Opinião

Lealdade à marca, uma coisa do passado ou uma urgência para o futuro?

Susana Duro, Senior Marketing Manager na Coca-Cola Europacific Partners

Há uns dias fui ter reunião numa empresa e estando o meu interlocutor atrasado, pediram-me para beber um café na copa enquanto aguardava.

Era meio da manhã e apareceram alguns funcionários para o lanche. Uma das pessoas retirou a comida da lancheira e foi de imediato alvo de críticas de dois colegas:

– O quê?? Tu compras essas marcas??? Mas tu és rico e não dizes nada? Das duas uma ou gostas de esbanjar dinheiro ou deves andar a nadar em ouro e trabalhas aqui porque és maluco!

Tu já viste a diferença de preço para a marca própria e olha que não noto grandes diferenças na qualidade. A mim não me vês a gastar dinheiro assim. Compro duas ou três marcas porque aí noto mesmo diferença (não vou referir quais para não ferir suscetibilidades), mas mais nada.

Não foi a primeira vez que ouvi uma conversa deste género, mas a forma como este assunto foi debatido, o ênfase que foi dado deixou-me bastante pensativa e preocupada.

Vivemos tempos em que existe uma grande preocupação com os gastos mensais e temos muitas famílias a fazer verdadeiras acrobacias financeiras para poder pagar todas as despesas. O aumento do custo de vida fez com que a mente do consumidor esteja cada vez mais focada em preço e em promoções.

Longe vão os tempos em que as marcas eram os produtos e havia legiões de consumidores totalmente fiéis às suas marcas de eleição, chegando a percorrer várias lojas até as encontrar.

Hoje temos tanta oferta para o mesmo produto que até nos perdemos na escolha do mesmo. Vivemos tão acelerados, onde tudo muda tão rápido que todos os dias “nascem” e “morrem” marcas sem que ninguém se aperceba. Vivemos num mundo do consumo rápido, do aparecer nas redes sociais, do quem não aparece esquece, do estarmos conectados a toda a hora, mas por vezes completamente desconectados do mundo que nos rodeia. Em contraponto a estas tendências e quando falamos de marcas onde fica a lealdade? Será uma coisa do passado e em decadência?

Andei a investigar um pouco este tema e uma coisa continua a ser uma verdade incontestável, a lealdade à marca continua a ser um dos elementos mais importantes na estratégia de negócios que poderá levar a um crescimento de longo prazo. A marca é sem dúvida um dos maiores e mais valiosos assets de uma empresa, é o que faz com que a empresa seja instantaneamente reconhecida (apesar de muitas vezes o consumidor não associar a marca à empresa) e muitas vezes o seu valor sobrepõe-se à própria empresa.

Mas afinal o que é a lealdade a uma marca?

Lealdade a uma marca é quando o consumidor associa sensações positivas relativamente a essa marca e continua a comprá-la independentemente da concorrência, do preço ou mesmo da conveniência na compra. Quando a marca ganha a confiança do consumidor pode criar um sentimento de lealdade que poderá durar toda uma vida. A lealdade à marca está relacionada com a forma como o consumidor se envolve com a mesma e partilha dos seus valores. Trata-se de construir um relacionamento com o consumidor baseado em cada interação que eles têm com o produto/ serviço ou com a comunicação. A forma como valorizam a marca nas suas vidas e como é que a experiência que eles recebem constantemente condiz com as suas expetativas.

Quando olhamos para o mercado verificamos que continuam a existir marcas com consumidores muito fiéis. Não falamos apenas de marcas de posicionamento premium (Rolex, Louis Vuitton, etc…) ou com valores de compra elevados (automóveis, por exemplo), mas também de bens de grande consumo. Há quem não passe sem a sua marca de iogurtes, de bolachas, de detergente, etc.

Basta pensarmos em nós, certamente todos temos uma mão cheia de marcas sem as quais não passamos, eu tenho várias, desde o queijo fresco, ao shampoo, dentífrico, relógios, etc. Existem marcas que já trazem a sua legião de consumidores fiéis há décadas e cujo hábito de consumo passou de pais para filhos e outras, há mais recentes, que conseguiram criar esta lealdade à marca em tempos mais desafiantes.

A grande questão é como podemos fidelizar os nossos consumidores?

