Entrevista/ “A motivação dos empreendedores sociais é muito superior”

Gonçalo Teixeira, general manager do Impact Hub Lisbon, um importante player na ajuda a empreendedores sociais, falou com o Link to Leaders, entre outros temas, sobre o ano que passou, o papel do Estado no empreendedorismo social e as previsões de 2018 para o setor.
Como é que nasceu o Impact Hub Lisbon?
No âmbito do “boom” do empreendedorismo em Portugal fazia todo o sentido que houvesse alguma componente de focos em sustentabilidade e na inovação social. Daí a chegarmos ao Impact Hub foi um salto bastante rápido e conseguimos chegar a um entendimento com a associação dos Impact Hubs em geral que nos permitiu abrir atividade e trazer a entidade para Portugal, sendo que o Impact Hub é obviamente uma rede global, sendo mesmo capaz de ser uma das maiores redes de empreendedorismo que existe atualmente no mundo.
Como a altura do ano pede, peço-lhe que faça um balanço de 2017 do Impact Hub Lisboa.
Foi muito bom. Ainda não temos sequer um ano de atividade no nosso novo espaço. Os nossos critérios de atuação são desde a nossa comunidade, portanto os nossos residentes e aqueles que aderem de alguma forma à nossa mensagem, os nossos stakeholders e o impacto que de alguma forma tudo isto traz.
Em 2017 passámos de um espaço piloto de não mais de 100 metros quadrados para quase 500 metros quadrados. Um outro indicador é que tínhamos uma comunidade bastante reduzida no espaço piloto e, hoje, em termos de residentes, temos uma média de 140. Diria que fazem um total de 140 projetos, falamos de uma média de uma pessoa por projeto.
Temos outro indicador importante que tem a ver com a mensagem que queremos passar para a sociedade. Fazemos isso através de vários eventos, como de inspiração, talks, workshops e, durante 2017, tivemos uma frequência média de 1000 pessoas por mês a virem às nossas iniciativas. Isto são indicadores que se traduzem do ponto de vista de comunidade. Há um ponto também bastante relevante que se traduz naquilo que nós construímos, que tem a ver com os programas de inovação, de aceleração e de incubação. Tivemos, durante 2017, a oportunidade de começar a dar os primeiros passos com três programas de aceleração e incubação com alguns players e parceiros bastante relevantes – dois deles até vão iniciar-se já neste primeiro trimestre de 2018. Portanto, é trabalho que foi feito em 2017. E por fim, não menos relevante, como comunidade que somos acreditamos que o impacto não se faz sozinho, nem só com a comunidade residente e com a que vem aos nossos eventos. Os nossos parceiros institucionais também acrescentam bastante valor e 2017 foi um ano em que conseguimos trazer para dentro do nosso projeto players importantes como o grupo José de Mello, através do programa Grow, o Montepio, a Santa Casa da Misericórdia, a Fundação AGEAS, a Epson Ibéria, a Altice e a Delta Cafés, entre outros.
Qual é o papel destes parceiros no vosso desenvolvimento?
A mensagem não se transmite sozinha e nós queremos definir e ajudar a que a inovação social seja uma referência em Portugal e que o país seja, em si, uma referência do ponto de vista da inovação social. Por isso é importante que os stakeholders nesta área se reúnam à volta de uma mensagem em comum e, acima de tudo, tenham também uma linguagem em comum. Nós, enquanto Impact Hub, acreditamos que estamos a fazer um bom caminho nesse sentido.
A Impact Hub já cumpre oito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Qual é a importância desta matriz para a vossa instituição?
O que queremos dizer com isso é que nós temos, em média, 16 mil start-ups residentes no nosso espaço [a nível global]. Os objetivos de desenvolvimento sustentável lançados pelas Nações Unidas são, para nós, considerados um guideline no desenvolvimento de atividades, iniciativas, projetos, o que for que tenha um relacionamento com o impacto ambiental, social e com a sustentabilidade em geral. Portanto, faz parte dos nossos critérios de avaliação o impacto que temos com os nossos empreendedores e medir em que áreas dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável em que temos aplicações. E, efetivamente, com grande destaque temos em metade deles, em oito, e depois temos pontualmente em alguns outros. Mas isto começou a ser medido há um ano e, portanto, diria que em 2018 vamos ter outra medição para perceber se esses oito aumentaram para mais uns quantos objetivos de desenvolvimento sustentável.
Qual é a sua opinião sobre o empenho do Estado em relação ao empreendedorismo social?
Ninguém tem coragem de dizer que isto não é relevante, não é? Agora, da coragem à execução há um passo grande. Já foi muito importante, no final do ano passado, termos em Portugal a conferência da inovação social promovida pelo comissário da União Europeia, Carlos Moedas, que trouxe esse evento para o nosso país e que foi bastante relevante. Acima de tudo, o que foi bastante relevante foi ver a quantidade de stakeholders internacionais que estavam associados a um evento desta dimensão. Ainda para mais sobre um tema que nós, tradicionalmente, na economia portuguesa associamos um bocado ao terceiro setor.
