Entrevista/ “Não podemos deixar que os jovens deixem de investir no que mais gostam de fazer por falta de recursos”
“Apenas 10% da população portuguesa faz voluntariado (estamos entre os 10 piores países do mundo), 42% dos jovens residentes em Portugal não votaram nas últimas eleições, apenas 12% dos jovens portugueses estão envolvidos no associativismo estudantil ou juvenil. Nos últimos 14 anos temos querido mudar isto”, revela Joana Moreira, diretora executiva do Movimento Transformers.
O Movimento Transformers trabalhou durante mais de 13 anos com crianças e jovens em risco de exclusão social. Em 2017, passou a abraçar também seniores da cidade do Porto, após identificar que a partilha de talento não é só para jovens e que as pessoas seniores também querem continuar a aprender e a partilhar conhecimento. O programa também incentiva a participação cívica, tanto dos voluntários como do seu público-alvo, de forma a promover um ativismo intergeracional para combater o idadismo.
Recentemente lançou a Academia de Rua, um projeto que tem como objetivo garantir o igual acesso a oportunidades no desenvolvimento e projeção dos vários talentos dos jovens. O primeiro lugar de aceleração de talentos será no Porto e a sua abertura está prevista para o mês de dezembro.
“Em 2024, percebemos que os jovens que acompanhamos cresceram, tornaram-se mentores e que precisávamos de um projeto para fechar o círculo – o nosso end game -, um projeto que fechasse o nosso ciclo de aprendizagem. Assumimos que iríamos abrir a nossa Academia de Rua. Um espaço aberto para quem quiser aprender e praticar o seu talento. Uma casa, um espaço seguro para criar, experimentar, falhar e conhecer. É aqui que vamos ampliar a voz dos jovens, é daqui que vai sair a nova geração de líderes de que o mundo precisa”, afirma Joana Moreira, diretora executiva do Movimento Transformers, ao Link to Leaders.
Como surgiu a ideia de criar a Academia de Rua?
Nascemos de olhos postos no mundo, com o coração bem aberto e com uma vontade indomável para participar, colaborar e transformar. Nos últimos quase 14 anos, ajudámos milhares de jovens a descobrir o que os apaixona: do hip-hop à poesia, do futebol ao parkour, do teatro à patinagem. Temos quatro eixos de intervenção, nomeadamente o voluntariado, que se materializa no nosso projeto Escolas de Superpoderes e Reformers, projetos de intervenção com crianças e jovens em risco e seniores isolados. Estes projetos são Metodologia de Referência da Fundação Calouste Gulbenkian e têm impacto validado pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Temos também o associativismo através de dois projetos de capacitação, um centrado nos dirigentes associativos do ensino secundário (AELEAD) e outro nos dirigentes de associações juvenis ou líderes comunitários (XLEAD). Depois a consciencialização através da T-Academy, uma comunidade de participação cívica e social online, que surge no sentido da democratização do conhecimento e onde se partilham conteúdos e oportunidades de formação nas áreas do voluntariado, participação, criatividade, educação não formal, ativismo, objetivos de desenvolvimento sustentável, associativismo e muito mais. E a Advocacy. Com o objetivo de influenciarmos a política pública na área da participação cívica, queremos estar na linha da frente em Advocacy, lançando um conjunto de iniciativas (estudos, apresentações públicas, lóbi) com a finalidade de influenciar a formulação de políticas e a alocação de recursos públicos.
Somos uma organização de referência na área da juventude, voluntariado e educação não formal. Já ganhámos dezenas de prémios, fomos reconhecidos como Metodologia de Referência do Conhecimento da Fundação Calouste Gulbenkian, a nossa CEO foi reconhecida, em 2022, como uma das melhores empreendedoras sociais do mundo e, nesse mesmo ano, ganhámos o prémio Civic Society Prize da Comissão Europeia.
Em 2024, percebemos que os jovens que acompanhamos cresceram, tornaram-se mentores e que precisávamos de um projeto para fechar o círculo – o nosso end game -, um projeto que fechasse o nosso ciclo de aprendizagem. Assumimos que iríamos abrir a nossa Academia de Rua. Um espaço aberto para quem quiser aprender e praticar o seu talento. Uma casa, um espaço seguro para criar, experimentar, falhar e conhecer. É aqui que vamos ampliar a voz dos jovens, é daqui que vai sair a nova geração de líderes de que o mundo precisa.