Os consumidores lembram-se da sua melhor, pior e última experiência com a marca. Estudos sugerem que 1/3 das pessoas deixa de comprar uma marca que gostava depois de ter tido apenas uma má experiência. Isto significa que uma experiência de qualquer tipo que a pessoa tem com a marca pode ao mesmo tempo significar um aumento da lealdade ou terminar a “relação”.

O segredo está em conhecer os consumidores melhor do que ninguém. Se a lealdade é sobre alimentar o envolvimento e afinidade no longo prazo, as estratégias de fidelidade devem abranger toda a experiência que as pessoas têm – desde a sua primeira interação com a marca. No entanto, os estudos indicam que apenas uma pequena percentagem dos consumidores acredita que as marcas estão a tentar conhecer e satisfazer as suas necessidades.

Construir uma imagem do que os indivíduos valorizam em relação a uma marca é uma etapa vital para proporcionar uma ótima experiência ao cliente. As marcas não podem considerar-se apenas um negócio de produtos ou serviços – elas precisam de gerar expetativas, de serem capazes de se adaptar às necessidades dos consumidores e transformá-las em experiências em todos os canais onde estão presentes. Ser capaz de envolver emocionalmente os consumidores e encorajá-los a regressar requer que uma marca consiga construir experiências cada vez melhores mais significativas, com propósito e memoráveis.

Consumidores fiéis tornam-se embaixadores da marca, além de que é mais barato e eficaz fidelizar clientes do que conquistar clientes novos.

Não é uma tarefa nada fácil conquistar consumidores fiéis. Os consumidores estão melhor informados e têm mais escolha do que nunca, existem tantos diferentes perfis de consumidores que do ponto de vista de uma estratégia de marketing é completamente impossível atender às necessidades de todos. É necessário ser muito criterioso na definição do target e do posicionamento da marca. E a partir daí definir uma estratégia de fidelização.

Em vários estudos realizados é realçado o fato de existirem muitos consumidores que procuram mais do que um produto ou serviço, procuram uma conexão com a marca com quem interagem. Estes consumidores querem sentir que fazem parte de uma comunidade e serão leais a uma marca que partilhe dos seus valores, que seja autêntica, que cumpra as suas promessas.

Os consumidores estão mais conscientes sobre as decisões de compra e mais propensos a valorizar a comunidade e as experiências em detrimento dos descontos.

Deixo alguns pontos que considero importantes para gerar fidelização:

  • Criar conteúdo único

Uma maneira de envolver os clientes, especialmente a Geração Z, é criar conteúdo exclusivo e valioso que vá ao encontro aos seus interesses e necessidades. As empresas podem usar o conteúdo para comunicar o seu propósito, para compartilhar os seus valores, educar clientes e construir uma comunidade em torno da sua marca.

Por exemplo: A missão da Tesla é acelerar a transição do mundo para o transporte sustentável. A empresa habilmente mostrou o seu focus em salvar o planeta. É mais fácil para os consumidores ligarem-se a uma marca com uma causa do que a uma empresa totalmente focada nos lucros.

  • Seja autêntico e fiel aos seus valores

Se o propósito da marca parecer inventado e inautêntico, nunca terá uma conexão genuína com o target. É por isso que é essencial ser autêntico. Autenticidade constrói confiança. Conte histórias, compartilhe reviews de consumidores, histórias de fundadores e funcionários, depoimentos. Os consumidores confiam mais nos conteúdos criados pelas pessoas do que pelas marcas. Walt Disney reconheceu que, acima de tudo, a lealdade à marca começa com uma relação autêntica.

  • Comunidade e conexão – ouça os consumidores/clientes

As empresas também podem promover a fidelidade do consumidor criando comunidades e conexões, fornecendo fóruns e outros espaços onde os clientes podem interagir com a marca. Os clientes querem ser ouvidos e compreendidos. As empresas devem ler e ouvir tudo o que o cliente disser ou escrever sobre a marca.

  • Experiências – estabeleça associações positivas com a marca

Além de criar comunidades, as empresas podem oferecer acesso a experiências exclusivas do cliente, como produtos, serviços ou eventos. Ao fornecer acesso a algo não disponível ao público em geral, as empresas podem criar uma sensação de exclusividade e fazer com que os clientes se sintam únicos e valorizados. Um bom exemplo é a Sephora que torna a experiência de compra única e personalizada, oferecendo amostras de produto, displays interativos, demonstrações de maquilhagem, recomendações personalizadas.