Nós não vemos isso dessa forma. A inovação social não tem necessariamente a ver com o terceiro setor, tem a ver com transformações que são disruptivas na sociedade e que, obviamente, também envolvem o terceiro setor. Este setor é bastante relevante na medida em que tem, ele próprio, de ser profissionalizado de alguma forma. Também é muito importante ver que o próprio terceiro setor já está a ter uma maior atratividade junto das novas gerações que procuram trabalhar e desenvolver as suas atividades. Portanto, por um lado, existem tendências não só mundiais que levam esta inovação social mais para a frente, mas as [tendências] locais também existem. Nós estamos a tentar, juntamente com esses stakeholders, tanto públicos como privados, que este tema do empreendedorismo social e de impacto seja cada vez mais relevante e que todos nós falemos a mesma linguagem e que, efetivamente, traga um valor acrescentado à sociedade.
O que é que falta no ecossistema de start-ups focadas no empreendedorismo social?
Infraestruturas de suporte, que é parte daquilo que nós estamos a tentar fazer. Temos planos de aumento de atividade através da criação de infraestruturas de aumento de apoio que potenciam a resiliência dos empreendedores sociais. Isto para dizer que para nós, enquanto Impact Hub, há um ponto bastante importante que é a taxa de sucesso das start-ups que residem nos nossos espaços: é superior às taxas de sucesso dos empreendedores normais. Eu não tenho uma justificação lógica para isso, a não ser dizer que a motivação que está por trás dos empreendedores ditos sociais é muito superior à motivação dos empreendedores normais. Não se trata de milhões, em muitos casos, mas trata-se de maior resiliência e, portanto, isso traz maior sucesso, maior impacto local porque resistem mais tempo, porque estão cá mais tempo e porque, efetivamente, há uma motivação diferente. Nós somos um player que pretende aumentar o apoio através de infraestruturas de suporte, seja serviços, espaço, o que for.
Portanto, não faltam empreendedores, mas faltam entidades como a vossa para fomentar o empreendedorismo. Em relação ao Startup Visa, o Impact Hub Lisboa está preparado para receber empreendedores de fora?
Ainda não estamos preparados para isso. Para nós não é absolutamente estratégico. Provavelmente ainda vamos passar pela fase de certificação junto do IAPMEI para sermos candidatos a isso, mas não nos preocupa. Por força das circunstâncias de sermos uma rede global, grande parte dos empreendedores que estão connosco já o são noutros Impact Hubs pelo mundo inteiro. Eles optam por vir para Portugal porque está na moda. Lisboa é uma cidade aprazível e, portanto, vêm para o nosso país por algumas temporadas e escolhem estar connosco porque faz parte do membership de qualquer empreendedor social que está dentro das nossas redes.
Quais são as previsões realistas para o setor em 2018?
Honestamente, acho que estamos a caminhar para uma concentração de esforços no sentido de uma maior promoção do empreendedorismo de impacto social e ambiental. Há alguns parceiros que são referências e estamos alinhados, ao contrário do que é normal noutros setores de atividade, naquilo que é necessário fazer. É absolutamente necessário continuar a incentivar a criação de mercado relevante de start-ups e empreendedores com impacto social e ambiental. Isto porque, infelizmente, o tema da economia social não ficou bem resolvido do ponto de vista público porque não há diferenciação do nosso trabalho. Quando digo nosso não estou a falar do Impact Hub porque acho que é transversal a todos os players que tem de haver uma diferenciação que vai permitir que haja outro tipo de condições de acesso a financiamento, a benefícios, a infraestruturas por parte da dita economia social, que incluí empreendedores sociais. Portanto, acho que caminhamos para aí, agora, se isso vai acontecer durante 2018, tenho dúvidas. O que vai acontecer durante este ano é que vamos dar mais passos nesse sentido. Nós felizmente estamos a conseguir trazer para cá também projetos com financiamento direto da União Europeia, que não passam sequer pelo Portugal2020. Também temos sido apoiados pelos nossos parceiros corporativos que financiam atividade de empreendedorismo social e, portanto, o mercado vai sendo criado. Agora, a rapidez com que esse mercado pode ser criado também depende do interesse público, ou não, em fazê-lo e, aqui, o governo central e local têm um papel a desempenhar.
E na melhor das hipóteses, o que poderia acontecer para o benefício do ecossistema?
“Puxando a brasa à minha sardinha”, nós conseguirmos desenvolver um plano de aumento significativo de condições de apoio ao empreendedorismo social, vulgo infraestruturas físicas e não físicas.
Em relação ao Impact Hub, quais são as vossas expetativas para 2018?
Aumentarmos o nosso espaço de atuação.