Opinião
24/7/365: Um “baita” de um paradigma de felicidade!

A felicidade tornou-se instantânea. E todos a querem como se não fosse possível prescindir dela por um bocadinho. Tem de ser mesmo 24/7/365. Não será, nem de perto nem de longe, aquela serenidade que vem depois de um bom vinho, a aquecer uma boa conversa, ou a que emerge de um reencontro inesperado.
Nada disso. A felicidade é uma espécie de full time must have, embalada em pacotinhos que encham os bolsos como se fosse entulho e prontíssima a consumir. E consumir muito. A malta mais nova — essas criaturas enérgicas, impacientes e (às vezes) deliciosamente ingénuas — foram convencidas não sei por quem, se pelas redes sociais ou se por pressão entre pares, de que ser feliz é sinónimo de ter free wi-fi. A rede deve estar sempre ligada, sinal fortíssimo, sem falhas. Falta de sinal forte, falhas e problemas de telemóvel ou pc provocam apagões e colapsos brutais. Colapsos emocionais e colapsos, sei lá, humanos e existenciais.
Ao contrário do que se possa pensar, ser feliz não é um estado de espírito – embora vá observando isso mesmo em toda a gente mais nova que por mim passa. É tal e qual como um direito constitucional e a sua não existência é um atentado contra tudo o que se conhece. Atenção, não estás feliz às 15h27 de terça-feira? Já mediste os teus centros de energia? Já fizeste ioga com cabras e bodes? Ainda não te despediste do teu emprego “não alinhado com a tua vibe”? Ah, não digas, não conseguiste desligar-te bem antes das 17:59 e só conseguiste fazê-lo às 18:53h. Oh, que infelicidade. Mas, bem-vindo ao mundo real.
Crescer num mundo e num contexto onde tudo acontece agora, já, no imediato, é tramado: filmes em streaming, entregas físicas em 15 minutos, respostas do ChatGPT em segundos (ora bem!). O conceito de esperar foi cancelado — tal como tudo o resto que exija paciência, construção, esforço. Gratificação? Ou é imediata ou não há gratificação. Não admira, pois, que também se queira felicidade para ontem, servida quente (nada de morno) e com emojis cheios de arco-íris, corações, estrelas, foguetes e foguetões.
Trabalhar? Bom, para quê? O trabalho, diz-se, rouba vida e bocados da vida, consome energia vital, não traz propósito. A felicidade, essa, está na viagem para Bali, no retiro espiritual de mindfulness com respiração alternada ou apenas feita pela narina esquerda, ou no ser freelance e nómada digital de coaching de outros nómadas digitais. Trabalhar das 9:00h às 18:00h (peço desculpa, 17:59h) é coisa de boomers traumatizados que ainda acham que a realização pode vir de uma carreira construída com tempo e com esforço.
E é aqui que a ilusão cresce como massa cheiinha de fermento: a malta mais nova acredita que a felicidade está em tudo, menos no que é estrutural e sustentado. Não está no trabalho (óbvio), não está nas rotinas (que seca), não está no compromisso (monogamia é um conceito colonial), não está nas pequenas coisas. Está, aparentemente, sempre do lado de fora — na próxima experiência, na próxima viagem, no próximo insight.
Só que há um problema. A tal felicidade permanente não existe. É uma miragem, vendida em frases de Instagram com Photoshop: “Choose happiness every day”, como se fosse uma opção de menu. Estamos a criar frustrações em série porque ninguém explica que a felicidade é, na melhor das hipóteses, uma sucessão de momentos bons no meio de muito caminho cinzento — e que está tudo certo com isso.
Não é para estar feliz todos os dias. Não tem de ser mágico o tempo todo. Às vezes, é terça-feira e tens mesmo de lavar a loiça. E isso não é um fracasso emocional, é só, mesmo, a vida.
Mas ninguém diz isto. Em vez disso, oferecemos-lhes mais cursos de autoajuda, mais conteúdos motivacionais em reels de 30 segundos e mais oportunidades para se compararem com vidas editadas digitalmente. Resultado? Uma geração que confunde bem-estar com entretenimento, e que, quando o silêncio aparece, acha que está deprimida. Não está. Está apenas viva — e isso, por si só, já devia bastar.
Portanto, talvez seja altura de dizer, com carinho e uma dose grande de ironia: meus caros, a felicidade não é um estado de login contínuo. Não é para estar sempre feliz — isso seria uma doença ou um bug no sistema nervoso. É para estar feliz às vezes e, já agora, grato sempre que isso acontecer.
E, sim, às vezes a felicidade está mesmo naquele trabalho que a malta nova acha que lhe suga alma. Porque, no fim do dia, contribuir, criar, crescer — ainda são coisas que valem a pena. Mesmo que não deem para postar. Paciência. Se não postares também vives. E também podes ser feliz, sempre esporadicamente, e mesmo sem posts.