Opinião

Não entrei na universidade. E agora?

Anabela Possidónio, fundadora da Shape Your Future

Esta é a história do Luís, mas poderia ser da Maria ou do João. Este ano completou o 12.º ano. Foi um ano duro, não tanto pela dificuldade académica, mas porque esteve a estudar para o exame de matemática e porque decidiu repetir o de físico-química.

Na realidade até se sentia bastante confortável com os conteúdos, mas a pressão da realização dos exames, não lhe permitiu ter as notas que lhe garantem o acesso ao curso que queria. Com isso em mente foi fazer os exames de 2.ª fase, embora saiba que, se não entrar na 1.ª fase, a 2.ª fase pode ainda ser mais complicada. Contudo, nunca se sabe se pode acontecer um milagre, pelo que decidiu tentar a sua sorte.

Já com os resultados na mão, fez a candidatura à universidade. Os primeiros 5 cursos são aqueles que mais gostaria, mas acabou por colocar em 6.º lugar uma opção de compromisso. Espera ansiosamente pelo dia 11 de setembro para saber onde foi colocado. Sente que, tudo a correr bem, vai entrar numa fase bastante desafiante da sua vida. Está ansioso e preocupado e, embora tenha tentado divertir-se nas férias, nunca o conseguiu verdadeiramente.

O que mais o assusta é não ficar colocado no curso que ambiciona, estando também consciente que a colocação pode implicar uma mudança de cidade. E, por aquilo que sabe de outros colegas, tudo acontece muito rápido. No prazo de uma semana tem de se matricular, encontrar um sítio onde viver e recomeçar uma nova etapa num sítio novo e sem qualquer rede de suporte.

Os pais assistem a todo este movimento, com um misto de preocupação e ansiedade. Desde o 3.º período do 11.º ano que sentem a pressão a crescer. A primeira prova de fogo foram os exames das disciplinas bienais. No caso do Luís até tinha bem claro os seus objetivos. Desde bastante cedo que descobriu a sua vocação e sabia que notas teria que ter nos exames.

Como as coisas não lhe correram exatamente como queria, fez uma reavaliação das suas atividades e decidiu que teria que abandonar algumas, para se dedicar mais ao estudo. Na realidade acabou por ser uma pena. O Luís, que sempre tinha sido um jovem introvertido, tinha decidido estudar teatro. As suas competências de comunicação tinham melhorado imenso, e tinha inclusive integrado um projeto de inovação social com amigos que tinha conhecido nesse ambiente. Era muito interessante ouvi-lo falar de temas que nunca tinham feito parte do seu léxico, assim como vê-lo a descobrir novas competências que desconhecia que tinha.

A verdade é que esta nova atividade, a par de jogar futebol, permitiam ao Luís ser uma pessoa muito mais completa e muito mais bem preparada para acrescentar valor no mercado, fosse a trabalhar para os outros, fosse para si mesmo.

Este 12.º ano foi, assim, um ano duro. Abdicou de muita coisa, estudou muito e, apesar da média não ser má, o resultado do exame de matemática não o deixou muito tranquilo. Entrou no mês de agosto bastante angustiado e a tentar projetar aquilo que seria a sua vida a partir de setembro.

Esta é uma história que se repete ano após ano. Continuamos a reduzir os nossos jovens a um número, colocando uma enorme importância em competências cognitivas, e desvalorizando a importância do desenvolvimento de competências interpessoais.

Falamos do futuro do trabalho, da necessidade de criarem o seu próprio emprego, mas continuamos a prepará-los para trabalharem para os outros.

Referimos a importância do trabalho em equipa, mas deixamos que muitas vezes abandonem a prática do desporto, para terem mais tempo para estudar.

Assistimos com relativa tranquilidade ao aumento desmesurado das médias, deixando de fora jovens com enorme potencial, que se reduzem a si mesmos a um número, com consequências muitas vezes graves ao nível da saúde mental.

Surpreendemo-nos que decidam sair de Portugal, que optem por estudar em geografias onde, para além das suas notas, olham para si como pessoas.

Perdemos um grande potencial, ganhamos uma população envelhecida e continuamos a não conseguir desenvolver um país em que os jovens sintam que vale a pena ficar.

Quanto ao Luís, não sabemos se vai entrar na universidade ou não. Mas talvez valha a pena dizer-lhe que, a não ser o caso, aproveite para viajar, para aprender novas coisas, para conhecer novas pessoas, para viver experiências diferentes. Porque esta ideia de que vai perder um ano… também já era tempo de acabar!

Comentários
Anabela Possidónio

Anabela Possidónio

Anabela Possidónio é fundadora e diretora-geral da Shape Your Future, que tem como missão ajudar jovens e adultos a tomarem as melhores decisões académicas e profissionais. Assume também o cargo de diretora-geral da Operação Nariz Vermelho. Tem uma vasta carreira corporativa de mais de 25 anos, onde assumiu posições de liderança em diversos setores (Saúde - CUF; Educação - The Lisbon MBA; Retalho - Jerónimo Martins e Energia - BP), em diferentes países (Inglaterra, México, Espanha e Portugal) e empresas... Ler Mais..

Artigos Relacionados