Trabalhámos, nos últimos anos, com centenas de crianças e jovens em risco de exclusão. Perguntámos-lhes o que gostavam de desenvolver, garantimos que aprendiam diferentes talentos nas suas comunidades e 23% dos nossos mentores foram nossos aprendizes. Isto significa que os “miúdos” cresceram, aprenderam coisas que gostam e agora estão a ensinar outros jovens iguais a eles. O que pretendemos fazer, em parceria com a rede de organizações do setor público, privado e sociedade civil com que vamos trabalhar, é assegurar a estes jovens oportunidade de crescimento pessoal e profissional, com uma acompanhamento individualizado que lhes permita “dar o salto”.
“Depois de terem escolhido um talento para aprenderem durante um ano (aprendiz), os jovens poderão tornar-se mentores e ensinar aos seus pares o que aprenderam (…)”.
Quais os objetivos para este novo projeto e como pensam alcançá-los?
Depois de terem escolhido um talento para aprenderem durante um ano (aprendiz), os jovens poderão tornar-se mentores e ensinar aos seus pares o que aprenderam, depois de passarem por um programa chamado “Escola de Mentores”. No final deste ciclo, os jovens sinalizados como potenciais “Transformers” serão encaminhados para a nossa Academia, um espaço de aceleração dos seus talentos, que lhes vai permitir explorar a fundo o seu talento, seja através de mentoria, de bolsas de estudo, de emprego na área.
Não podemos continuar a perder artistas, bailarinos, atletas; não podemos deixar que os jovens deixem de investir no que mais gostam de fazer por falta de recursos. É isto que a nossa Academia quer resolver.
De que forma a Academia de Rua vai ajudar os jovens a investir e a acelerar os seus talentos?
A academia está organizada em três áreas: espaço físico, incubação e metodologia de acompanhamento. Temos espaço físico no Porto, com sala de dança, estúdio de música, biblioteca, espaço de estudo. Um espaço físico para acelerar os talentos dos jovens que acompanhamos, uma casa para onde podem vir. Sabemos que a participação cívica e social está diretamente relacionada com o sucesso escolar (grave problema dos jovens em risco de exclusão social que acompanhamos). Por outro lado, temos dezenas de pedidos de projetos e organizações que querem aprender connosco, que querem fazer parcerias, que querem ter um modelo de gestão e de sustentabilidade igual ao que conseguimos alcançar nos últimos anos. A nossa forma de dar retorno à comunidade passará, então, por abrirmos anualmente duas oportunidades a organizações que atuam na área da educação para partilharem espaço connosco e impulsionarmos o acesso a uma educação que dá voz aos jovens.
Depois do Porto, qual a cidade que irá receber o Academia de Rua?
Temos já manifestações de interesse em Lisboa, mas só vamos avançar depois de consolidarmos o programa no Porto.
“Os países com níveis mais elevados de participação apresentam melhores índices de saúde mental e física, taxas mais baixas de doença, depressão, suicídio e crime”.
Que balanço faz destes mais de 14 anos do Movimento Transformers?
Sonhamos com um mundo onde todos usam a sua voz independentemente da idade, género e contexto social. Um mundo onde as comunidades estão organizadas e são participativas; onde há um grande espírito de entreajuda e confiança de que o melhor ainda está para vir: em casa, no bairro, na rua, no centro educativo, na residência. Movidos por esta visão, ficamos inquietos com a realidade: taxas de envolvimento cívico e social consistentemente baixas um pouco por todo o mundo, transversalmente às várias formas de participação: voluntariado, associativismo e política.
Apenas 10% da população portuguesa faz voluntariado (estamos entre os 10 piores países do mundo), 42% dos jovens residentes em Portugal não votaram nas últimas eleições, apenas 12% dos jovens portugueses estão envolvidos no associativismo estudantil ou juvenil. Nos últimos 14 anos temos querido mudar isto porque acreditamos que a participação cívica é a base de uma sociedade democrática, socialmente coesa e saudável. Os países com níveis mais elevados de participação apresentam melhores índices de saúde mental e física, taxas mais baixas de doença, depressão, suicídio e crime.
E que iniciativas têm lançado para dar resposta a este cenário?
Focamo-nos nos jovens, em particular nos jovens de contextos sociais mais desfavorecidos, onde os entraves à participação são maiores. Aumentamos a participação destes jovens e, com ela, os benefícios individuais que lhes estão associados: menor isolamento social, menor absentismo escolar e menor exposição a comportamentos de risco.
Começámos com programas de voluntariado e estruturamos quatro eixos de intervenção para a nossa ação ter impacto sistémico. Temos impacto validado de todos os nossos programas, deixamos de ser apenas um grupo de amigos que queria mudar o mundo para uma organização profissionalizada com um modelo de negócio estruturado.
