Opinião
Mais um mito: “As pessoas não saem das empresas; Saem dos líderes”

Nas redes sociais, no meio de um emaranhado de frases motivacionais que já não motivam ninguém, de pacotes de banalidades embalados em posts de LinkedIn com 1000 likes e 10,000 views reina uma máxima que se repete ad nauseam como frase oca e vazia: “As pessoas não saem das empresas, saem dos líderes.” Ponto final. Sem rodapé, sem nuances, sem contraditórios.
Uma frase mortal e que merece ser aprofunda, caso contrário, apenas empobrece o debate sobre o que significa trabalhar — e viver — dentro de uma organização.
Vamos parar para pensar só um bocadinho: será que é mesmo assim tão simples?
Será que a pessoa que decidiu mudar de país, experimentar uma nova área, empreender, ou basicamente se cansou do setor em que trabalhava, entre vários outros, saiu do líder? Seria simples, seria gostável, mas não é verdade. E se é verdade o mundo tornou-se um lugar para idotas. E eu não acredito nisso.
Será que quem fica, quem resiste, quem muda as coisas por dentro e melhora processos, relações e até cultura — está simplesmente ali porque o líder é simpático? Ou será que há mais, muito mais, do que essa narrativa preguiçosa e inútil, diria mesmo fútil, sugere?
O culto do “líder bonzinho”
O problema desta frase não é apenas a sua banalidade. É a ideia implícita de que o líder é o epicentro absoluto da experiência profissional. É como se todo o resto da empresa fosse um cenário secundário, e os demais colaboradores, meros figurantes num drama de baixo nível onde o “chefe” é o protagonista, o vilão ou o herói, conforme o dia.
Mas não. As empresas não são mercas encarnações do chefe. São sistemas complexos, com cultura, processos, desafios, oportunidades, zonas cinzentas, áreas disfuncionais e áreas inspiradoras. As pessoas não ficam ou saem só por causa de quem as gere. Ficam ou saem porque há — ou não há — projeto, propósito, desenvolvimento, aprendizagem, reconhecimento e, muito frequentemente ficam porque gostam do que fazem.
Resiliência: palavra bonita mas efetivamente complexa
Num tempo em que se celebra a “liberdade para ir embora” como um gesto de auto amor, o que muitas vezes não passa de egoísmo, esquecemo-nos que há outro gesto mais revolucionário: o de ficar e transformar.
Ficar, mesmo com um líder medíocre, e ainda assim fazer crescer uma equipa, entregar resultados, criar pontes, sustentar a cultura organizacional é só para os melhores. É muito melhor isto, muito mais interessante isto que apenas sair. Isto sim, merece palco. Não tem é direito a frases bonitas e a múltiplos likes.
É mais fácil — e muito mais cómodo — adocicar o abandono como uma forma de protesto. Mais heroico. Mais postável. “Saí porque não me valorizavam”, “Saí porque o líder não me inspirava”, “Saí porque o meu propósito não era reconhecido”. Estamos a criar quem? Acéfalos? Com estas frases não vamos longe.
A liderança é importante. Mas não é tudo.
É evidente que maus líderes afetam pessoas. É evidente que há chefias tóxicas, autoritárias, impreparadas. Ninguém nega isso. Mas transformar isso na explicação universal para todas as saídas de profissionais é desonesto. É superficial. É levezinho. Roça até o condicionamento das pessoas e toma-as todas por estúpidas. Não, as pessoas não são estúpidas e, não, as pessoas não andam todas em bandos a atribuir likes a frases doces. Anda um bando, sim, o bando dos likes do costume. Mas não andam todas as pessoas. E entre o todo e uma pequeníssima parte que vai dominando as redes sociais vai uma enorme distância. A que se chama, também, o poder das minorias.
Conclusão 1: precisamos de muito menos frases de efeito fantástico, mas inúteis, e precisamos muito mais de pensamento crítico.
Conclusão 2: dá trabalho pensar; dá muito mais trabalho pensar que postar. Mas se se postar, sugiro que se faça com alguma substância.
E também não deixo de referir: quem sou eu para sugerir o que seja!