Entrevista/ “Ninguém pode estar na vanguarda de tudo”

“Estamos a passar da competição para a colaboração. Desde olhar para o nosso umbigo até perceber que existe mais criatividade fora da empresa, comparando com a que poderemos desenvolver internamente”, afirmou o diretor-geral da Desigual. Alberto Ojinaga falou ao Link To Leaders sobre a aproximação às start-ups, da redução da semana de trabalho na sede da empresa, em Barcelona, e da aposta nos canais digitais.
Em 2019, a Desigual deu o primeiro passo ao contar com a colaboração de artistas e designers na criação das suas coleções. Este ano, decidiu lançar uma competição de start-ups através do programa Awesome Lab, fruto de uma parceria com a Plug and Play.
Com esta iniciativa, a marca de moda espanhola quer promover um modelo de inovação que lhe permita incorporar o espírito criativo e empreendedor que está para além da organização e aproximar-se das start-ups. Em entrevista ao Link To Leaders, Alberto Ojinaga, diretor-geral da Desigual, garantiu que a inovação faz parte da marca desde a sua génese, sendo essencial para se transformar enquanto empresa.
“Trabalhar com novas empresas, tecnologias e talentos em todo o mundo permite-nos identificar oportunidades de melhoria a todos os níveis. Isso implica inserir a inovação desde o produto na sua fase mais incipiente – o design – à forma como concebemos o negócio e chegamos aos nossos consumidores, através da experiência de compra e do fim da vida do produto”, frisou.
Durante o confinamento, muitos designers alegaram uma queda na produção têxtil. Que desafios o setor da moda enfrentará neste novo cenário e que inovações permitirão enfrentá-los?
A pandemia teve um impacto económico e comercial excecional que afetou muito diretamente o retalho, em geral, e o setor da moda, em particular. No caso da Desigual, fomos forçados a priorizar os objetivos e tomar medidas de curto prazo para responder às necessidades imediatas. Apesar da situação, nos últimos dois anos continuámos a avançar nos eixos a que nos havíamos proposto – a redefinição do produto e do público; a otimização da rede de distribuição e o lançamento da nova marca – e as circunstâncias externas aceleraram alguns projetos em que já estamos a trabalhar. Portanto, o rumo continua o mesmo, com foco na eficiência e sendo relevante através da criatividade e da inovação.
Também é verdade que, numa perspetiva mais ampla, a moda tem continuamente perdido peso no carrinho de compras dos consumidores. Mais pela redução dos preços do que pelas quantidades consumidas. Temos evoluído, e continuamos a evoluir, num processo de “comoditização” da moda que diminui o seu valor e a torna muito insustentável. Na minha opinião, o desafio de empresas como a nossa é reverter essa tendência. E isso acontece para promover a sustentabilidade e recuperar uma maior criatividade como principais desafios.
No que diz respeito à criatividade, na Desigual acreditamos que uma mudança muito relevante está a ocorrer nas formas de trabalhar. Estamos a passar da competição para a colaboração. Desde olhar para o nosso umbigo até perceber que existe mais criatividade fora da empresa, comparando com a que poderemos desenvolver internamente. E que colaborar, aprender e trabalhar em conjunto com criativos externos, sempre a respeitar os seus valores é uma fonte de inspiração que poderá oferecer inovação e qualidade constante aos nossos clientes. Isso é o que chamamos de filosofia Open Desigual.
Ao nível da sustentabilidade, na Desigual estamos cientes da necessidade de apostar em novos modelos de produção e consumo que consigam minimizar o impacto ambiental – desde o abastecimento aos sistemas de produção, logística e distribuição, passando pela atuação na rede de lojas e fechando o ciclo de vida do produto – mas acima de tudo acreditamos na capacidade de criar peças únicas e qualitativas que façam os nossos clientes sentirem-se especiais que e tenham maior “usabilidade” e “durabilidade”.
Recentemente apresentaram aos trabalhadores de Barcelona uma proposta de jornada de trabalho de quatro dias, com opção de teletrabalho num deles. Que benefícios este novo modelo pode trazer?
A proposta de estabelecer uma jornada de trabalho de 4 dias -3 dias presenciais e um de teletrabalho responde ao nosso desejo de manter o espírito inovador e de transformação constante que tem caracterizado a Desigual desde o seu início, com um objetivo muito claro: fazer da Desigual o melhor lugar para trabalhar.