Levamos muito a sério a nossa responsabilidade pelas comunidades onde estamos. Por isso, ao longo dos nossos 13 anos de existência, fomos testando e aperfeiçoando o nosso modelo de sustentabilidade para garantir que conseguimos continuar a servir as nossas comunidades de forma consistente e por muitos anos. Foi esta segurança que, em 2022, nos permitiu lançar o nosso primeiro spin-off, o “Reformers”, um programa dedicado a combater o isolamento social sénior.
Temos um modelo de negócio social que, através do equilíbrio entre uma estrutura de geração de receitas baseada na venda de impacto (B2G e B2B) e uma estrutura de custos eficiente, nos permite gerar excedente que é continuamente reinvestido na associação. É assim que asseguramos a nossa sustentabilidade ao longo dos anos, profissionalizamos a nossa gestão e estamos continuamente a inovar.
Desde 2010 já conseguimos levantar um total de €805.000, 48% dos quais provenientes da venda dos nossos programas a municípios, escolas, organizações e empresas. Este peso maioritário da venda dos nossos programas nas receitas permite-nos uma menor dependência de prémios e financiamentos públicos e privados, tipicamente mais voláteis e condicionados.
Quais os marcos mais importantes?
Destaco vários. O primeiro investimento, da Fundação EDP, para intervirmos em Lisboa, Porto e Coimbra, em 2010. A primeira contratação pública pela Área Metropolitana do Porto, que nos permitiu crescer de 3 para 17 cidades e profissionalizar a organização, em 2015. O primeiro estudo de impacto dirigido pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, que provou o nosso papel em várias áreas, sobretudo em contexto escolar, em 2017. O reconhecimento como Metodologia de Referência do Conhecimento pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 2019. A Joana Moreira, nossa CEO, ter sido reconhecida como uma das melhores empreendedoras sociais do mundo pela Ashoka, em 2022, e o Civic Society Prize da Comissão Europeia, em 2022.
“As oportunidades de participação disponíveis não são atrativas para os jovens”.
O que é preciso para aumentar os índices de participação cívica e social dos jovens?
Rejeitamos a ideia de que os jovens sejam preguiçosos ou desinteressados. Sabemos que os jovens têm uma vontade inata de participar e fazer a diferença, que está adormecida devido, essencialmente, a 3 principais entraves que passo a explicar.
As oportunidades de participação disponíveis não são atrativas para os jovens. As ofertas de participação estão desconectadas dos interesses, competências e formas de comunicar. Além disso, há um sentimento de impotência e pouca confiança no impacto da participação. A inatividade gera inatividade e a falta de figuras de referência positivas cria um sentimento de descrença na capacidade individual e comunitária para fazer a diferença.
Por fim, os jovens querem participar, mas não sabem como. Ao longo dos seus percursos formativos e de vida, são poucos os espaços criados para os jovens aprenderem como participar. Equipados com este conhecimento e com a nossa vontade indomável, colocamos os jovens a participar, ao dar-lhes espaços e oportunidades que se adequam a eles e ao que mais gostam de fazer, dentro e fora da escola, envolvendo-os num movimento de pessoas que acreditam no poder coletivo para transformar comunidades.
Quais os maiores desafios que enfrentam hoje em dia os jovens?
Os jovens enfrentam diversos desafios na sociedade contemporânea, que podem variar conforme o contexto socioeconómico e cultural de cada região. Entre os principais desafios dos jovens portugueses vou-me centrar em quatro principais.
A Saúde mental. A pressão académica, as expectativas sociais, o impacto da Covid-19, ou a influência das redes sociais têm contribuído para o aumento dos casos de ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental. A constante exposição às redes sociais pode gerar comparações negativas, baixa autoestima e uma busca incessante pela perfeição. Em Portugal, o suicídio é uma das principais causas de morte entre crianças e jovens.
Depois o desemprego. A integração no mercado de trabalho é cada vez mais competitiva. Os jovens, ou não têm as qualificações necessárias ou, tendo, acabam por emigrar para conseguirem um rendimento adequado à sua formação. Este problema leva a muitos outros, dos quais destaco a falta de acesso à habitação e Independência Financeira: muitos jovens enfrentam dificuldades para conquistar a independência financeira e encontrar moradia acessível, especialmente nos grandes centros urbanos.
Também os modelos de educação. Embora o acesso à educação tenha aumentado, a qualidade do ensino e a pertinência dos currículos são questões que ainda necessitam de atenção. O modelo de ensino não se renovou, os professores têm, muitas vezes, menos competências tecnológicas do que os alunos e isto faz com que os jovens não se sintam preparados para os desafios do mercado de trabalho moderno, contribuindo para um futuro incerto, sendo difícil planear a longo prazo.
