Entrevista/ “Mais do que lançar start-ups, queremos lançar uma mudança de mentalidade”

Capacitar um milhão de pessoas a fazer a transição e a relançar as suas carreiras, ajudando-as a criar soluções digitais mesmo sem saberem programar. É este o objetivo do NoCode Institute. Em entrevista ao Link to Leaders, Miguel Muñoz Duarte fala sobre os planos para levar a missão desta academia além-fronteiras e do impacto do programa de aceleração Digital ShiftUP.
Numa altura em que a transformação digital é uma exigência crescente, o NoCode Institute aposta em capacitar profissionais não técnicos para o mundo digital. À frente do projeto, Miguel Muñoz Duarte quer mostrar que inovar e criar tecnologia não tem de ser exclusivo de programadores.
Com uma carreira que passou pelo mundo corporate até chegar ao empreendedorismo, foi durante a pandemia de Covid-19 que descobriu o poder das tecnologias “sem código” – ferramentas que permitem criar soluções digitais sem escrever uma linha de programação. Essa descoberta deu origem ao NoCode Institute, uma academia que aposta na inclusão digital e na capacitação de talentos não técnicos, através de metodologias práticas e de tecnologias acessíveis como o No-Code, a Inteligência Artificial e a automação.
“O NoCode Institute procura capacitar talentos subestimados – pessoas com potencial, mas que pelos seus perfis não técnicos têm menos oportunidades e menos representação na economia digital. São profissionais que estão ou estarão em risco de obsoletização, e ficaram à margem da transformação tecnológica”, explica Miguel Muñoz Duarte, fundador e CEO do NoCode Institute.
O também professor de Empreendedorismo & Inovação na Nova SBE acredita no impacto transformador destas ferramentas e no seu poder para democratizarem o acesso à economia digital a uma escala global.
Miguel conte-nos um pouco do seu percurso até chegar ao NoCode Institute. O que o levou a fundar esta start-up?
Depois de uma carreira corporate em multinacionais de grande consumo, tornei-me empreendedor, mas como não tenho um perfil técnico, sempre achei que a tecnologia era algo inacessível para mim, por isso, os meus negócios eram essencialmente pouco ou nada-digitais.
Na pandemia e perante a necessidade de digitalizar alguns dos meus negócios, e depois de várias tentativas frustradas com o tradicional código, descobri as tecnologias No-Code que permitem que pessoas que não sabem programação como eu consigam desenvolver as suas próprias soluções digitais, em muito menos tempo e com menos investimento.
Perante esta descoberta, ficou claro que era uma oportunidade que podia fazer a diferença na vida de muitas pessoas não técnicas e de muitas organizações que não têm know-how nem os recursos para o desenvolvimento de software mais tradicional. Na altura, decidimos abraçar as possibilidades mais do que as dificuldades, e começámos a testar vários modelos de negócio possíveis, tendo finalmente validado o modelo atual do NoCode Institute.
“Outro momento marcante é ouvir os testemunhos de quem participou nos nossos programas e transformou a sua carreira – seja ao mudar para a área tecnológica ou ao lançar uma ideia que estava na gaveta há anos”.
Que momentos decisivos o marcaram como empreendedor?
Nestes mais de 20 anos como empreendedor, obviamente que houveram vários pontos de viragem e inflexão, e aprendizagem muito importantes, mas como acredito que isto de empreender é uma maratona, prefiro destacar os momentos decisivos diários e constantes que um empreendedor tem que passar. São as pequenas decisões, as pequenas superações, as pequenas evoluções, etc,.. que quando acumuladas fazem uma grande diferença e que mais me marcaram.
Se tivesse que escolher alguns momentos mais estruturantes, obviamente que a decisão de abandonar o conforto de um emprego seguro, relativamente bem remunerado e de uma perspectiva de carreira boa, para lançar o meu primeiro negócio foi marcante. E outro foi sem dúvida nenhuma, no meio da pandemia, decidir aprender algo que me era tão estranho como a tecnologia e mudar de vida novamente.