Hoje, mais do que nunca, o modelo de trabalho e as relações que se estabelecem entre a empresa e os seus colaboradores estão a evoluir. Com esta proposta, na Desigual queremos fazer parte da mudança e inspirar outras organizações a ousar e a propor iniciativas semelhantes em prol do bem-estar dos trabalhadores.
Queremos que o nosso talento atual dê o melhor de si mesmo, que os nossos trabalhadores se sintam inspirados e estimulados a colaborar com os seus colegas, a descobrir, a experimentar e a assumir responsabilidades de forma autónoma e ao mesmo tempo conciliar o seu desenvolvimento e interesses profissionais com os seus pessoais e com a sua vida privada. Também estamos firmemente convictos de que este tipo de proposta nos tornará mais atrativos para competir na procura dos melhores talentos.
A experiência do confinamento mostrou-nos que é possível ser eficiente com recursos justos e necessários. Na Desigual temos a convicção de que podemos organizar o trabalho e as equipas de uma forma diferente e continuar a ser eficazes, dando prioridade ao que é realmente importante.
““La Vida Es Chula” tem sido historicamente o claim da Desigual e, há um ano, integrámos a versão em inglês, Life is Awesome”.
Qual é a politica de recursos humanos da Desigual?
“La Vida Es Chula” tem sido historicamente o claim da Desigual e, há um ano, integrámos a versão em inglês, Life is Awesome. É uma mensagem radicalmente otimista que representa o nosso DNA, a nossa atitude positiva, inclusiva, sem julgamentos e que fala da nossa forma de ser: aberta, curiosa e destemida.
É justamente dessa forma de entender o mundo e do desejo de continuar a evoluir a cada dia que surge a “Awesome Culture”, onde saúde e bem-estar, diversão, sustentabilidade, igualdade, flexibilidade e conciliação vida-trabalho passam a ser os eixos centrais da nossa estratégia de recursos humanos. Sob esta premissa, investimos em políticas que procuram aumentar a felicidade dos colaboradores e o seu compromisso com a empresa, para que possam crescer pessoal e profissionalmente e se tornem embaixadores da Desigual.
Como a Desigual promove a inovação e digitalização dos seus processos?
A inovação faz parte da essência da Desigual desde o seu início, é o nosso motor de transformação. Ao longo dos quase 40 anos de história da empresa e graças à nossa experiência no setor e em diferentes países do mundo, vimos como os hábitos de consumo e as preferências dos cidadãos evoluíram e como mudam cada vez mais rápido. Também testemunhámos como a digitalização impulsionou-nos a fortalecer um modelo omnicanal, a desenvolver novas experiências de compra e a encontrar fórmulas que enriquecem a coexistência de um modelo de loja física com o surgimento do digital.
Todos estes aspetos conduziram-nos a um processo de transformação constante e, em 2021, quisemos imprimir um novo ritmo e forma de fazer. A diferenciação da Desigual como marca reside na criatividade e inovação, e este ano lançámos as bases para uma Desigual “aberta” com a qual definimos uma ambição: ser uma empresa aberta que faz da colaboração a sua principal ferramenta competitiva e diferenciadora. Por isso, estamos a implementar diversas ações.
Que tipo de ações?
Por um lado, estamos comprometidos com colaborações externas com designers e artistas. Queremos ser uma marca que permita a criatividade externa e que aumente a nossa capacidade de chegar ao mundo e de transmitir a nossa autenticidade, otimismo, alegria, inconformidade e originalidade às mentes mais criativas.
Por outro lado, como mencionei anteriormente, lançámos a primeira aceleradora de start-ups de uma empresa de moda espanhola. Sob o nome de Awesome Lab, procuramos um modelo de inovação mais aberto que envolva a abordagem de start-ups num momento prévio para poder implementar as suas soluções de forma mais estratégica. O objetivo é incorporar a criatividade e a inovação que existem além da organização e aplicá-la no desenvolvimento de novos modelos de negócios, além de promover uma cultura mais inovadora na empresa através de talento externo.
O avanço da digitalização na empresa e o empenho na aceleração deste processo têm sido o principal objetivo da área de Inovação Digital, que desempenha um papel fundamental na estratégia de negócio e trabalha em conjunto com as várias áreas a nível transversal.