Por último, a crise climática, ou seja, a preocupação com o meio ambiente e o futuro do planeta é uma questão que afeta profundamente a geração jovem, que se sente responsável por encontrar soluções para os problemas ecológicos atuais.
“Jovens de minorias raciais, étnicas, de género e LGBTQ+ enfrentam, muitas vezes, barreiras de entrada, discriminação e oportunidades limitadas de crescimento dentro das empresas”.
Como caracteriza o mercado de trabalho em relação à diversidade e inclusão social dos mais jovens?
O mercado de trabalho, em relação à diversidade e inclusão social dos mais jovens, apresenta características que refletem tanto avanços significativos quanto desafios persistentes. Se, por um lado, há um aumento na consciencialização sobre a importância da diversidade e inclusão nas empresas – que reconhecem que um ambiente de trabalho diverso pode impulsionar a inovação, a criatividade e a tomada de decisões mais eficazes -, por outro, as políticas de inclusão ainda são insuficientes ou apenas existentes em empresas maiores. Num país em que a maioria do tecido empresarial é constituído por pequenas e médias empresas, ainda há muito a fazer.
Apesar dos avanços, ainda existem desigualdades significativas. Jovens de minorias raciais, étnicas, de género e LGBTQ+ enfrentam, muitas vezes, barreiras de entrada, discriminação e oportunidades limitadas de crescimento dentro das empresas. Jovens de origens diversas têm, muitas vezes, menos acesso a programas de formação e desenvolvimento, o que pode dificultar a sua progressão na carreira. As empresas estão a começar a reconhecer a necessidade de criar oportunidades de desenvolvimento mais equitativas, mas ainda existem desafios significativos que precisam ser resolvidos para criar um ambiente verdadeiramente equitativo e inclusivo. As empresas que liderem essas mudanças estarão mais bem posicionadas para atrair e reter talentos diversos e inovadores.
Porque devem as empresas trabalhar a diversidade e inclusão social? Que benefícios podem trazer para o seu funcionamento?
Num contexto onde tanto se fala em contratar, gerir e reter talento, acho que fica fácil responder a esta pergunta. As empresas devem trabalhar a diversidade e inclusão social por várias razões que não apenas a promoção da justiça social, mas também porque isso traz inúmeros benefícios tangíveis para o funcionamento e sucesso da organização. Deixo algumas razões para o fazerem.
Resposta às expectativas dos stakeholders. Os clientes, investidores, parceiros e outros stakeholders são cada vez mais exigentes, preferindo empresas responsáveis. Não adotar práticas de diversidade e inclusão pode resultar em perda de negócios, de lucro, de reputação. Não tem só a ver com a marca, mas com os números. Além disso, muitas jurisdições têm leis e regulamentações que exigem práticas justas de emprego. Implementar políticas de diversidade e inclusão ajuda as empresas a cumprir essas exigências legais.
A melhoria na inovação e criatividade. Equipas diversas trazem perspectivas variadas, o que pode levar a soluções mais inovadoras e criativas para problemas. A diversidade de pensamento é um catalisador para a inovação. A inclusão de diferentes pontos de vista leva a uma tomada de decisão mais abrangente e bem informada, resultando em decisões mais eficazes e estratégicas. Além disso, ambientes de trabalho inclusivos – onde todos os funcionários se sentem valorizados e respeitados – tendem a ser mais produtivos e a ter um melhor desempenho geral, o que é capaz de atrair e reter maior número de talentos.
Que tipo de iniciativas as empresas podem organizar para ajudar na contratação de jovens à procura do 1.º emprego ou de minorias sociais?
Posso dar dois exemplos práticos de empresas com as quais estamos a trabalhar. O primeiro, Bora Jovens: Hands-On, é uma iniciativa online desenvolvida com a Coca-Cola Europacific Partners, onde trabalhamos o desenvolvimento das competências dos jovens, necessárias para melhorar a sua relação com o mercado de trabalho e traçar um caminho de sucesso profissional. Trabalhamos com jovens NEET (não estudam nem trabalham) através de um programa de desenvolvimento de competências focado em workshops ao longo de várias semanas e um bootcamp final onde os preparamos para entrevistas de emprego, para aprenderem a selecionar entidades que façam match com os seus valores pessoais, para saberem o que as empresas valorizam e como se podem adequar.
