Entrevista/ “A indústria criativa deve deixar de ser vista como um nicho e mais como uma forma de alavancar o país”

André Luís, fundador de Trojan Horse Was a Unicorn

É considerado um dos maiores eventos do mundo para o recrutamento de talentos das indústrias criativas e foi criado pelo português André Luís, em Troia. O Trojan Horse was a Unicorn (THU) está de olhos postos no mundo e o encontro internacional de 2023 será realizado fora de Portugal. Em entrevista ao Link To Leaders o responsável do projeto explicou de que forma quer continuar a apoiar os jovens talentos.

Em 2013, André Luís teve a ideia de lançar um evento onde fosse possível criar uma comunidade de criadores, que partilhassem ideias e histórias e, acima de tudo, que se inspirassem mutuamente. Da ideia nasceu o Trojan Horse was a Unicorn (THU). Gradualmente, artistas e criadores de todo o mundo começaram a participar neste evento anual. Os participantes englobam, como é chamada, a Tribo, e têm em comum a paixão pela criatividade.

Depois da edição deste ano, que fez rumar a Troia empresas como a Walt Disney Animation Studios ou a Netflix para contratar perto de mil pessoas, o THU volta a abandonar o país. “De momento, estamos a avaliar qual a melhor região para acolher o próximo evento do THU, mas manteremos a nossa sede em Lisboa e a equipa dividida entre a capital e a cidade do Porto”, contou André Luís ao Link To Leaders, referindo que “2023 será o ano de consolidação do THU com a comunidade mundial do setor e estamos a fechar algumas parcerias que nos dão muito entusiasmo e motivação para o futuro”.

Até lá o THU está a organizar o Sony Talent League, em conjunto com a Sony, e que já vai na terceira edição. O objetivo é dar palco aos maiores talentos mundiais. As candidaturas estão abertas até 8 de dezembro e, pela primeira vez, o Sony Talent League terá o seu bootcamp de três dias presenciais em Espanha, em 2023. 

De que forma o Sony Talent League quer transformar a indústria do entretenimento digital?
O Sony Talent League é um desafio global organizado pela Sony Group Corporation (Sony) e pelo Trojan Horse was a Unicorn (THU) para apoiar o crescimento de jovens criadores e potenciar ideias inovadoras na área do entretenimento digital. Esta iniciativa tem como grande ambição impulsionar os melhores artistas criativos a mostrarem o seu talento e apresentarem ideias irreverentes. Este é o mote de partida para a transformação da indústria do entretenimento digital – dar asas a estes jovens e criar um espaço onde se possam inspirar, aprender e cocriar.

Aquilo que se pretende com esta transformação é fazer do mundo um lugar melhor, através das histórias de arte, criando um bom setor profissional com um ótimo ambiente para os seus profissionais. Com iniciativas como esta, é possível criar uma rede de empresas, profissionais e novos talentos que capacite os artistas e lhes dê oportunidades, tanto a nível profissional como pessoal.

“Nesta indústria, aquilo que os jovens precisam para crescer é que lhes abram portas e é isto que fazemos no Sony Talent League”.

Como têm apoiado o crescimento de jovens criadores?
Nesta indústria, aquilo que os jovens precisam para crescer é que lhes abram portas e é isto que fazemos no Sony Talent League. Os participantes passam a pertencer a uma comunidade mundial, com uma atmosfera tecnológica, digital, artística e muito criativa, onde tudo acontece e onde podem fazer networking. Têm acesso a oportunidades a nível profissional, mentoria dada por nomes reconhecidos e conceituados da indústria, e a financiamento de ideias disruptivas que são apresentadas aos maiores investidores do entretenimento digital.

No Sony Talent League não queremos apenas que os artistas sejam vistos e ouvidos. Queremos capacitá-los, dar-lhes asas para porem os seus projetos em prática, para que as suas ideias saltem do papel, do tablet ou do computador para a vida real. Nesta 3.ª edição, os finalistas receberão, para além de nove semanas de mentoria, até 10 mil euros de financiamento para participar num bootcamp e para suportar os custos de vida durante o desenvolvimento do projeto e terão, ainda, a oportunidade de apresentar o pitch final dos seus projetos a vários investidores da indústria do entretenimento digital. O grande finalista do Sony Talent League terá ainda acesso a um passe completo para o próximo evento do THU.