Outro momento marcante é ouvir os testemunhos de quem participou nos nossos programas e transformou a sua carreira – seja ao mudar para a área tecnológica ou ao lançar uma ideia que estava na gaveta há anos. É nesse momento que percebemos que estamos realmente a mudar vidas.
O que é, na prática, o NoCode Institute e qual a sua missão?
O NoCode Institute é uma academia de requalificação digital democrática e inclusiva que forma talentos não técnicos que estão em risco de obsolescência digital, para que possam construir, inovar e prosperar na nova economia, sem precisar escrever código.
A nossa missão é fazer o empowerment de 1.000.000 de talentos não técnicas para que transitem e avancem na economia digital, com as competências e mentalidade certas para criar valor com autonomia e velocidade. Fazemos isso através das tecnologias mais democráticas e inclusivas (como por exemplo No-Code, IA, Automações, etc…) e de um modelo pedagógico prático, engaging, escalável e comprovado, para nos tornarmos uma referência internacional na requalificação digital (upskilling e reskilling).
Temos apostado também na inclusão de mulheres, migrantes e de outros grupos sub-representados na tecnologia (…)”.
Que tipo de perfis procuram formar e capacitar?
O NoCode Institute procura capacitar talentos subestimados — pessoas com potencial, mas que pelos seus perfis não técnicos têm menos oportunidades e menos representação na economia digital. São profissionais que estão ou estarão em risco de obsoletização, e ficaram à margem da transformação tecnológica. Acreditamos que o problema não está na capacidade destas pessoas, mas sim nas barreiras de entrada que o mundo digital ainda impõe.
Temos uma grande diversidade de perfis e dependente do programa em questão. Entre os perfis que já trabalhámos, destacam-se os profissionais maduros em risco de obsolescência — pessoas com anos de experiência em áreas tradicionais como administração, vendas, recursos humanos ou comunicação, que sentem a necessidade urgente de se reinventar num mercado cada vez mais digital.
Temos apostado também na inclusão de mulheres, migrantes e outros grupos sub-representados na tecnologia, oferecendo-lhes as ferramentas e o suporte para que possam participar ativamente da economia digital. Porque a diversidade é cada vez mais um eixo estratégico. Outro grupo importante são os jovens que não estão já a estudar e ainda não estão a trabalhar e que procuram não só descobrirem-se como ainda encontrar uma diferenciação real para entrar no mercado de trabalho.
Finalmente, com o programa Digital ShiftUP, incluímos também empreendedores e criadores com ideias sólidas, mas que não dominam programação e precisam de autonomia para tirar projetos do papel com rapidez. São pessoas com visão de negócio, mas que esbarram nas limitações técnicas ou nos custos de desenvolvimento.
Em comum, todos os nossos alunos partilham três características: não têm formação em programação, têm vontade de aprender e criar, e procuram um caminho acessível e eficaz para transformar a sua carreira ou lançar os seus próprios projectos no digital.
Como vê o impacto do No-Code na transformação digital das empresas e das carreiras?
O impacto destas tecnologias mais democráticas na transição e transformação digital — tanto de carreiras como de empresas — tem um potencial de ser profundo e cada vez mais evidente. Começando pelas carreiras, o No-Code e as tecnologias sem código abrem portas que até há pouco tempo estavam fechadas a quem não sabia programar. Profissionais de todas as áreas podem agora requalificar-se e tornar-se criadores de soluções digitais, aumentando a sua relevância no mercado e a sua empregabilidade. Numa economia cada vez mais tecnológica, estas competências que treinamos funcionam como uma porta e um atalho inteligente para quem quer evoluir sem ter de passar por anos de formação técnica mais tradicional.
