Entrevista/ “A nanotecnologia tornará os produtos mais inteligentes”
Braga acolhe, desde 2005, o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, o primeiro laboratório internacional da Europa dedicado exclusivamente à nanociência e nanotecnologia, que conta com a liderança de Lars Montelius, físico sueco.
Lars Montelius, físico sueco com mais de 20 anos de trabalho na área das nanociências, dirige o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), com sede em Portugal.
O INL é o primeiro laboratório internacional da Europa dedicado exclusivamente à nanociência e nanotecnologia. Foi criado em 2005, em colaboração pelos governos português e espanhol, estando em funcionamento desde 2009 e contando com colaborações, por exemplo, com a China, com o Brasil, com a Argentina ou com a Argélia.
Este laboratório desenvolve investigação na nanotecnologia, com especial relevo na nanomedicina e controlo de qualidade alimentar e ambiental. O INL promove também a StartupNano com o Centre for Nanotechnology and Smart Materials (CeNTI), em parceria com a Startup Braga.
Falámos com Lars Montelius, diretor-geral do INL sobre o seu percurso, bem como sobre a evolução e a importância da nanotecnologia para o futuro da humanidade.
Registou 22 patentes. Qual a que se revelou mais desafiante e qual a mais inovadora e útil nos dias de hoje?
Na verdade, registei mais. De acordo com o EPO, são hoje 52 patentes. Algumas estão relacionadas entre si. As mais difíceis foram as primeiras que desenvolvi há 20 anos atrás, principalmente porque na altura não tinha nenhuma experiência. As mais importantes na altura foram as ligadas a uma nova tecnologia pioneira no mundo. Constatámos que essa tecnologia poderia tornar-se muito forte, pelo que quisermos ser mais cuidadosos embora não pudéssemos despender muito dinheiro nelas.
Resolvemos o problema ao vender essas ideias a empresas que considerámos serem capazes de desenvolverem essa tecnologia, a Obducat AB. Na altura era um dos diretores do conselho de administração da Obducat, que se dedicava ao desenvolvimento de tecnologia e aparelhos para CD/DVD através da gravação em relevo (moldagem). O que tínhamos criado ia no mesmo sentido, mas permitia a formação de uma superfície nanométrica através de uma técnica chamada NanoImprint lithography (NIL). Esta faz impressões ou tentativas desta numa superfície plástica de filme e, dessa forma, cria um padrão no filme. Isto é o básico na indústria da eletrónica quando se dedica ao desenvolvimento de chips.
Com o nosso método percebemos que podíamos integrar a indústria eletrónica em várias outras áreas de aplicação através da nossa tecnologia. Isto abriu uma imensidão de oportunidades ao nível do trabalho interdisciplinar. Mesmo hoje, passados vinte anos do seu desenvolvimento, vemos mais e mais aplicações reais baseadas nesta tecnologia a ganharem vida. O Obducat tornou-se na primeira empresa de equipamento NIL do mundo. A técnica NIL é usada nos Kindles, em muitos ecrãs, projetores, LEDs, em memórias, biossensores, sistemas celulares de painéis solares, filtros óticos, lentes de câmaras para o antirreflexo, no setor das embalagens, entre muitos outros. Os nossos sonhos iniciais de potencial de aplicação tornaram-se reais.
É presidente da IUVSTA: The International Union for Vacuum Science, Technique and Applications. Quais os principais objetivos da IUVSTA neste momento?
A IUVSTA é uma entidade profissional e científica internacional que tem como membros sociedades nacionais de mais de 30 países diferentes. São no total cerca de 100 mil cientistas e engenheiros que integram esta entidade. Estamos neste momento a trabalhar numa nova imagem para aproveitarmos o poder que esta entidade poderia ter ao nível da ciência no debate na sociedade. Também estamos a trabalhar arduamente na melhoria dos serviços que prestamos aos membros através do apoio a workshops, escolas, entre outros. A IUVSTA comemora 60 anos em 2019. Vamos celebrar esta data nos próximos dois anos – e sim, vamos fazê-lo durante dois anos, uma vez que a maior parte do processo de formação da organização foi feito durante 1958 enquanto algumas assinaturas foram feitas em 1959.