O que podemos esperar de novidades da terceira edição do Sony Talent League?
Estamos bastante expectantes com esta edição, porque será o primeiro ano em que iremos realizar fisicamente o bootcamp – evento final, onde a comunidade se reunirá para ouvir os pitch dos projetos finalistas e terão a oportunidade de se conhecerem e partilharem experiências e conhecimento. Este evento final irá acontecer em março de 2023, durante três dias.

A iniciativa está aberta a artistas com idades entre os 18 e 35 anos, individualmente ou em grupos de até quatro pessoas, que tenham ideias inovadoras e disruptivas que tenham a arte como o seu ponto de partida, combinando diferentes áreas da criatividade, tais como animação, cinema, videojogos, realidade virtual, fotografia digital, música, multimédia, entre outras. Os cinco finalistas serão anunciados no dia 23 de dezembro e receberão nove semanas de mentoria.

Esta iniciativa terá Shuzo John Shota como presidente dos mentores do Sony Talent League e outros nomes já confirmados, como por exemplo, Kris Pearn, o realizador e produtor de animação que realizou vários filmes, tais como “Chovem Almôndegas 2”, e “The Willoughbys”; Jinko Gotoh, a produtora nomeada para o prémio da Academia que ganhou o BAFTA de Melhor Filme de Animação, muito conhecida pelo seu trabalho em “Klaus”, “Principezinho”, e ”Lego Movie 2”; Kevin Young, diretor criativo e responsável de tecnologia criativa no estúdio londrino The Mill’s London; e Mike Rianda, o cartoonista, realizador e escritor americano, conhecido pelo seu trabalho em “Gravity Falls” e “Os Mitchell Contra as Máquinas”.

De 17 a 19 de março de 2023, durante o bootcamp, será apresentado o pitch final ao júri, que decidirá então o grande vencedor.

“Em Portugal talento não falta, mas o próprio sistema de educação ainda não está preparado para ele”.

O sistema de educação em Portugal está preparado para alimentar as indústrias criativas?
Em Portugal talento não falta, mas o próprio sistema de educação ainda não está preparado para ele. Há uma polarização muito grande, temos jovens talentosos, sobretudo os que voltaram do estrangeiro, que estão a levar a educação para níveis internacionais. Mas, depois, deparam-se com imensas dificuldades em Portugal. Há, portanto, muitas mudanças a fazer a nível do sistema educativo para promover mais a criatividade e a escolha destas carreiras profissionais no futuro.

Para isso, é importante que, por exemplo, os professores sejam também profissionais da indústria para inspirarem e relatarem histórias mais reais e como superaram os desafios. Há professores que não estão minimamente preparados e qualificados para dar aulas nas indústrias criativas. Basta o Governo português ir falar com boas empresas e vai logo perceber isso. É preciso inovar para não ser ultrapassado.

O que falta fazer?
Acho que é mesmo por aqui que Portugal devia começar – olhar para a indústria e perceber quais as suas necessidades académicas, perceber como podem formar os estudantes que, um dia, ingressarão num mercado de trabalho competitivo, criativo, disruptivo e inovador. É também importante que as universidades e professores promovam mais o contacto entre o mundo académico e as empresas que lideram a indústria, para, por um lado, exporem o talento português às oportunidades profissionais, e, por outro, tentarem aumentar a visibilidade e melhorar a reputação do país nesta indústria.

“A indústria criativa pode ser uma grande fonte de receitas para os países que apostam nela (…)”.