Do lado das empresas, representa uma mudança de paradigma. Em vez de depender exclusivamente de equipas técnicas sobrecarregadas e ciclos longos de desenvolvimento, as organizações passam a contar com equipas multidisciplinares capazes de criar soluções digitais de forma autónoma e ágil. Isto acelera a inovação, reduz custos e permite validar ideias com muito mais rapidez. Democratiza-se o poder de construir — e isso é um enorme salto em direcção à verdadeira transformação digital.
Para além disso, tem um impacto social importante: reduz barreiras de entrada, promove inclusão e combate a obsolescência profissional. Num mundo onde milhões de pessoas estão em risco de exclusão digital, dar-lhes ferramentas para criar e inovar sem código é uma forma poderosa de os recolocar no centro da economia do futuro.
Em resumo: acreditamos que não é apenas uma moda nem sequer uma tendência tecnológica. É uma força transformadora com potencial de redistribuir o poder de construir e criar novas oportunidades para pessoas e organizações com menos recursos.
“O NoCode Institute lançou o Digital ShiftUP como resposta direta a uma das maiores barreiras ao empreendedorismo digital em Portugal: a dependência de competências técnicas para desenvolver produtos digitais”.
O que levou o NoCode Institute a lançar o Digital ShiftUP?
O NoCode Institute lançou o Digital ShiftUP como resposta direta a uma das maiores barreiras ao empreendedorismo digital em Portugal: a dependência de competências técnicas para desenvolver produtos digitais. Com o apoio do Santander X e dezenas de parceiros do ecossistema de inovação como a rede nacional de incubadoras da Startup Portugal, este programa gratuito foi criado para capacitar empreendedores, start-ups e profissionais independentes a desenvolver MVPs (Produtos Mínimos Viáveis) escaláveis, sem necessidade de saber programar.
Existem estatísticas que dizem que 60% dos empreendedores portugueses não têm competências técnicas suficientes para criar soluções digitais. Esta lacuna compromete o potencial de inovação, validação de ideias no mercado e escalabilidade dos negócios. O Digital ShiftUP surge assim como uma ponte entre talento empreendedor e execução tecnológica — através da utilização de ferramentas No-Code e Inteligência Artificial — capacitando os participantes a criarem websites, apps, automações, bots ou soluções digitais reais, sem escrever uma única linha de código.
O objetivo é claro: acelerar o desenvolvimento de soluções inovadoras, tornando a tecnologia acessível a mais pessoas, e impulsionar a criação de startups com autonomia, agilidade e impacto. O programa combina formação prática, mentoria especializada e acesso a recursos valiosos num percurso de 24 semanas, totalmente online, que culmina com um Demo Day de apresentação dos projetos a potenciais parceiros e investidores.
O que espera deste programa?
O que esperamos com este programa vai muito além dos números. Naturalmente, temos metas concretas: capacitar 150 participantes e apoiar o lançamento de 50 MVPs digitais reais. Mas o verdadeiro objetivo é provar que existe uma nova forma de empreender — mais acessível, mais ágil e mais inclusiva. Queremos demonstrar que já não é preciso ter uma equipa técnica nem levantar financiamento para validar uma ideia e lançar um produto digital.
Esperamos inspirar uma nova geração de fundadores: mais autónomos, com competências digitais práticas, e com coragem para experimentar, testar e aprender com o mercado. Acreditamos que, ao democratizar o acesso à criação tecnológica com ferramentas No-Code e IA, estamos também a desbloquear talento e inovação que, até agora, estavam à margem do ecossistema.
Mais do que lançar start-ups, queremos lançar uma mudança de mentalidade — onde a capacidade de execução conta mais do que o pedigree técnico, e onde a tecnologia serve o propósito, e não o contrário. O Digital ShiftUP é um convite à ação: menos barreiras, mais impacto.
“No final, não saem apenas com conhecimento – saem com um MVP funcional nas mãos, pronto a ser testado e validado no mercado real”.
Que competências principais os participantes adquirem com este programa?
