Opinião
O fim dos unicórnios?

Os despedimentos em massa nas big tech, a queda acentuada do investimento em capital de risco e a falência ou reestruturação profunda de start-ups tecnológicas vieram abalar o ecossistema empreendedor global e lançar dúvidas sobre a viabilidade dos negócios disruptivos ou na fronteira do conhecimento.
Já se fala no fim dos “unicórnios”, depois do acelerado crescimento do setor tecnológico impulsionado pela pandemia. Houve efetivamente uma euforia do mercado em torno das start-ups tecnológicas, mas não creio que se possa falar numa “bolha” especulativa. Há, isso sim, a perceção por parte dos investidores de que estamos a viver uma alteração profunda do paradigma económico, motivada pelo rápido avanço das tecnologias digitais. Paradigma, esse, no qual emergem novos modelos de negócio baseados em conhecimento sofisticado, com grande intensidade de inovação e capital humano altamente qualificado.
Como se trata de um processo de rutura com o passado, os investidores estão a desbravar um território desconhecido. Por isso, é natural que muitas start-ups tecnológicas tenham sido sobrevalorizadas e que o mercado se esteja agora a ajustar à realidade. Sendo certo que o atual contexto de instabilidade geopolítica e arrefecimento económico também ajudam a explicar a quebra nas fontes de financiamento do ecossistema, em particular nos fundos de private equity, seed e venture capital.
Importa ressalvar que as start-ups tecnológicas não são “tigres de papel”, cujo valor é simplesmente especulativo. Quem investe nestas empresas está a aplicar o seu dinheiro em conhecimento sofisticado, em ideias disruptivas, em inovação de ponta, em tecnologias patenteadas, em propriedade intelectual, em talento diferenciador… Ora tudo isto tem um valor, embora muitas vezes intangível e difícil de rentabilizar no imediato.
Os investidores apostam no médio/longo prazo, conscientes de que, pela sua própria natureza, as start-ups tecnológicas precisam de tempo para valorizar o conhecimento (veja-se, por exemplo, quão morosa é a investigação em biomedicina), para amortizar o capital aplicado (as atividades científicas e de desenvolvimento tecnológico são muito onerosas) e para serem compreendidas pelo mercado (os consumidores tendem a ser conservadores nas suas escolhas).
No nosso país, o investimento em capital de risco em 2023 diminuiu 50% face ao ano anterior, segundo a Startup Portugal. Há, no entanto, a convicção de que se trata de uma situação excecional, provocada pela complexa conjuntura internacional, já aqui referida. Apesar da derrocada da Farfetch, os nossos restantes “unicórnios” parecem financeiramente sólidos e as start-ups portuguesas de elevado potencial não vão deixar de atrair investidores, nomeadamente internacionais.
Contudo, continua a ser preciso definir, em Portugal, um quadro de incentivos que de facto promova o investimento privado em start-ups. Necessitamos também de políticas de atração de talento, centros de competências, capital de risco e parcerias tecnológicas, de forma a reforçar as potencialidades do nosso ecossistema e a dar-lhe maior visibilidade internacional. Por fim, há que criar condições para que os empreendedores portugueses de sucesso reinvistam noutras start-ups o dinheiro que granjearam, fazendo com que o ecossistema se autoregenere.
*ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários