Opinião

Liderança artificial

João César das Neves, economista e professor catedrático

Todos vamos ter de nos adaptar à era da inteligência artificial. O que isso significa ninguém realmente sabe, porque ainda não vivemos nessa era.

Aquilo que existe, até agora, são apenas arremedos, prolegómenos a algo que só as gerações futuras conhecerão em pleno. Mesmo assim, vamos ter de nos adaptar, algo especialmente difícil precisamente por não vivermos ainda aí em pleno. Para os líderes, essa espinhosa adaptação exige alguns princípios fundamentais.

O primeiro é que os chefes não se podem dar ao luxo de fazer aquilo que ocupa quase todos os outros. Nesta alvorada da robótica dominam quatro atividades principais. A maioria brinca com os algoritmos, procurando saber até onde conseguem ir. Em seguida surgem os eufóricos, que os querem usar em tudo, exaltando as maravilhas que a tecnologia nos dará. Há também os que estão em pânico com as desgraças potenciais sobre a humanidade (incluindo alguns dos melhores especialistas). Finalmente, começam a aparecer muitos a usar os métodos para roubar, enganar e ludibriar. Só que, por fascinantes que estas atividades sejam, no fundo são todas ociosas ou negativas. Para o dirigente, a inteligência artificial interessa apenas na medida em que possa ser usada produtivamente no governo da instituição.

O segundo princípio que o chefe tem de saber é que, embora ainda não tenhamos entrado na era da inteligência artificial, ela já pulula à nossa volta. Motores de busca, publicidade dirigida, recomendação de produtos, tradução automática, sistemas de navegação com GPS, jogadores digitais e muito do apoio ao cliente hoje utiliza tais meios. São estes os arremedos e prolegómenos, mas já bastante reais.

O terceiro aspeto sobre a inteligência artificial é que ela não é inteligente. A única inteligência que existe é a natural. As máquinas não conseguem pensar. Temos de resistir à tendência natural para humanizar o nosso interlocutor, sob pena de cometer um horrível erro categórico. É verdade a partir de 1950 a arrogância dos investigadores tem promovido esta falácia (aliás implícita na fraude chamada “teste de Turing” que iniciou o movimento), mas o bom líder não pode cair nela.

O quarto ponto está ligado com o anterior: o gestor competente só pode usar os modelos se souber bem o que eles realmente são. Trata-se apenas de programas informáticos que, treinados numa vastidão de textos, imagens, sons ou outras formas de comunicação, conseguem responder a solicitações, reproduzindo linguagem coerente. Dito de outra forma, a inteligência artificial é apenas uma forma glorificada de plágio, o que renova o elemento de engano.

Isso não quer dizer que a técnica não seja útil. Muita da criatividade humana, na arte como nos negócios, implica imitação implícita. Mas se o líder não souber que aquilo que obtém do modelo é a digestão de montanhas gigantescas de informação muito variada e desigual, vai ter surpresas desagradáveis. A máquina não pensa. Limita-se a calcular o mais provável vocábulo, som ou pixel que se segue aos anteriores.

Sabendo isto, alguns corolários saem imediatamente. Os algoritmos são muito melhores na forma que no conteúdo, na exploração que na elaboração. Dão excelentes sugestões, não respostas definitivas. Trata-se de modelos de linguagem, não de análise, criatividade ou compreensão. Todos conhecemos pessoas ‒ normalmente políticos, advogados, ou jornalistas ‒ que conseguem produzir discursos empolgantes, dramáticos e convincentes sobre assuntos que realmente desconhecem. Esta é a base do populismo e também da inteligência artificial.

O quinto princípio é o mais importante: não existe liderança artificial. O ser humano tem de estar sempre no comando. Deixar-se guiar por uma máquina, como por um animal, um bêbedo ou um doido, é desgraça.

Estamos a entrar na era da robótica, que certamente modificará, para o bem e para o mal, muitas das realidades que conhecemos. O bom líder tem de, serenamente, considerar estes instrumentos como eles são. Não desdenhando o que podem dar, mas nunca se deixando capturar por eles.

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João César das Neves

João César das Neves

Licenciado e doutorado em Economia, João César das Neves é professor catedrático e presidente do Conselho Científico da Católica Lisbon School of Business & Economics, instituição onde, ao longo dos anos, já desempenhou vários cargos de gestão académica. Também possuiu um mestrado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa e um mestrado em Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas pelo Instituto Superior Técnico. Ao longo do seu percurso profissional também esteve ligado à atividade política. Em 1990 foi assessor do... Ler Mais..

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