Os participantes saem deste programa com um conjunto robusto de competências práticas para o desenvolvimento de produtos digitais — mesmo sem qualquer background técnico. Aprendem a utilizar ferramentas No-Code e Inteligência Artificial para criar websites, apps, automações e soluções escaláveis, de forma autónoma.
Além da vertente tecnológica, adquirem competências fundamentais de empreendedorismo digital: desde a validação de ideias com Customer Discovery, ao design de soluções centradas no utilizador, passando por metodologias ágeis como Lean Startup, prototipagem rápida, testes com utilizadores e iteração contínua.
Aprendem também a estruturar modelos de negócio viáveis e a comunicar as suas ideias de forma convincente através de pitching eficaz. No final, não saem apenas com conhecimento — saem com um MVP funcional nas mãos, pronto a ser testado e validado no mercado real.
Considera que o “No-Code” vai democratizar o acesso ao desenvolvimento digital?
Para nós, apesar do nome poder ser assumido num sentido mais estrito apenas como ferramentas de desenvolvimento ou programação visual, gostamos de integrar todas as tecnologias que permitem desenvolver software “Sem Código”, incluindo Low-code, Inteligência Artificial, Vibe Coding e outras tecnologias.
Nesse sentido, não só permite democratizar e permitir que mais pessoas possam dar forma às suas ideias e projectos, mas também acreditamos que irá revolucionar a forma de prototipar e desenvolver as primeiras versões para testar rapidamente, o que é crítico no empreendedorismo.
Como vê o ecossistema digital e de inovação em Portugal neste momento?
O Ecossistema empreendedor tem vindo a crescer de uma forma impressionante nos ultimos 20 anos. Quando me lembro de como era quando empreendi pela primeira vez em 2004, por vezes custa-me até a acreditar. No entanto, temos ainda muito por crescer.
Portugal tem talento e criatividade de sobra, mas o empreendedorismo digital está ainda muito concentrado e dependente de perfis técnicos. Falta por isso alguma inclusão digital e capacidade de execução rápida. Precisamos de abrir espaço a mais empreendedores com backgrounds diversos e dar-lhes ferramentas para inovar. Precisamos de abrir espaço a mais criadores e empreendedores com backgrounds mais diversos, e dar-lhes ferramentas para inovar. É aqui que o Digital ShiftUp pode fazer a diferença.
Que conselho daria a alguém que quer reinventar-se profissionalmente com o digital, mas não sabe por onde começar?
Comece por experimentar. Junte-se a nós nesta caminhada. Inscreva-se num dos programas que estamos sempre a abrir. Pode começar de forma simples, criar o seu primeiro projeto e ver que é possível. O digital é hoje um caminho aberto para todos — só precisa de dar o primeiro passo.
“Estamos neste momento a trabalhar em novas edições de alguns programas como, por exemplo, o “Descodifica-te” para Mulheres ou a “Academia de Novos Talentos Digitais” para profissionais em fase de transição (…)”.
Projetos para o futuro do NoCode Institute?
Estamos neste momento a trabalhar em novas edições de alguns programas como, por exemplo, o “Descodifica-te” para Mulheres ou a “Academia de Novos Talentos Digitais” para profissionais em fase de transição, mas também a preparar novos programas para novos públicos-alvo como profissionais +50 anos, jovens NEET ou deficientes.
Por outro lado, vamos lançar novos programas mais avançados de especialização com novas tecnologias e com parceiros globais, e vamos trabalhar cada vez mais com empresas no upskilling das suas equipas.
Finalmente, temos como intenção escalar internacionalmente para que a capacitação “sem código” se torne num pilar da transformação digital em maior escala.
Respostas rápidas:
Maior risco: Uma pessoa perder-se a si mesma.
Maior erro: Não ouvir a nossa intuição.
Maior lição: Pensar sempre “o que de pior pode acontecer?” para perceber que não é assim tão mau.
Maior conquista: A minha família e as equipas com quem tive o prazer de trabalhar.