Quais os desafios que se colocam às indústrias criativas em Portugal e o que é preciso fazer para impulsionar este setor?
A indústria criativa pode ser uma grande fonte de receitas para os países que apostam nela, além de aumentar a empregabilidade destes perfis e gerar maior atração da própria marca Portugal. O trabalho da THU é ajudar a que a indústria criativa se afirme perante os decisores em Portugal, para que se comece a olhar para o ensino criativo de uma forma completamente diferente do ensino de economia, gestão ou engenharia.
A indústria criativa deve deixar de ser vista como um nicho e mais como uma forma de alavancar o país, como no percurso que tem sido feito com o ecossistema de start-ups e inovação.

Acredita que Portugal tem potencial para se tornar numa referência que reúne condições económicas, culturais e sociais para se tornar atrativo para o talento e para os investidores?
Esta indústria é incrível em qualquer sítio do mundo, inclusive em Portugal. Estamos sempre a reinventarmo-nos. Os criativos são aqueles que vão ao teatro, ao cinema, que estimulam o consumo, que viajam dentro do país em que estão, que se preocupam com a terra, que se preocupam com o seu corpo. Em Portugal, já há indústria criativa e já vemos estúdios a abrir no nosso país. Contudo, ainda não tem o impacto económico, cultural e social que podia ter.

Acho que temos muito potencial, só precisamos de o saber capitalizar, alterando o panorama em que se encontra esta indústria em Portugal. Se houvesse uma indústria criativa forte a nível nacional, a economia teria um crescimento muito expressivo e tornar-se-ia muito mais forte, já que, na sua maioria, são serviços de exportação e funciona com a criação de royalties, pelo que é muito escalável. Adicionalmente, é composta por pessoas que têm a necessidade de estar constantemente a reinventar-se e este movimento e inovação constantes colocariam Portugal num lugar de prestígio internacional.

“As start-ups estão a dar condições para que mais talento se desenvolva, acelere a experiência e aumente o impacto que esta indústria tem na sociedade”

Qual acha que tem sido o contributo das start-ups para este setor?
As start-ups estão a dar condições para que mais talento se desenvolva, acelere a experiência e aumente o impacto que esta indústria tem na sociedade.

Disse recentemente que o futuro do Trojan Horse was a Unicorn (THU) não vai passar por Portugal. Quais os planos para o futuro do THU?
De momento, estamos a avaliar qual a melhor região para acolher o próximo evento do THU, mas manteremos a nossa sede em Lisboa e a equipa dividida entre a capital e a cidade do Porto. Ao sermos uma comunidade mundial, com iniciativas em diversos países, as possibilidades são infinitas. Em dez anos de THU, já temos presença em 111 países, entre os quais o Uganda, a Costa do Marfim e o Japão. O que é facto é que 2023 será o ano de consolidação do THU com a comunidade mundial do setor e estamos a fechar algumas parcerias que nos dão muito entusiasmo e motivação para o futuro.

“(…) prevemos que os primeiros investimentos sejam feitos no início de 2023”.

Quando irá arrancar o fundo de 10 milhões de euros para investir em projetos das indústrias criativas anunciado em setembro de 2021?
O Grupo Impresa foi o primeiro a subscrever e a acreditar no fundo de THU de 10 milhões de euros que pretende apoiar as indústrias criativas e o talento local, com um foco especial nos mais jovens, sendo que os projetos financiados terão de ser implementados em Portugal. Temos vindo a trabalhar neste fundo juntos e prevemos que os primeiros investimentos sejam feitos no início de 2023.

Projetos para o futuro?
Podemos dizer que em março vamos fazer um evento em Barcelona, o “Creators Circle”, focado em liderança e investimento com grande destaque para as mulheres. A verdade é que queremos criar condições para poder trazer mais equilíbrio à indústria do entretenimento digital. Traremos mais novidades muito em breve.

Respostas rápidas:
O maior risco:
A economia mundial (pode alterar tudo nos próximos tempos).
O maior erro: Acreditar na palavra das pessoas (tudo tem que ser assinado).
A maior lição: A resiliência é uma grande virtude (nunca devemos desistir quando acreditamos).
A maior conquista: Fazer o primeiro THU (ainda nem sei como foi possível)

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