Integra o grupo de trabalho de duas plataformas europeias de tecnologia, a NANOFutures e a EuMat. O que está neste momento a ser desenvolvido em cada uma delas?
Estas duas organizações são apelidadas de ETPs, European Technology Platform. Uma dedica-se à nanotecnologia, enquanto a outra se centra nos materiais. São ambas plataformas de membros ou organizações com o objetivo de serem uma voz no campo da pesquisa europeia. Um dos aspetos mais importantes é fomentar a criação de novos empregos e aumentar a competitividade das empresas europeias. Fazemo-lo de várias formas. Um resultado importante é o roteiro estratégico que desenvolvemos na nossa plataforma através da consulta de um grupo alargado de stakeholder e entrevistas, bem como através dos nossos próprios membros e das nossas “antenas”. Estes roteiros são dados como contributos à comissão no seu trabalho de criar novas ferramentas e programas de trabalho para pesquisa e inovação. Ser uma voz unificadora no debate e trabalho com eles é talvez um dos aspetos mais importantes destas ETPs.
O INL foi a entidade nacional que submeteu mais registos de patentes em 2015. Qual a estratégia de negócio e qual a visão para os próximos anos?
O INL é, por definição, uma instituição internacional com estrutura legal enquanto organização de pesquisa intergovernamental. Há no total apenas três organizações intergovernamentais no mundo que realmente desenvolvem atividades de pesquisa e desenvolvimento. A mais conhecida é o CERN, o acelerador de partículas com sede em Génova, na Suíça, e o EMBL, o European Molecular Biology Laboratory de Heidelberg, na Alemanha. O terceiro é o INL. Assim, uma vez que estamos sediados em Portugal, as patentes que submetemos são consideradas patentes de Portugal. Grande história para dizer isto. Agora, relativamente à pergunta. A nossa estratégia de negócio é tornarmo-nos na melhor organização do mundo no que toca à entrega de conhecimento combinado ao cliente, seja o cliente uma empresa, uma entidade pública, como por exemplo um município ou outra organização. Estamos a fazer quatro coisas no INL. Estamos a avançar com pesquisas em algumas áreas em que acreditamos que podemos gerar uma mudança significativa, gerimos uma instalação onde as pessoas de todo o mundo podem vir e usar os nossos equipamentos, em troca de um pagamento, claro, e trabalhamos na criação de soluções para empresas. E por fim, interagimos com a sociedade de diversas formas com atividades de divulgação e outras dimensões sociais, trazendo e articulando a ciência com a sociedade na nossa responsabilidade social científica.
O INL promove a StartupNano com o Centre for Nanotechnology and Smart Materials (CeNTI) e em parceria com a Startup Braga. O que tem sido o melhor e o pior da StartupNano?
Esta atividade é bastante recente no INL – temos vindo a fazê-la no último ano ou por aí. No entanto, até agora, apenas tivemos casos de sucesso. O melhor é estarmos a providenciar às empresas, ou mesmo apenas a pessoas com boas ideias, a oportunidade de usarem as nossas instalações e mergulharem no nosso conhecimento, tornando possível o acelerar da chegada das ideias ao mercado da melhor forma possível. Aqui é importante que as pessoas que contactam não precisem de conhecer a tecnologia, mas, em vez disso, se concentrem na ideia que gostariam de desenvolver.
Nós conhecemos a tecnologia e podemos ajudá-las nessa parte caso nos tragam um promissor plano de negócios. Ainda estamos a afinar as nossas ofertas à comunidade e temos algumas ideias de negócios e empresas de Boston que serão incubadas por alguns meses no INL, a fim de acelerarem as suas ideias. Estes referem que o serviço completo que oferecemos é difícil de encontrar na área de Boston.
Que start-ups nanotecnológicas considera serem as mais bem-sucedidas neste momento? Porquê?