“O lançamento da Awesome Lab marca o início de uma nova etapa de crescimento através da qual temos claro que a nossa diferenciação deve vir da colaboração (…)”.
Por que decidiram apostar na inovação aberta?
O lançamento da Awesome Lab marca o início de uma nova etapa de crescimento através da qual temos claro que a nossa diferenciação deve vir da colaboração, de fazer da Desigual um ponto de encontro para novas ideias, conhecimentos e propostas criativas. Trabalhar com novas empresas, tecnologias e talentos em todo o mundo permite-nos identificar oportunidades de melhoria a todos os níveis. Implica também inserir a inovação desde o produto na sua fase mais incipiente – o design – à forma como concebemos o negócio e chegamos aos nossos consumidores, através da experiência de compra e do fim da vida do produto.
Esta colaboração também visa fazer da Desigual uma empresa disruptiva, onde o talento externo pode gerar um impacto de longo prazo, tanto no nosso modelo de negócio como nossa própria cultura corporativa.
Que elemento diferenciador uma aceleradora de start-ups traz à transformação da Desigual?
Trabalhar neste formato permite gerar um maior fluxo de conhecimentos e ideias. Queremos responder aos desafios da empresa e da indústria da moda através de soluções tecnológicas e de novas formas de trabalho que surgem do relacionamento com essas start-ups e dos processos de inovação que elas desenvolvem.
Estamos cientes de que, para as grandes empresas, é difícil desenvolver a inovação a partir de dentro: estamos focados em liderar o setor da moda e dedicarmo-nos ao desenvolvimento de soluções inovadoras fora dele pode desviar-nos do nosso foco principal. Portanto, o modelo de inovação aberta permite-nos acelerar o desenvolvimento de soluções, olhando para o futuro do nosso negócio.
A Desigual é uma das empresas espanholas que mais inovou em termos de produto, é uma das que mais experimentou canais… Que tipo de inovação ainda falta?
Mais do que falar da ausência de um tipo de inovação, é preciso ter consciência de que todas as empresas, inclusive a Desigual, precisam de se transformar e de evoluir ao ritmo que as tendências e exigências dos consumidores se aceleram ano após ano.
O setor da moda tem a oportunidade de promover inovações em várias etapas do processo produtivo, desde o design, passando pela rastreabilidade do produto e toda a cadeia de valor, passando pela logística e distribuição, passando pela experiência de compra nos diferentes canais e atendimento ao cliente, passando também por temas como circularidade. Todos estes elementos de melhoria foram o que identificámos para a procura de soluções no open call da nossa aceleradora de start-ups, a Awesome Lab, onde apostámos em desafios que respondam às mudanças rápidas e constantes que vivemos.
Nas empresas haverá sempre oportunidades de melhoria e espaço de inovação; faz parte dos desafios que enfrentamos todos os dias.
A inovação pode ser comprada?
Na Desigual acreditamos que as velhas fórmulas de comprar ou desenvolver internamente perderam hoje alguma validade. As mudanças acontecem com muito mais rapidez e espalham-se por milhares de empreendedores que trabalham numa sociedade interconectada. Ninguém pode estar na vanguarda de tudo. Temos de que escolher os desafios nos quais desejamos estar na vanguarda e procurar colaborar com quem os está a experimentar. Daí termos criados o nosso programa de aceleração para start-ups.
“Para se ter uma ideia do impacto na Desigual, estimamos praticamente o dobro do faturação que tínhamos há dois anos através deste canal e com quotas superiores a 30%”.
Que perspetivas existem em torno da venda ‘online’?
O nosso compromisso tem sido consolidar um modelo omnicanal no qual fortalecemos significativamente os canais digitais e, principalmente, o nosso website. No início do ano, iniciámos também um projeto cross-border, que envolveu o salto da loja digital para 107 novos países; um crescimento que se soma ao lançamento de Desigual.com em mercados como Turquia, Rússia e Hong Kong durante 2020. Este projeto permitiu-nos alcançar mercados onde não temos presença física e fortalecer a nossa presença naqueles onde já temos através de franchisings, a quem conferimos mais autonomia através de ferramentas digitais.
