Opinião

Vem aí uma nova Índia?

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School*

Aparentemente sim, com consequências em vários planos. Há quem veja nela o fechar do circuito de uma Índia intelectualmente avançada, que com a capacidade de criar riqueza suscitou a ganância dos europeus. Estes chegaram lá, dominaram passo a passo, com alianças e traições sucessivas, na obsessão da conquista e exploração.

Fechar do circuito, interrompido com a ida de Vasco da Gama num gesto ousado, para além do trabalho bem programado, científico, de análise e aprendizagem constante. Mas não foi lá para encontrar uma Índia que conhecemos nos últimos 50 anos ou mais, mas uma Índia próspera, da qual muito se podia trazer para se enriquecer e ‘fazer figura’.

Autores ingleses são terminantes em afirmar que mesmo no século XVII, a zona que é hoje a Índia, produzia 27% da riqueza mundial, e a Europa mal chegava aos 23%.[1]

E chegaram os ingleses e dominaram o sub-continente. Levaram tudo quanto puderam através da East India Co.; e mais, para vender os seus produtos feitos de algodão da Índia destruíram a indústria local indiana. Quem poderia imaginar que na retirada inglesa, a Índia já só produzia 3% da riqueza mundial? E a Inglaterra, de 1,8% em 1600, produzia 9,1% em 1870!

Não é despropositado lembrar que na 2.ª metade do século XIX e na 1.ª do século XX, terão morrido de fome e de epidemias entre 14 a 29 milhões de cidadãos, sem que o colonizador tivesse mexido um dedo. Muito pior: só no ano 1943 morreram de fome 4 milhões de “bengalis” porque Churchill impôs que não se distribuissem alimentos à população moribunda e às portas da morte, pois poderiam fazer falta aos ingleses. E, entretanto, muito alimento foi desviado para a Europa. Não estou a falar de Hitler, falo de Churchill!

É a triste história dos países dominados por bárbaros. Não há ciência nem elaboração intelectual com fome e atrocidades dos exploradores. Quando a independência se dá e se produzem alimentos suficientes, há condições para se tomar o destino nas mãos: alimentar toda a população e criar condições para a mente humana dar o melhor de si.

É o que se passa. Depois de 43 anos logo após a independência, com crescimentos irrisórios, a partir de 1991 a Índia começa a ser ela própria, num modelo económico de livre iniciativa. E a economia cresce, a instrução é generalizada, havendo que melhorar a qualidade; há treino profissional, para se ter especialistas manuais necessários, com melhores remunerações. A saúde vai alcançando quase toda a população e os padrões de assistência vão melhorando. A agricultura moderniza-se, é excedentária, podendo-se vender mais de 20 milhões de toneladas de cereais por ano; todas as frutas em abundância. As indústrias estão em crescimento e há lugar para mais investimentos. A construção civil e as obras públicas transformam o panorama e as comunicações físicas dentro do país. As ligações aéreas pujantes, bem como as ferroviárias.

A telefonia móvel e a internet em explosão: mais de 1000 milhões de linhas de rede móvel ativas, com custos irrisórios. O turismo interno é fortíssimo, sinal de recursos e desejo de conhecer o país. Os estrangeiros têm de saber mais sobre o que o país pode apresentar e ensinar, para começarem a vir em quantidade. O turismo de saúde está animado, com muitos hospitais certificados, com ótimos especialistas; abundante produção de fármacos (com garantia FDA), que ao ser grande é acessível no preço.

As universidades aumentam em número e qualidade. Tem hoje 882 universidades e mais 40 mil Colleges filiados, com bom nível, como em medicina, engenharias, management, farmácia, ciências, direito, etc.

Há disponibilidade de pessoal altamente qualificado para a investigação, a ponto de as multinacionais (MNC) terem uma grande operação na Índia. De facto, cerca de 1000 MNC têm centros de I&D aqui.

A par das necessidades próprias, ela também alimenta de médicos, engenheiros, dirigentes de empresas, professores, cientistas…, países como os EUA, UK, Australia, Canadá, etc. Mas a arrogância destes faz perder o sentido de justiça: ficam no favor em receber especialistas já preparados e não pensam na obrigação de devolver o elevado custo dessa formação. Com essa eventual receita, a Índia poderia criar mais universidades, para responder à avidez de aprender da sua juventude….

É esta a Índia que está a ressurgir, bem enraizada no seu passado, num clima pacífico, de liberdade, com carências que foram impostas, querendo fazer muito e depressa para elevar o seu povo. Foi ‘depenada’ e arrasada. Não foi pobre sempre, pelo contrário. Foi a inteligência, a sabedoria e a riqueza produzida que a fizeram apetecida e alvo da conquista e saque.

* Professor da AESE- Business School

[1] Cfr. Angus Maddison. Cfr. William Darlymple.

(Artigo publicado no Diário de Notícias)

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Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro, cofundador e professor da AESE, é Visiting Professor da IESE-Universidad de Navarra, Espanha, do Instituto Internacional San Telmo, Seville, Espanha, e do Instituto Internacional Bravo Murillo, Ilhas Canárias, Espanha. É autor do livro “O Despertar da India”, publicado em português, espanhol e inglês. Foi diretor-geral e vice-presidente da AESE (1980 – 1997), onde teve diversas responsabilidades. Foi presidente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India e faz parte da atual administração. É editor do ‘Newsletter’ sobre temas da Índia,... Ler Mais..

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