas” empresariais?
Há obviamente investidores que o estão a fazer, mas já no passado isso acontecia. Algumas excelentes empresas que temos foram start-ups no início e devem-se ao espírito empreendedor dos seus empresários. Só que na altura não se falava em start-ups e em empreendedorismo como agora… E está a aparecer uma nova geração de empresários em áreas como o agroalimentar, as tecnologias da informação, softwares de gestão, de comando e controlo, ciências da vida, novos materiais, máquinas e equipamento de corte, indústria de componentes para automóveis e para a aeronáutica, têxteis, calçado, madeira e mobiliário com perspetivas muito positivas.
Que recomendações deixa às start-ups nacionais para serem bem-sucedidas?
Não vale a pena pensar-se no mercado doméstico, deve-se pensar e ter ambição para o mercado global, mas tem de se ter um sólido plano de negócios.
A internacionalização é o caminho para o sucesso dos novos projetos?
Obviamente. Temos que pensar no mercado global e não no mercado doméstico.
O ecossistema português de empreendedorismo tem condições para se afirmar internacionalmente? Em algum sector empresarial em particular (tecnologia, indústria agroalimentar, investigação, etc, etc…)
Nesses vários sectores há já, felizmente, exemplos de sucesso internacional, como referi.
Quais as grandes diferenças que assinala no cenário empresarial nacional desde o tempo em que assumiu a pasta da Indústria e Energia? Os portugueses estão mais empreendedores?
Hoje há uma dimensão mediática destes temas que não havia nesse tempo. Mas na altura já tínhamos começado a apoiar parques de ciência e tecnologia, incubadoras de empresas e aceleradoras, esquemas de financiamento ao capital semente. Lembro-me de ter criado um Fundo de Apoio à Iniciativa de Jovens Empresários, que forneceu o capital semente para o arranque de algumas empresas, entre as quais a metalomecânica Martinfer. Também nasceu nessa altura a ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários, com quem colaborámos na dinamização do empreendedorismo. Hoje em dia a dimensão e intensidade dos apoios governamentais é muito maior e a visibilidade mediática também. No meu tempo estávamos no início das políticas públicas de apoio ao empreendedorismo.