  • Construa uma comunidade

Marcas com uma comunidade fanática conquistam mais fidelidade à marca. A Harley-Davidson é um excelente exemplo disso. Ao fazer a transição de um foco no produto para um foco na comunidade, a Harley-Davidson cultivou uma base de fãs na casa dos milhões com seu Harley Owners Group (H.O.G.).

Também a Nike faz com que os seus clientes se sintam especiais com o seu clube exclusivo para membros. O grupo oferece exclusividade, comunidade, personalização e uma ótima experiência.

Crie embaixadores da marca, não só externos, mas também internos, que partilhem os valores da marca e sejam capazes de os transmitir de uma forma genuína e autêntica. Este conjunto de embaixadores, reforça o sentido de comunidade.

  • Utilize as redes sociais

As redes sociais são a forma mais fácil de encontrar os seus clientes onde eles estão: online. Crie mais envolvimento com as redes sociais contando a história da sua marca, incentivando o conteúdo gerado pelos consumidores e tendo conversas reais com eles.

Um estudo da Marketing Dive revela que 90% das pessoas compra marcas que seguem nas redes sociais. Então, claramente, o canal social ajuda na construção da fidelidade à marca.

  • Recompensas e gamificação

As marcas podem criar incentivos através de sistemas de pontos, experiências e descontos exclusivos (versus descontos gerais) que incentivam os clientes a interagir com a marca com mais frequência. Essas recompensas podem ser consideradas uma forma de incentivar e agradecer aos clientes fiéis. O Starbucks Rewards recompensa os clientes por fazerem compras e oferece recomendações personalizadas com base nas suas preferências.

A gamificação, por outro lado, envolve a incorporação de elementos semelhantes a jogos na experiência do consumidor e pode incluir recompensas, como colecionáveis ​​digitais, como parte do jogo.

Marcas como a Apple, Google, Nike, Amazon, Lego e Coca-Cola têm uma elevada taxa de fidelidade à marca, porque conseguiram diferenciar-se da concorrência. A Apple pelo design, experiência de uso e imagem de marca; a Google pela qualidade, inovação, privacidade e segurança; a Nike pela qualidade, inovação, imagem de marca e campanhas de marketing; a Amazon, pelo seu modelo de negócio, conveniência, variedade de artigos e inovação; a Lego pela criatividade, qualidade, os valores da marca e também pela nostalgia; a Coca-Cola pelo sabor único e praticamente inalterado há mais de um século, campanhas publicitárias memoráveis e a disponibilidade do produto. Estes são apenas alguns exemplos porque existem tantas outras marcas que conseguiram criar esta conexão emocional com os seus consumidores/clientes.

Clientes fiéis geram um fluxo de receitas consistente e contribuem para o sucesso do negócio a longo prazo. Também ajudam a recrutar novos consumidores com o seu feedback positivo.

Em tempos onde a tecnologia é rainha, e a Inteligência Artificial está na ordem do dia, não nos podemos esquecer que somos humanos, somos seres de emoções, que gostamos de criar relações, que gostamos de nos sentir reconhecidos e valorizados, que gostamos que nos deem atenção e é por aqui que se cria confiança e lealdade!


Susana Duro tem mais de 20 anos de experiência no desenvolvimento e implementação de estratégias de marketing para marcas líderes de mercado e um sólido percurso profissional construído em empresas nacionais e multinacionais de referência dentro do mercado de FMCG.

É licenciada em Marketing e Publicidade pelo IADE, pós-graduada em Retail Management e em Direção Comercial no Indeg/Iscte e mestre em Marketing pela mesma instituição. Iniciou a sua carreira de marketing na Henkel Ibérica como gestora de produto, passando depois para brand manager na Dan Cake. Em 2004 entrou para a Nestlé onde esteve durante 11 anos. Aqui desempenhou a função de brand manager da categoria de Culinários, de trade marketing manager na categoria de chocolates e de head of trade marketing na categoria de Cereais de pequeno-almoço. Em 2017 entrou para a Coca Cola Europacific Partners como responsável pela equipa de Customer Development do Canal Alimentar. Em 2022 foi convidada para assumir a função de National Account manager ficando com a responsabilidade de várias contas no canal Horeca Organizado.

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