Opinião
Liderança no feminino
Li recentemente num artigo que as mulheres na liderança são mais propensas a trabalhar com uma mentalidade criativa e a jogar para que todos ganhem.
Conheci ao longo da minha vida várias líderes femininas e reconheço que talvez pela capacidade inata na gestão familiar, todas eram capazes de unir equipas e mobilizá-las para causas ou objetivos comuns.
A única experiência de liderança pessoal que tive foi como presidente da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo, uma associação sem fins lucrativos que fundei com duas antigas alunas, em maio de 2005. O objetivo da Associação era o estudo e a divulgação das normas de Cerimonial e Protocolo, no âmbito oficial e empresarial, a sua origem, evolução, influência e finalidade, bem como consultadoria neste domínio. Sabia que existiam várias associações em Espanha e na América Latina e acreditava que Portugal também deveria ter este tipo de entidade.
Liderar um projeto destes num país tão pouco dado ao associativismo sem fins lucrativos, não se afigurava tarefa fácil. Mas quem lidera tem de ter persistência. Precisava de encontrar pessoas que também acreditassem na viabilidade deste projeto para o conseguir levar avante.
Na primeira fase, não tendo a Associação fundos próprios, só podia convidar para me acompanhar pessoas em regime de voluntariado nos tempos livres. Consegui encontrar 10 entusiastas e com os 50 euros que cada um pagara de inscrição para ser associado da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo, o nosso capital inicial eram 500 euros.
Percebi que para liderar este projeto tinha de ter capacidade de compartilhar a gestão, delegar e ouvir os colaboradores. Reunimo-nos para decidir os passos seguintes. Todos concordávamos que era preciso dar a conhecer a nova Associação. Houve quem considerasse que era indispensável criar um logo, para termos uma identidade própria, mas descobrimos que isso nos custaria o capital de que dispúnhamos. Uma campanha de publicidade também não fazia sentido.
Resolvi arriscar. Sugeri que o melhor seria fazermos umas jornadas internacionais de protocolo no final desse ano. O resto da Direção achou que eu estava a dar um passo grande demais e que não tínhamos capital para as realizar.
Lembrei-lhes que o capital humano que tínhamos se baseava numa qualidade, que eu sempre cultivara: criar ligações fortes em vários setores e manter ativo um bom networking. Assim, avançámos com motivação e empenho, tendo conseguido que uma instituição com tanto prestígio como a Fundação Calouste Gulbenkian acreditasse em nós e nos cedesse uma sala para realizarmos as Jornadas Internacionais, em novembro desse ano. Com este patrocínio, foi mais fácil motivar a equipa para ir bater a outras portas e conseguir mais apoios.
Faltava a parte científica. Ao longo dos anos eu fora sempre a única portuguesa a participar em congressos no estrangeiro, onde conheci grandes oradores, com quem estabelecera relações de amizade e partilha de conhecimentos. Sabendo que viriam todos para um congresso em Espanha, no final do mês de novembro, onde eu também ia ser oradora, convidei-os a incluírem no bilhete uma paragem em Lisboa para serem oradores nas Primeiras Jornadas de Protocolo em Portugal. Outra das qualidades de um bom líder é ser um bom estratega e assim consegui que todos aceitassem o convite o que nos poupou ter de lhes pagar os bilhetes de avião transatlânticos.
Outra qualidade da liderança é ser capaz de criar uma equipa que vista a camisola e animá-los a usarem os seus próprios talentos nas áreas onde forem necessários. A equipa organizadora das I Jornadas Internacionais de Protocolo (JIP) empenhou-se e conseguiu patrocínios de um hotel, de uma empresa de limousines e até conseguiu que fossem recebidos à chegada ao aeroporto como VIPs.
A liderança feminina também se caracteriza pela atenção aos detalhes. Como todos os oradores falariam de graça, foram os detalhes do acolhimento que os fizeram sentir-se bem recebidos. E para que pudessem conhecer os oradores portugueses que iriam falar no dia do seguinte, a equipa organizativa das JIP conseguiu ainda que um patrocinador oferecesse um jantar na véspera das Jornadas que foi muito apreciado por todos.
Ao longo do dia em que decorreram as JIP percebi que tinha uma capacidade muito feminina para resolver várias questões ao mesmo tempo. Estas foram as primeiras de muitas edições das Jornadas Internacionais de Protocolo com grande sucesso, que nos deram receitas de atividades próprias e alento para prosseguir no rumo traçado.
E assim liderei a Associação durante 17 anos, dois deles em regime de pandemia, mas em que nunca deixou de realizar o único encontro anual a nível nacional que reunia pessoas vindas de todo o país e também do estrangeiro para ouvir grandes especialistas de várias nacionalidades.
Sendo a APOREP a entidade de referência nacional no domínio do cerimonial e do protocolo, lembrei-me de que outra qualidade dos grandes líderes é saber preparar a saída. Tinha conseguido contruir uma equipa coesa e com talentos diversos que, estava certa, conseguiria seguir o rumo traçado desde a fundação. Reagiram com surpresa ao anúncio na Assembleia Geral, em maio de 2022, de que ia abandonar a Direção, para dar a hipótese de renovarem a equipa com gente com mais ideias e mais forças do que eu.
A confiança que neles demonstrei tinha razão de existir e com a minha jogada ganhamos todos, porque conseguiram organizar umas jornadas internacionais com grande êxito no final do ano passado provando que a Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo veio para ficar.