É impossível saber até onde irá o crescimento das vendas online no médio prazo. Mas não podemos prever se ocupará 40%, 50% de todo o mercado … Acredito que, em todo caso, todas as empresas estão a fazer todo o possível para não perder esse processo de transformação radical que se acelerou com a pandemia. Para se ter uma ideia do impacto na Desigual, estimamos praticamente o dobro do faturação que tínhamos há dois anos através deste canal e com quotas superiores a 30%.
A sustentabilidade está ligada à Desigual desde o seu início, já que o seu primeiro produto deu uma segunda vida às roupas já usadas. Qual é o papel da sustentabilidade na empresa hoje em dia e qual a visão para o futuro?
O debate da sustentabilidade na moda tem de ir além da rentabilidade. É consumir menos, mas também consumir de forma diferente. Os clientes exigem que as marcas reduzam o seu impacto ambiental e social, e isso implica mudanças no mercado: o surgimento de novos modelos de negócio mais conscientes, que nos obrigam a repensar o modelo atual da indústria da moda. Na Desigual estamos cientes da necessidade e estamos a trabalhar nisso.
Estamos prestes a fechar o segundo ano desde a implementação do Plano Estratégico de Sustentabilidade e RSC 2020-2023, que lançámos em seis áreas-chave que são produto, meio ambiente, fornecedores, clientes, ação social e colaboradores. Os avanços ao longo de 2020, durante a pandemia, foram muito positivos e vamos encerrar 2021, alcançando com sucesso os objetivos a que nos propusemos e até superando-os. Entre eles, a incorporação de até 60% de fibras sustentáveis nas nossas coleções até o final de 2022 – quando a meta que nos propusemos era de chegar a 50% de fibras sustentáveis até 2023 – e a eliminação do plástico descartável nas embalagens no próximo ano.
Além disso, temos o compromisso de reduzir nossas emissões em 25% até 2025 e ser neutros até 2050. Ao longo de 2022 intensificaremos esta ação. Estamos prestes a lançar um projeto-piloto focado em denim que nos permitirá implementar a circularidade em toda a nossa cadeia de valor através de diferentes parceiros: associações, fornecedores e start-ups, e abrangendo todos os nossos focos de interesse. Além disso, acreditamos que a nossa participação e associação a iniciativas como The Fashion Pact, Better Cotton Initiative, Sustainable Apparel Coalition ou Sedex ajudar-nos-á a avançar mais rapidamente na nossa estratégia de sustentabilidade.
Qual é a estratégia de recursos humanos da empresa para o futuro?
Na Desigual sempre fomos movidos pela criatividade, por inovar, pensar e fazer as coisas de uma forma diferente e disruptiva. Após um ano e meio de mudanças num ambiente complexo, estamos a dar passos em frente, de forma corajosa e arriscada. A introdução da jornada de trabalho 3 + 1 é um exemplo claro disso. Reforçámos o ambiente de trabalho, onde a saúde e o bem-estar, a diversão, a sustentabilidade, a igualdade e, sobretudo, a flexibilidade e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional passam a ser os eixos centrais da nossa estratégia de recursos humanos.
A iniciativa faz parte de um plano mais amplo de oferecer modelos disruptivos de trabalho e conciliação, e passa também pela implantação de melhorias nos restantes grupos que não podem beneficiar destas vantagens diretamente – pelas especificidades de seus cargos, como lojistas, comerciais e equipas de operações – e pelo fortalecimento do atendimento nas lojas e centros logísticos. Estamos a lançar as bases para nos tornarmos numa empresa atrativa, capaz de atrair os melhores talentos.
Como imagina o Desigual do futuro?
Queremos ser a empresa mais criativa do mundo da moda. Somos ambiciosos, eu sei, mas estamos a trabalhar nessa linha. Imaginamos um Desigual que se liga emocionalmente com o consumidor e, principalmente, com as gerações mais novas. Queremos continuar a apresentar tendências alinhadas com a sua forma de pensar e apostar em colaborações diferenciadas. É por isso que precisamos de ser uma empresa muito mais aberta e inovadora, e contar com talentos externos e internos.
Nesse sentido, iremos contruir equipas do mais alto nível, comprometidas e motivadas. A “Awesome Culture” e a jornada de trabalho de 4 dias fazem parte deste plano e tenho certeza que os resultados começarão a aparecer num futuro não muito distante.