Uma das mais interessantes é uma start-up, cuja atividade se prende com a “biópsia líquida”. Através de uma pequena amostra de sangue é possível detetar a presença, com extrema precisão, da circulação de células cancerígenas. A forma de funcionamento desta “biópsia líquida” vai permitir um bom método de diagnóstico que não só irá detetar a reincidência do cancro muito claramente, como eliminar ou reduzir a necessidade de fazer biópsias. Tal vai trazer também confiança a todas as pessoas que tiveram um primeiro caso de cancro. Através desta tecnologia haverá uma forma de diagnosticar precocemente e com confiança reincidências do cancro. Uma vez que a esperança média de vida está a aumentar, trata-se de uma parte importante no processo de envelhecimento da população com vista a providenciar uma melhor qualidade de vida.
O que vai acontecer na nanotecnologia nos próximos 5 anos?
A nanotecnologia e os materiais avançados serão integrados ou embutidos em quase todos os negócios e no setor industrial, tornando os produtos mais inteligentes e adaptáveis. A fronteira entre os objetos físicos e os assuntos emocionais será gentilmente removida e os dispositivos técnicos serão mais sujeitos a integrar ingredientes emocionais, tornando a interação homem-máquina mais centrada no humano. Isto pode ser aplicado, por exemplo, na robótica aplicada ao setor dos cuidados da saúde ao disponibilizar mais serviços emocionais a serem prestados nas casas da população mais idosa. Outras áreas são na produção industrial e civil que, com sensores integrados, poderão prever a manutenção e a comunicação autónoma dos edifícios que hoje apresentam muitos riscos. No setor alimentar iremos testemunhar várias disrupções como consequência das nossas capacidades de recolher informação nos alimentos de forma fácil e rápida que, em contrapartida, nos irão ajudar a perceber como diferentes componentes dos alimentos podem ser aplicados ao nível da manutenção preventiva dos nossos corpos.
A bem dizer, o alimento é “apenas” informação, o cheiro, a sensação, o sabor, etc., são tudo consequências do quê e como a informação foi composta na comida. Hoje já temos os rudimentos das impressoras 3D de comida que permitirão experiências sensoriais – codificadas em receitas digitais – a serem negociadas em novos mercados digitais. Teremos também alternativas de forma a fazer face à crescente procura de comida, que acontecerá naturalmente em virtude do aumento da população mundial e das mudanças demográficas. As embalagens inteligentes estão mesmo aí ao virar da esquina e mais surgirão a um ritmo acelerado. Isto irá reduzir o desperdício alimentar, que hoje é imensamente elevado, com números na ordem dos 50%. A comida irá também tornar-se mais personalizada e poderá ser facultada a determinados grupos de pessoas com certas necessidades, por exemplo diabéticos, de forma a aumentar a sua qualidade de vida. Uma coisa é certa, a difusão da nanotecnologia vai mudar a vida útil dos produtos atuais até ficarem a par com o ritmo a que a eletrónica se tem vindo a desenvolver nas últimas décadas, ou seja, com novos modelos a cada 18 meses. Portanto, há uma necessidade de projetar um nano-pensamento. A combinação do design, da nanotecnologia e dos modelos de negócios irá permitir o surgimento de inovações radicais.
Respostas rápidas:
O maior risco: A crescente e imparável situação política mundial.
O maior erro: Não estar aberto às mudanças e não convidar os recém-chegados – não os ver e apreciar como elementos importantes que contribuirão para um ambiente mais rico.
A melhor ideia: A ideia que tem e não consegue deixar de pensar nela… atire-se de cabeça. Valerá de certeza a viagem… e a viagem é recompensadora.
A maior lição: Ouça as pessoas, faça perguntas, networking e comunique. Pergunte-se a si próprio as duas verdadeiras únicas questões importantes na vida: Quem sou eu? O que quero? Quando souber as respostas é só seguir nesse sentido.
A maior conquista: A nossa capacidade de comunicar.