O IKEA é uma parceria mais recente. A IKEA tem um programa de recrutamento inclusivo e, sempre que necessita de jovens para uma determinada função, pede-nos ajuda numa primeira triagem. Avaliamos a motivação, disponibilidade horária, mobilidade e autonomia de jovens com que trabalhamos regularmente (crianças e jovens em risco de exclusão social), ajudamos estes jovens a fazer a candidatura online e comunicamos à IKEA que a fizemos. Estes jovens são sempre contactados pela IKEA e dão-nos feedback sobre se o jovem foi ou não recrutado e o que poderia ter corrido melhor.
“(…) acredito que as escolas estão a formar para seguir a maioria, sendo que a realidade varia bastante dependendo da região, do sistema educacional e das políticas específicas de cada escola ou rede de ensino”.
Atualmente as escolas estão a ensinar a participar de forma crítica ou só está a formar para seguir a maioria?
Não sou uma otimista do modelo de ensino atual: acredito que as escolas estão a formar para seguir a maioria, sendo que a realidade varia bastante dependendo da região, do sistema educacional e das políticas específicas de cada escola ou rede de ensino.
Na maioria dos sistemas educativos, a ênfase ainda está na memorização e na preparação para exames padronizados. Isso pode levar a um foco em seguir normas e padrões em vez de fomentar o pensamento crítico. Os testes padronizados, muitas vezes, avaliam a capacidade de lembrar informações em vez de analisar, criticar ou aplicar conhecimento de maneiras novas e criativas. Além disso, muitas disciplinas são ensinadas de maneira a priorizar a conformidade e obediência, em vez do questionamento e investigação. Não deveríamos ensinar as crianças a fazerem perguntas numa era em que se usam ferramentas de IA?
Acredito que estamos num processo de transição necessário (que está a demorar demasiado tempo) e há bons exemplos de política educativa. Algumas escolas estão a reformular os seus currículos para incluir o desenvolvimento de pensamento crítico, resolução de problemas e tomada de decisão. Essas competências são essenciais para a participação ativa e crítica na sociedade. O nosso projeto “Escolas de Superpoderes” desenvolve-se na disciplina de Educação para a Cidadania, por trabalharmos o questionamento social e o currículo do aluno dessa disciplina através do debate de problemas sociais, do desenvolvimento de soluções para esses problemas, e da colocação do talento dos alunos ao serviço da comunidade.
Há também municípios e organizações preocupados com o tema e já a preparar caminho para fazerem a diferença. Durante o ano de 2022 realizámos um programa de capacitação para as equipas técnicas dos 105 projetos inseridos no programa “Escolhas para o Alto Comissariado para as Migrações”. Através de dois bootcamps e nove workshops, capacitámos técnicos, agentes educativos e dinamizadores comunitários para ativar a voz das comunidades e potenciar a participação dos jovens.
Em 2019, realizámos um programa de capacitação com o objetivo de formar os agentes locais e professores do Município da Chamusca em metodologias de educação não formal. Proporcionámos um espaço de aprendizagem, partilha e planeamento do ano letivo para 40 professores, onde o mais importante foi a perceção de que temos de trabalhar em conjunto para resolvermos os problemas sociais que se passam dentro e fora das salas de aula.
Como é possível promovermos políticas que não deixem ninguém para trás e que acreditem e confiem no potencial jovem? O que é preciso fazer?
Desde a promoção da saúde mental, formação contínua de professores, metodologias ativas de ensino que envolvam os alunos de forma participativa, ao investimento em projetos de impacto para esta população. Acredito que deve haver colaboração entre setores para que a mudança aconteça, e aqui falo da colaboração entre governo, setor privado, ONGs e comunidades.
É necessário criar espaços seguros e inclusivos onde os jovens se possam reunir, aprender e crescer (por isso a Academia), é fundamental investir em infraestrutura tecnológica para garantir que todos os jovens tenham acesso à internet e a dispositivos necessários para a aprendizagem e o desenvolvimento profissional.
Precisamos também de apoio político, de políticas governamentais que promovam legislação inclusiva, assim como financiamento adequado, através da aplicação de recursos financeiros adequados para programas e iniciativas voltadas para jovens.
Como não destruir um sonho de um jovem empreendedor?
Ajudá-lo a descobrir as pessoas certas; se não formos nós, a pessoa certa para ajudar. Garantir que está a resolver um problema que é importante, negligenciado e que tem externalidades negativas, logo, temos mesmo de o resolver.
Que projetos podemos esperar para o futuro do Movimento Transformers?
A Academia de Rua e o crescimento internacional.
Respostas rápidas:
Maior risco: sustentabilidade financeira.
Maior erro: modelo de negócio de franchising social lançado em 2015.
Maior lição: importância de descobrirmos as pessoas certas e deixarmos ir as que não nos servem.
Maior conquista: o impacto dos últimos anos e conseguirmos abrir esta Academia.