Opinião
O êxodo de talentos e os desafios na retenção nacional
Temos portugueses brilhantes no estrangeiro, mas o país tem muita dificuldade em reter o talento no seu território. Em muitos aspectos, existe um paralelo com a Índia, onde há muitos quadros de destacado perfil, mas os melhores emigram, sobretudo para o Reino Unido e para os EUA. Porque é que “os melhores” não querem fazer a sua carreira profissional em Portugal?
Ainda recentemente, um conhecido no LinkedIn postava uma foto com o irmão, no aeroporto de Lisboa, em que dizia que este estava a sair de Portugal por falta de oportunidades profissionais adequadas, e que iria viver e trabalhar para outro país europeu, ao que se seguiram os habituais comentários. É obvio que também é possível ter sucesso profissional em Portugal, tenho muitos amigos e até colegas de curso que o tiveram, mas, outros tantos saíram de Portugal, para fazerem as suas vidas profissionais, sobretudo durante a crise de 2008-2013.
De facto, penso que a maior parte dos meus amigos de curso universitário e primeiros empregos, da minha geração, estão hoje fora, sobretudo no eixo Londres, Amesterdão e Berlim e alguns, ainda mais corajosos, nos EUA, entre Boston, Austin e São Francisco – poder-se-ia pensar que foram desafios temporários, que quando quiseram constituir família regressaram. Mas não, acabaram por ficar nos países de recebimento, e escolhê-los para constituir família – apenas considerando o regresso a Portugal para a velhice: um bom país para reformados, se tanto.
O dilema da fuga de talentos e a busca pelo sucesso além-fronteiras
Apesar de albergar um talento notável, Portugal debate-se com um paradoxo: um êxodo desproporcionado das suas mentes mais brilhantes que procuram o sucesso profissional no estrangeiro, enquanto se luta para as reter no país. Passámos de país de emigração não qualificada, para um país de emigrantes qualificados, e de imigração de pessoas com baixas qualificações, para os empregos que os portugueses qualificados não querem aceitar. Este ciclo-vicioso impede o desenvolvimento económico nacional, visto que os jovens qualificados, pelo sistema de ensino superior, que é financiado por todos os contribuintes, vão injetar capacidade produtiva em economias que à partida, já são mais competitivas do que a nossa.
A questão que se coloca é: porque é que Portugal tem dificuldade em aproveitar o potencial dos seus profissionais dentro das suas próprias fronteiras?
Um dos principais factores que contribuem para a fuga de talentos em Portugal reside nos desafios sistémicos do seu panorama profissional. O país enfrenta obstáculos relacionados com a burocracia, oportunidades limitadas de progressão na carreira e salários relativamente baixos em comparação com os oferecidos em países economicamente mais robustos, para os quais estes jovens continuam a emigrar a ritmos alarmantes. Estes fatores, aliados a uma cultura empresarial rígida, onde é premiada a antiguidade, desencorajam os profissionais mais ambiciosos de imaginarem uma trajetória de carreira próspera em Portugal.
Um olhar profundo sobre as causas e soluções
De facto, outro aspeto fundamental que contribui para o êxodo de talentos é o da procura pela exposição internacional e das perspetivas de carreira oferecidas no estrangeiro – muitos colegas que ficam alguns anos fora, e que já ganharam algum conforto financeiro, dizem que já não estão dispostos a voltar a trabalhar para empresas ou chefias portuguesas, onde há muita falta de qualidade na gestão – estatisticamente, hoje as chefias têm, em média, níveis de ensino inferiores aos dos subordinados, e em que as novas gerações já não se reveem e votam cada vez mais “com os pés”, emigrando.
O atrativo de mercados globais de maior dimensão, com redes mais alargadas, oportunidades de carreira diversificadas, melhores chefias, e exposição a tecnologias de ponta, atrai frequentemente os profissionais portugueses que procuram alargar os seus horizontes e aceder a redes profissionais mais extensas. De acordo com os dados do Observatório da Emigração, Portugal tem a oitava maior taxa de emigração do mundo, com cerca de 25% da população a viver no estrangeiro. Rui Pena Pires, diretor do Observatório da Emigração, estima que uma pessoa com qualificações tem duas ou três vezes mais probabilidades de sair de Portugal do que uma pessoa sem qualificações
Para resolver este verdadeiro nó-górdio, é necessária uma abordagem multifacetada. Portugal deve esforçar-se por reformar os seus quadros regulamentares, promovendo um ambiente mais propício ao crescimento das carreiras e ao empreendedorismo. As iniciativas para incentivar a inovação, aumentar o acesso ao financiamento para as empresas em fase de arranque e simplificar os processos burocráticos podem ajudar a reter e atrair talentos locais mas, tudo isto irá demorar a produzir resultados.
Existem, ainda assim, questões ainda mais atacáveis, nomeadamente no lado da oferta de habitação, dado que muitos jovens portugueses preferem hoje ir trabalhar para Madrid, não tanto pela diferença salarial, que existindo não é tão elevada como noutras latitudes, mas antes, pelo estilo de vida mais atrativo e o rendimento disponível, dado que conseguem poupar mais vivendo e trabalhando em Espanha, essencialmente porque os custos de habitação, alimentação e combustíveis são mais baixos.
Em conclusão, o desafio de Portugal não reside na falta de talento, antes pelo contrário, somos hoje exportadores de talento, mas nas barreiras sistémicas que impedem de refinarmos a nossa “matéria prima” em sucesso profissional dentro das nossas fronteiras e no facto da máquina de geração de riqueza estar partida para toda uma geração – o exemplo espanhol é paradigmático, e talvez o mais preocupante de todos, porque se trata de um fluxo novo, de emigração para o país vizinho, que não existia anteriormente, e que importa pensarmos urgentemente enquanto sociedade.