O futuro das empresas passa pela saúde mental, defendem líderes e especialistas

A saúde mental no local de trabalho é um dos desafios mais urgentes da atualidade e tem impacto direto no bem-estar dos colaboradores e na sustentabilidade das empresas, defenderam especialistas, líderes empresariais e investigadores na Futurália.
A saúde mental tem vindo a ganhar uma importância crescente no contexto empresarial. Deixou de ser uma questão apenas pessoal para se tornar numa preocupação organizacional que impacta diretamente a produtividade, o bem-estar dos colaboradores e, por consequência, o sucesso das empresas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão afeta cerca de 50 milhões de pessoas na União Europeia, com 11% da população a passar por um episódio depressivo ao longo da vida. Portugal, por sua vez, ocupa o quinto lugar entre os países com maior prevalência de depressão, com cerca de 8% da população diagnosticada. Os números são alarmantes e exigem uma reflexão profunda sobre o papel das empresas na promoção da saúde mental.
Este foi um dos temas em discussão na conferência “O Presente e Futuro da Saúde Mental nas Empresas. Evidências Científicas e Potenciais Soluções – Um Convite à Ação” que teve lugar na última edição da Futurália e que promoveu um debate sobre a forma como as empresas abordam a saúde mental no ambiente de trabalho. Durante mais de duas horas especialistas, líderes empresariais e investigadores debateram soluções práticas e inovadoras para promover o bem-estar nas organizações.
Vanda Boavida, especialista em espaços saudáveis, master em Feng Shui e mentora em Kaizen, keynote speaker no evento, começou por afirmar que “a saúde mental não é um problema da psicologia, é um problema de todos. É preciso ações reais com impacto”.
A especialista falou dos espaços saudáveis, referindo que estes não devem ser “estruturas físicas, já que têm o poder de influenciar a nossa emoção e a nossa qualidade de vida” e alertou para o facto de “muitas empresas não pensarem nos espaços. Em Portugal a maioria das clínicas não apresentam caraterísticas para espaços saudáveis. Como pode alguém vender saúde, se não aplica saúde?”.
E deu como exemplo o Hospital São Sebastião, em Santa Maria da Feira, que abriu este ano três salas de relaxamento sensorial destinadas a reduzir ansiedade, agressividade e outras perturbações em utentes como grávidas e seniores com demência, e também nos seus funcionários.
“Resultando de um investimento de cerca de 31 mil euros, o projeto permitiu implementar os princípios da Terapia Multissensorial ‘Snoezelen’ em três espaços desse hospital do distrito de Aveiro e da Área Metropolitana do Porto: um deles afeto à Sala de Partos, outro à unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e outro ao serviço de Medicina Física e Reabilitação”, referiu.
Vanda Boavida prepara-se para lançar em junho deste ano, juntamente com investigadores reconhecidos a nível mundial, um livro no Rio de janeiro, sobre temas como a neuroarquitetura e a saúde mental.
“A neuroarquitetura é um campo interdisciplinar que combina princípios da neurociência com a arquitetura e o design de ambientes. O objetivo é entender como os espaços físicos afetam o comportamento, as emoções e o bem-estar das pessoas. A partir dessa compreensão, arquitetos e designers podem criar ambientes que promovam a saúde mental, a produtividade e o conforto”, explicou a especialista que é a única portuguesa a participar na obra.
Como está a saúde mental nas empresas
Liliana Dias, managing partner da Bound – Intelligent Health Capital e com mais de 20 anos de experiência na promoção de saúde psicológica e bem-estar organizacional, foi uma das oradoras da conferência e falou da importância da saúde mental no local de trabalho como um dos desafios urgentes da atualidade.
“Apesar de eu gostar de ter uma visão positiva, os números, como os custos de stress no trabalho são preocupantes. Portanto, é o momento de olharmos para os dados e agirmos, porque a preponderância dos problemas agravou-se”, disse, referindo que “a competência das nossas lideranças é hoje em dia um fator critico”.
Já Tânia Gaspar, coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis, destacou a importância de se estar com os colegas de trabalho numa altura em que tanto se fala de teletrabalho. “Não consigo perceber como é que se pensa que um colaborador desmotivado vai produzir mais”, afirmou. “Envolver os profissionais e tratar bem as lideranças para que possam desenvolver o seu trabalho deve ser uma premissa das organizações”, sugeriu.
Do lado corporativo, tivemos o testemunho de Tiago Baleizão, Respiratory & Immunology Business Unit Director e Membro da Senior Management Team da AstraZeneca Portugal. O responsável falou do exemplo da AstraZeneca que “tem integrado na estratégia da empresa o bem-estar dos colaboradores. Damos apoio individualizado ou coletivo, por exemplo acesso a consultas de saúde mental e temos espaços específicos dentro da empresa para relaxar, damos também atenção aos líderes e recebemos feedback dos colaboradores”.
Um olhar sobre o futuro do trabalho
Sobre o futuro, Tânia Gaspar referiu estar otimista, mas apontou como desafio o saber lidar com as diferentes gerações. Na sua perspetiva, “há duas dimensões: os líderes que devem saber resolver os problemas do dia a dia, mas que também devem saber parar. Deve haver alguém na organização que tenha tempo para pensar, para estar com as pessoas”, disse.
Por sua vez, Liliana Dias enfatizou a importância da psicologia organizacional e do trabalho, tendo em conta que “vivemos uma disrução no modelo de trabalho”. E frisou a importância de se “começar por dentro. Fazer para dentro e não para fora. Os prémios são importantes para as empresas, mas não devem ser o fim”.
Tiago Baleizão defendeu a importância das empresas se prepararem para o futuro, adaptando-se para aumentarem a confiança dos colaboradores e integrando estratégias de bem-estar e saúde mental, sem esquecer o mais importante: “a atenção genuína às pessoas hoje, amanhã e no futuro”.
Por fim, Vanda Boavida apelou às empresas para darem mais atenção aos seus espaços, à iluminação e à formação das pessoas. “Muitas das vezes o discurso não corresponde à realidade. As empresas falam de sustentabilidade, mas não praticam e devem começar hoje a fazê-lo para pensar no futuro”, rematou.